Projeto de lei oferece algumas garantias trabalhistas, mas uma parcela do setor permanece marginalizada, aponta advogada
POR BÁRBARA VETOS
“Sou pai, tenho uma família que me espera em casa. Mas todos os dias, quando saio para trabalhar, não tenho certeza se volto.” A angústia compartilhada por Rodrigo Lopes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Entregadores, Empregados e Autônomos de Moto e Bicicleta por Aplicativos do Estado de Pernambuco (Seambape), descreve um pouco da realidade muitas vezes enfrentada por profissionais de aplicativo.
Ao todo, o Brasil tem 1,6 milhão de trabalhadores por aplicativos de serviço, incluindo motoristas de serviços de transporte e motociclistas e ciclistas que fazem entregas, segundo estudo do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec). O fenômeno, conhecido como uberização, cresceu durante a pandemia, mas também trouxe questionamentos sobre a precariedade das condições e relações trabalhistas.
Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) revelou que quase 60% dos trabalhadores de aplicativo já sofreram com violência, agressão, assaltos e acidentes. Entre os motociclistas, 63,6% relataram ter passado por situações como essas, assim como 50% dos ciclistas e 45,5% dos motoristas de carros.
Nesse contexto, o debate pela regulamentação do setor ganhou força com a possibilidade de reconhecimento de vínculo de trabalho entre os motoristas e as plataformas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e com a apresentação de um projeto de lei pelo governo federal para garantir direitos aos trabalhadores.
“Infelizmente, a criação de um projeto de lei para amparar os trabalhadores não foi tão rápida quanto o crescimento desse tipo de prestação de serviço nos últimos anos, mas só a regulamentação vai conseguir trazer segurança efetiva para o setor”, avalia a Dra. Renata Mourão, sócia-diretora na Nelson Wilians Advogados.
Determinações previstas para a nova categoria
Por meio do projeto de lei, o governo apresentou novas regras a serem seguidas para os aplicativos de transporte, como Uber e 99, como forma de garantir uma série de direitos para o setor, até então, desamparado legalmente. Confira algumas das alterações propostas.
- Nova categoria e nomenclatura: “trabalhador autônomo por plataforma”.
- Jornada de trabalho de 8 horas diárias, podendo chegar ao máximo de 12 horas.
- Motoristas e empresas vão contribuir para o INSS. Os trabalhadores pagarão 7,5% sobre a remuneração, enquanto o percentual a ser recolhido pelos empregadores será de 20%.
- Mulheres motoristas de aplicativo terão direito a auxílio-maternidade.
- O motorista poderá trabalhar para quantas plataformas desejar, sem acordo de exclusividade com a empresa.
- Por cada hora trabalhada, o profissional vai receber um total de R$ 32,90, sendo R$ 8,83 de remuneração e R$ 24,07 para pagamento de custos com celular, combustível, manutenção do veículo, seguro, impostos e outras despesas. O valor de ressarcimento de custos não irá compor a remuneração, portanto não entra no cálculo do INSS.
- Os motoristas serão representados por sindicato nas negociações coletivas, assinatura de acordos e convenção coletiva, em demandas judiciais e extrajudiciais.
“O projeto de lei apresentado pelo governo mostra uma evolução, mesmo que ainda não completa, porque protege apenas aqueles trabalhadores que utilizam veículos de quatro rodas. Sabemos que grande parte desses trabalhadores de aplicativo utilizam motos e bicicletas”, explica Mourão. “Ainda existe uma parcela da população que permanece marginalizada em relação a essa proteção básica.”
Motociclistas continuam desamparados após proposta
Apesar das novas determinações apresentadas e a criação de uma nova categoria, o líder sindical aponta outras questões latentes na discussão. “Que modelo é esse em que eu continuo pagando minha habilitação, internet, manutenção, alimentação, impostos, e não tenho nada garantido?”, questiona sobre sua realidade como motociclista.
“Não existe autonomia, existe exploração da mão de obra. [As empresas] têm a capacidade de dizer que sou autônomo, mas são elas que definem o valor do meu serviço.” Sua fala diz respeito à determinação de um valor fixo por hora trabalhada, e não pelo total de tempo gasto nas ruas. Lopes enfatiza que, apesar de ambos sofrerem as consequências da falta de regulamentação e garantias, os motociclistas correm mais riscos do que os motoristas de veículos de quatro rodas.
O profissional relata ter sobrevivido a 12 acidentes e a uma série de momentos em que teve medo da morte. Ele conta que é assustador estar na “linha de frente” e presenciar óbitos de colegas de profissão, enquanto se sentem desprotegidos legalmente.
“É por isso que temos que continuar lutando e conquistando essas coisas mínimas com o decorrer do tempo. É uma batalha complexa, mas vamos enfrentar com sabedoria, porque a vulnerabilidade e precarização não acabaram”, desabafa o presidente do Seambape.
Contém informações da Agência Brasil.
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