Pesquisa compara três regiões amazônicas e mostra que estradas servem para atividades mais lucrativas e destrutivas, como gado e mineração
POR DANIEL CALLO-CONCHA
Um problema comum na Amazônia é que as estradas servem tanto para levar oportunidades econômicas quanto para a destruição ambiental. Elas são essenciais para o transporte de produtos florestais não madeireiros (PFNMs) para os mercados, como a castanha-do-pará e o açaí, mas também são responsáveis por abrir a floresta ao desmatamento causado pela agricultura, pecuária e mineração.
Então, será que a construção de mais estradas é o caminho para impulsionar a economia florestal sustentável da Amazônia? Nossa nova pesquisa, publicada na PLOS Sustainability and Transformation, sugere que é o contrário. Comparando uma década de dados em três regiões limítrofes na Bolívia, no Brasil e no Peru, descobrimos que o segredo para economias prósperas baseadas em PFNMs não é construir mais estradas – e sim melhorar a governança e os investimentos direcionados em infraestrutura e instalações de processamento desses produtos, para lhes dar um valor agregado.
Um experimento natural no sudoeste da Amazônia
Nosso estudo concentrou-se na região MAP, uma área de três fronteiras: Pando (Bolívia), Acre (Brasil) e Madre de Dios (Peru). Essas regiões compartilham ecossistemas semelhantes e um histórico de extração de PFNMs, mas seguiram caminhos de desenvolvimento diferentes, resultando em atividades econômicas e estruturas sociais e institucionais divergentes.
Assim, entre 2010 e 2020, acompanhamos a expansão das estradas, o desmatamento e os volumes de produção de castanha-do-pará e açaí. Os resultados revelaram um contraste impressionante:
- Em Pando, na Bolívia, a malha rodoviária permaneceu estável, a perda florestal foi mínima (menos de 1%) e a produção de castanha-do-pará e a produção de açaí cresceu vinte vezes depois que as fábricas de processamento locais foram estabelecidas na região.
- No Acre, Brasil, a rede rodoviária se expandiu e a cobertura florestal caiu 13%. Enquanto isso, a produção de castanha-do-pará diminuiu significativamente.
- Em Madre de Dios, no Peru, as estradas também se expandiram, a cobertura florestal caiu 9% e a produção de castanha-do-pará apresentou tendência de queda.
O exemplo da Bolívia demonstra que é possível manter e até mesmo aumentar a produção de PFNMs sem uma onda de construção de novas estradas.
Por que as novas estradas da Amazônia geralmente prejudicam a economia florestal
O problema é que as estradas raramente são construídas apenas para os PFNMs. Como nossas entrevistas com as partes interessadas locais revelaram, as novas estradas geralmente servem para atividades mais lucrativas – e destrutivas – como a criação de gado e a mineração de ouro.
No Peru, a melhoria do acesso rodoviário simplificou a cadeia de suprimentos da castanha-do-pará, mas também intensificou a concorrência por terras, tornando o extrativismo menos atraente.
Como apontou um de nossos entrevistados no Peru, os desafios são grandes quando uma concessão de castanha-do-pará faz fronteira com uma mina de ouro. Isso porque as estradas para transportar as castanhas também facilitam a entrada de garimpeiros e fazendeiros, que desmatam a floresta da qual as castanheiras dependem.
Melhor infraestrutura, não apenas mais estradas
Quando perguntamos aos participantes locais o que mais melhoraria o setor de PFNMs, fazer mais estradas não apareceu como prioridade. Em vez disso, eles listaram:
- Melhorar as estradas existentes: Melhor manutenção para garantir um transporte confiável, especialmente para o açaí altamente perecível, que deve ser processado em 48 horas depois da colheita;
- Construção de mais fábricas de processamento: Investimentos estratégicos em instalações de armazenamento e processamento, como visto no atual boom do açaí na Bolívia;
- Industrialização de produtos: Explorar produtos de valor agregado, como óleo de castanha-do-pará ou açaí liofilizado, para aumentar a lucratividade e o prazo de validade.
Uma conclusão do caso boliviano é que o foco na infraestrutura pós-colheita em um contexto de forte governança florestal (como a proibição de novas estradas na Reserva Manuripi) permitiu que a economia de PFNMs prosperasse sem desencadear uma espiral de desmatamento.
Um caminho a seguir
Nossas descobertas sugerem que políticas gerais que promovem a expansão de estradas na Amazônia são inadequadas. Uma abordagem mais eficaz deveria considerar:
Para os governos: Priorizar a manutenção e a melhoria das estradas existentes, cruciais para os PFNMs, em vez de construir novas estradas. O investimento direto em instalações descentralizadas de processamento e armazenamento beneficia as economias locais sem induzir mudanças em grande escala no uso da terra.
Para grupos de conservação: Apoiar iniciativas que fortaleçam a infraestrutura social – como a constituição de cooperativas extrativistas e posse segura da terra – que são tão essenciais quanto a infraestrutura física e são a base para uma economia florestal sustentável.
O futuro das economias florestais da Amazônia não está na abertura de mais estradas na floresta tropical. Está em investimentos mais inteligentes e direcionados que trabalhem com a floresta, e não contra ela. A experiência da Bolívia mostra que é possível ter florestas saudáveis e meios de subsistência prósperos baseados na floresta.
Daniel Callo-Concha – Scientist University Kaiserslautern-Landau / Associated researcher, University of Bonn
Este texto foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.
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Este texto foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons.



