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Publicidade enganosa é desafio para empresas na era do ESG

Investidor ESG deve estar atento à propaganda ilegal, diz Idec

POR PIETRA BASTOS

No início do ano, a rede de fast food McDonald’s se envolveu em uma polêmica com o lançamento da linha McPicanha. Apesar de constar no nome, os sanduíches não possuíam o corte picanha na lista de composição do hambúrguer, mas sim um molho sabor picanha com aroma natural – o que não ficou claro na divulgação do produto e desapontou muitos consumidores.

Dias depois da repercussão negativa do McDonald’s, foi a vez da rede de fast food concorrente Burger King ser questionada sobre o sanduíche Whopper Costela – que não tinha costela na lista de ingredientes, apenas o aroma do corte na composição do hambúrguer. Após a acusação de seus consumidores por propaganda enganosa, o Burger King decidiu mudar o nome do sanduíche para Whopper Paleta Suína.

Ambas as redes já declararam que se comprometem com os critérios ESG (ambiental, social e governamental). O McDonald’s substituiu as embalagens plásticas por materiais sustentáveis, como papelão biodegradável, e estabeleceu metas de redução da emissão de gases do efeito estufa. E o Burger King tem planos de alcançar 50% de representatividade feminina na liderança corporativa até 2025 e vem removendo ingredientes artificiais de seus sanduíches desde 2020.

Ainda assim, por que empresas que afirmam que seguem as práticas ESG não são transparentes com seus consumidores e continuam promovendo produtos como os dois exemplos acima?

Esta é uma das perguntas que o ESG Insights fez à nutricionista e supervisora técnica do Programa de Alimentação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Laís Amaral, e integrante do comitê do Observatório de Publicidade de Alimentos (OPA).

Laís Amaral. Foto: Divulgação/OPA

Qual o objetivo do OPA?

Laís Amaral – O Observatório de Publicidade de Alimentos é uma iniciativa do Idec que atua ao lado de um comitê formado por profissionais de diversas áreas. O objetivo é fortalecer o direito do consumidor e a informação clara e adequada por meio de denúncias de publicidade ilegal de alimentos, seja ela enganosa ou abusiva. Nós também observamos os produtos ultraprocessados, produtos que têm uma relação com prejuízos para saúde.

O OPA trabalha com denúncias de produtos, práticas, estratégias específicas da indústria e encaminha para os órgãos competentes, como Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), Ministério Público e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Qualquer pessoa pode entrar no site e preencher um formulário com as informações de uma publicidade ilegal. Nós filtramos, analisamos essas denúncias e algumas são enviadas aos órgãos responsáveis.

A publicidade enganosa é mais comum em quais tipos de alimentos?

Laís Amaral – O tipo de produto diversifica bastante. A publicidade enganosa pode aparecer de diversas formas. Temos visto com bastante frequência os ingredientes fantasma. É aquele caso que parece que tem um ingrediente que normalmente tem um apelo de saudabilidade, in natura ou minimamente processado, mas ele não aparece na lista de ingredientes. Ele é um aroma, um aditivo que entra para simular esse ingrediente.

Tem o caso da NesFit, com o biscoito de mel que não tem mel. O Del Valle, que parece que é um suco, que tem uma prevalência de fruta, mas na realidade tem muito pouca. Recentemente denunciamos o Avelãcrem, que é um creme de avelã que não tem avelã [veja ao longo da entrevista alguns posts de denúncias publicados pelo OPA].

Também em relação às embalagens muito parecidas de produtos diferentes, que se chama de promoção cruzada. Por causa da alta do leite, vimos no meio do ano o soro de leite sendo vendido em caixinha como se fosse Leite UHT, que gerou rebuliço nas redes sociais. Isso não é novidade, mas ocorre com mais frequência nos produtos lácteos. Por exemplo, bebida láctea que parece o original, mas não é, e é vendida numa mesma embalagem, na gôndola é colocada ao lado do original e o preço muitas vezes não tem tanta diferença. Apesar de ser mais barato para a indústria produzir esse tipo de produto, nem sempre para o consumidor ele chega mais barato.

E a publicidade abusiva?

Laís Amaral –A propaganda abusiva está relacionada aos alimentos que as pessoas relacionam à infância. O OPA produziu alguns artigos científicos e realizou coletas de dados em publicidade televisiva. Nós encontramos muitas estratégias voltadas ao público infantil em bebidas adocicadas, como achocolatados e suquinhos, biscoitos e fast food, por exemplo – alimentos que têm versões que você leva de lanche.

Nós escutamos muitas pessoas falando “ela tem o paladar infantil” como se o paladar da criança tivesse uma predileção a esses alimentos não saudáveis.

O cenário das publicidades enganosa e infantil da indústria alimentícia mudou nos últimos anos no Brasil?

Laís Amaral – A publicidade enganosa na promoção cruzada e o ingrediente fantasma tiveram bastante destaque nesses últimos anos.

A publicidade infantil sempre teve um espaço muito grande, e o que temos observado é ela ganhando mídias e cenários cada vez mais sofisticados. Na internet vemos a publicidade das maneiras mais criativas e mais camufladas, por influenciadores e até o youtuber mirim que conversa muito com a criança.

Também há espaços públicos ou espaços institucionais em que a publicidade entra de uma maneira completamente inadequada, como em escolas ou parques. E publicidade relacionada a eventos esportivos com uma conexão inadequada: um evento de atividade física relacionado a um alimento que não traz saúde.

É mais complexo olhar a publicidade no ambiente on-line e nesses espaços institucionais. Não que a regulamentação não valha no ambiente on-line, mas muitas vezes a fiscalização se torna mais difícil por causa do algoritmo: Como chega? Para quem chega? Quem está fazendo a publicidade é o influenciador ou é a marca?

O CDC [Código de Defesa do Consumidor] é uma lei bastante ampla, então se a gente tivesse uma lei um pouco mais específica sobre isso seria interessante para dar mais insumos para ter decisões mais concretas e consequências para a empresa.

O design do rótulo do alimento e a falta de uma linguagem mais clara ajudam a confundir o consumidor?

Laís Amaral – Está sendo implementada uma mudança que é uma resolução da Anvisa sobre rotulagem nutricional. Ela não trata especificamente de publicidade, mas tem um artigo que fala sobre as alegações, que são aquelas frases e palavras que normalmente são utilizadas em publicidade, como “rico em vitaminas” ou “zero gordura trans”.

A Anvisa vai incluir uma lupa que diz “alto em açúcar adicionado”, “alto em gordura saturada” e “alto em sódio” em produtos que passarem do limite estabelecido. Eles vão receber esse rótulo na parte frontal da embalagem em branco e preto para chamar a atenção do consumidor ao excesso do ingrediente relacionado a doenças crônicas. Se o produto for alto em gorduras saturadas pelos critérios da Anvisa, ele não pode ter alegações relacionadas à redução, diminuição e zero.

Mas quando falamos sobre o design da embalagem, a publicidade tem muito mais destaque do que a informação nutricional – que são as informações que os consumidores deveriam prestar atenção para saber mais sobre o produto. Normalmente, ela vem na parte da frente da embalagem com muitas cores, letras grandes, fontes diferentes, imagens bastante lúdicas para chamar a atenção do consumidor. Na publicidade infantil tem o excesso de cores, imagens de personagens e de crianças, brindes colecionáveis e imagens de ingredientes in natura que trazem a ideia de saudabilidade. A Resolução 163 do Conanda, que é o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, traz essa proibição muito expressa.

A publicidade camufla a parte ruim do produto e destaca os atributos supostamente saudáveis, que na verdade não cancelam toda a parte prejudicial. Já a informação nutricional, tabela e lista de ingredientes, vai atrás.

Agora isso vai mudar com a nova regulamentação. Mas antes havia uma falta de padronização nessa informação, cores que não davam contraste, letras pequenas e informações muito técnicas. Toda a parte da informação nutricional com pouco destaque, pouca legibilidade e pouca compreensão.

Quais são as técnicas que as empresas utilizam para confundir os órgãos de fiscalização?

Laís Amaral – Nós vemos a indústria tentando achar brechas dentro das regulamentações. Ela vai trabalhar para que consiga desviar da regulamentação, continuar promovendo seu produto, vendendo e obtendo lucro. A nossa regulamentação de rotulagem não regula em publicidade. Mas em outros países, no México e no Chile, por exemplo, existe uma conexão do rótulo frontal com a restrição de publicidade.

Um exemplo bem claro de como a indústria burla a regra aconteceu no México, que tem a proibição da publicidade infantil no rótulo. A marca deixou a embalagem transparente e o personagem infantil vem estampado no biscoito, e aí o consumidor consegue ver ele dentro do produto.

Os órgãos têm que estar sempre de olho. Por exemplo, um biscoito que é sabor mel e está dentro das normas da Anvisa, mas no CDC diz que não pode ter uma informação enganosa que confunde o consumidor. A população precisa ficar de olho também para esses casos e poder denunciar ou enviar alguma dúvida para o OPA.

Por que empresas que se dizem socialmente responsáveis e que seguem práticas ESG continuam promovendo publicidade ilegal ou abusiva?

Laís Amaral – Precisamos ter mais medidas que ressaltem as consequências e as punições das empresas, fortaleçam os órgãos competentes e de leis específicas. É o que tentamos fazer de uma maneira ou de outra pelo OPA.

Se a gente tivesse uma lei, como há no México ou no Chile, que proibisse a publicidade infantil, talvez colaboraria para o Judiciário, para as pessoas que trabalham com esses temas, ter mais vigor para tomar decisões.

Como as denúncias do OPA podem ajudar investidores que buscam investimentos socialmente responsáveis e conscientes?

Laís Amaral – Como as denúncias do OPA mostram práticas irregulares que as empresas estão praticando, é importante que os investidores fiquem de olho. Se uma empresa está praticando publicidade abusiva e publicidade enganosa, é importante para o investidor que isso seja considerado.

Nem sempre o compromisso com os critérios ESG é efetivo. É bom destacar a necessidade de mais transparência em relação às empresas que se dizem responsáveis do ponto de vista ESG. Que elas sejam transparentes em relação às alegações ambientais, às alegações sociais e às práticas de governança. É importante que isso fique claro para a população e para os investidores quais critérios são esses porque isso diz muito sobre o produto, a prática, a política que a empresa está atuando no mercado.

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