O verdadeiro desafio é repensar nossas formas de produzir, consumir e viver – e, sobretudo, redefinir o que entendemos por progresso
POR PAULO ARTAXO
Desde esta quinta-feira, 6 de novembro de 2025, Belém se transforma, por duas semanas, no centro das atenções do planeta. A COP30 reúne um número recorde de delegações, dezenas de chefes de Estado e uma participação popular intensa. O presidente Lula transfere o governo para a capital paraense, simbolizando o compromisso do Brasil com a Amazônia e com o futuro do clima global.
Nas três zonas da conferência – Azul, Verde e Amarela (esta última dedicada às atividades paralelas e à mobilização da sociedade) –, os debates serão intensos. Mas o que está em jogo vai muito além da crise climática: trata-se da construção de um novo modelo de civilização, capaz de atender aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e garantir um futuro digno às próximas gerações.
O modelo socioeconômico atual, que nos trouxe até aqui, mostra sinais evidentes de esgotamento. Ele concentra renda de forma obscena, aprofunda desigualdades e consome, a um ritmo insustentável, os recursos finitos do planeta.
Enfrentar a emergência climática é, portanto, apenas o primeiro passo. O verdadeiro desafio é repensar nossas formas de produzir, consumir e viver – e, sobretudo, redefinir o que entendemos por progresso.
Os 5 eixos essenciais que precisam ser enfrentados
O que, afinal, não pode ficar de fora das discussões e decisões da COP30? Há um conjunto mínimo de compromissos que a conferência precisa enfrentar com seriedade. Espera-se que os debates avancem, pelo menos, nestes cinco eixos essenciais:
- Promover uma transição justa e acelerada dos combustíveis fósseis para energias sustentáveis, reorganizando as bases produtivas para que as economias de baixo carbono se tornem a regra – e não a exceção – em todas as regiões do planeta.
- Zerar o desmatamento das florestas tropicais até 2030, garantindo mecanismos robustos e permanentes de proteção, monitoramento e valorização desses ecossistemas essenciais ao equilíbrio climático global.
- Consolidar instrumentos eficazes de financiamento climático, assegurando que países em desenvolvimento disponham de recursos suficientes para realizar sua transição energética e cumprir metas de mitigação e adaptação.
- Implementar políticas sociais e econômicas de adaptação ao novo clima, com foco especial nas populações mais vulneráveis, que já enfrentam os impactos das mudanças no seu cotidiano.
- Reforçar o multilateralismo. A crise climática não reconhece fronteiras. Apenas uma cooperação internacional forte, baseada em confiança, ciência e acordos vinculantes, permitirá enfrentar um desafio de escala planetária como o aquecimento global.
Cada país, em suas negociações, concentrará esforços em alguns desses pontos centrais. No caso do Brasil, a preservação das florestas e o fim do desmatamento certamente estarão entre as prioridades, assim como o debate sobre o financiamento climático.
Já os países europeus, pressionados por crises econômicas e pelo aumento dos gastos em defesa, tendem a evitar o tema do financiamento –justamente aquele em que serão mais cobrados pelas nações em desenvolvimento. Por sua vez, os grandes produtores de petróleo buscarão bloquear qualquer avanço nas discussões sobre a redução da exploração e do uso de combustíveis fósseis.
Como se vê, a tarefa que temos pela frente não é apenas difícil: é, em muitos aspectos, uma verdadeira missão quase impossível.
Alguns motivos para otimismo
Ainda assim, há motivos para o otimismo. Vivemos um momento singular na luta contra a mudança do clima. Nos últimos anos, registraram-se avanços expressivos na geração de energias renováveis, na eletrificação dos transportes e na redução do desmatamento em diversas regiões do planeta. Hoje, o custo de produção de energia solar e eólica é, em geral, inferior ao da queima de combustíveis fósseis – o que acelera a transição energética global em ritmo notável, gerando ganhos econômicos.
As emissões globais de gases de efeito estufa começam a dar sinais de desaceleração, com tendência à estabilização nos próximos cinco anos. Países como China e Índia já registram crescimento econômico mais rápido que o aumento de suas emissões – um indício promissor de desacoplamento entre PIB e carbono, marco fundamental rumo a um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.
Mesmo assim, as novas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) ainda projetam um aumento médio de temperatura global de cerca de 2,7 °C, muito acima da meta do Acordo de Paris.
Para o Brasil, esse cenário significaria um aumento de 3,5 °C a 4 °C, acompanhado de queda acentuada nas chuvas – combinação que ameaça a produtividade agrícola, amplia o risco de degradação florestal na Amazônia e pode transformar o Nordeste em uma região árida.
Eventos climáticos extremos se tornarão mais frequentes e intensos, e os 8.500 quilômetros de costa brasileira enfrentarão impactos graves com o avanço do nível do mar. É um futuro que precisamos evitar a qualquer custo. Temos que manter a meta do Acordo de Paris, que busca limitar o aquecimento global a 2,0 °C, preferencialmente a 1,5 °C.
A principal tarefa da COP30 é inequívoca: encerrar a era dos combustíveis fósseis e acelerar a transição para uma matriz energética limpa e de baixas emissões em todos os setores econômicos e países.
Brasil pode se tornar uma potência energética sustentável
O Brasil, com seu vasto potencial de geração solar e eólica, tem diante de si uma oportunidade histórica de se tornar uma potência energética sustentável – com energia barata, abundante e renovável.
Nenhum país do planeta tem o potencial de geração solar e eólica que temos no Brasil. Podemos colocar nosso país em posição de liderança mundial na produção de energia sustentável e barata.
Podemos liderar essa transformação, deixando para trás a energia do século passado e impulsionando um novo ciclo de desenvolvimento baseado em fontes limpas.
Os cinco pontos elencados no início deste artigo apontam o caminho – e reforçam a urgência de agir, com responsabilidade compartilhada e visão de futuro.
É alentador constatar que o Acordo de Paris continua vivo – e mais do que isso, viável. Não apenas do ponto de vista técnico, mas também do econômico. As tecnologias necessárias para descarbonizar a maior parte dos setores produtivos já existem, estão comprovadas e, em muitos casos, são hoje mais competitivas do que as alternativas baseadas em combustíveis fósseis.
A crise climática que enfrentamos é, na verdade, o sinal mais evidente de que a humanidade atravessa mais uma grande transição histórica – assim como foram, em seu tempo, o fim do feudalismo, a Revolução Industrial e as duas guerras mundiais do século XX. Agora, caminhamos para um novo paradigma: o de um mundo orientado pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mais justo, solidário e resiliente.
As próximas décadas não serão fáceis. A transição rumo à sustentabilidade exigirá profundas transformações econômicas, sociais e culturais. Mas não há alternativa. O modelo atual é insustentável – e já apresenta sinais de esgotamento, inclusive no curto prazo.
A COP30 representa, portanto, um ponto de inflexão. É o momento de trabalhar coletivamente pela construção dessa nova sociedade, que una prosperidade e equilíbrio ambiental. A hora de começar é agora – e o caminho passa inevitavelmente por Belém.
Paulo Artaxo – Professor do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU.
Este texto foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.
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Este texto foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons.


