Os compromissos assumidos na COP serão suficientes?
POR MATT MCDONALD
À medida que os negociadores voltam de Dubai e a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 chega ao fim, é hora de fazer um balanço. A COP28 alcançou o grande avanço que o mundo precisa em relação às mudanças climáticas?
Provavelmente não. Mas o acordo final – recebido com aplausos – inclui um primeiro apelo às nações para que abandonem os combustíveis fósseis. Ele está a um passo de um compromisso de eliminação progressiva dos combustíveis, como alguns delegados defenderam, mas sugere que os dias dos combustíveis fósseis estão contados.
A questão primordial que o mundo enfrenta agora é se os compromissos assumidos pelas nações são suficientes à medida que as alterações climáticas aceleram. A resposta, preocupantemente, é não.
Emirados Árabes Unidos: anfitriões questionáveis
As negociações deste ano já começaram controversas.
O papel do petroleiro Sultan Al Jaber como presidente da COP28 alimentou preocupações sobre a responsabilidade dos Emirados Árabes Unidos – país anfitrião com interesses significativos na manutenção de uma economia de combustíveis fósseis. Depois vieram informações de que Al Jaber questionou a justificativa científica para a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis para enfrentar as mudanças climáticas, em meio a relatos de negociações comerciais paralelas à reunião.
Além disso, um número inédito de lobistas dos combustíveis fósseis e defensores da geoengenharia participaram das negociações. Essa presença não criou condições ideais para ações sobre as alterações climáticas.
Avanço de “perdas e danos”
Os organizadores tiveram uma vitória inicial com um acordo para estabelecer um fundo de “perdas e danos”, por meio do qual as nações mais ricas compensam as mais pobres pelos efeitos das mudanças climáticas. A criação desse fundo é um dos grandes resultados das negociações. Demorou muito para chegarmos até aqui, depois de o tema ter sido inicialmente sugerido por Vanuatu em 1991 e apoiado, a princípio, nas reuniões do ano passado no Egito.
Por que isso é necessário? Porque os países em desenvolvimento são particularmente vulneráveis aos danos causados pelas alterações climáticas e têm capacidade limitada para lidar com os custos de reparação e reconstrução. O fundo também aponta para as obrigações específicas dos Estados desenvolvidos e principais emissores que, em sua maioria, são os responsáveis pelo problema.
Mas ainda existem grandes questões sobre a medida e de que forma será financiada. Apesar do alarde, apenas US$ 700 milhões foram atribuídos até agora ao fundo destinado a compensar os países por danos que, segundo estimativas recentes, já ultrapassam centenas de bilhões de dólares por ano.
Há também preocupações sobre o fundo ser administrado pelo Banco Mundial, que tem credenciais ambientais questionáveis e um histórico irregular de transparência.
É claro que o próprio fundo é uma admissão de fracasso. Ele só é necessário porque a comunidade internacional não conseguiu impedir as alterações climáticas – e é pouco provável que as impeça de atingir níveis mais perigosos.
Espreguiçadeiras no Titanic?
À medida que as negociações avançavam, elas também ficavam mais difíceis. O tema complicado: combustíveis fósseis. Pode surpreender quem está de fora, mas é a primeira vez que as nações abordam diretamente a eliminação progressiva desse tipo de combustível. No ano passado, as nações concordaram em acelerar a saída do carvão – o mais poluente –, mas nada disseram sobre o gás ou o petróleo.
Durante dias, houve um debate intenso sobre a aplicação de frases como “eliminação gradual” ou “redução gradual” ou o termo “inabalável” aos combustíveis fósseis. Até a palavra “poderia” tornou-se controversa, quando associada à sugestão de que os países “poderiam” considerar limitar a produção e o consumo de combustíveis fósseis. Para as vítimas das alterações climáticas, os argumentos podem parecer a reorganização das espreguiçadeiras do Titanic.
Algumas nações estavam preparadas para reconhecer a necessidade de eliminar os combustíveis fósseis. Outros salientaram a importância de uma transição futura sem que haja o comprometimento de sua necessidade de se desenvolver ou obter receitas de exportação. Outros ainda sugeriram que os efeitos dos combustíveis fósseis poderiam ser minimizados por meio de tecnologias como a captura e armazenamento de carbono.
Todos os 198 países participantes precisavam aprovar qualquer declaração final. Dá para ver a dificuldade em chegar a um consenso.
Mais de 100 países pressionaram por um compromisso global com a eliminação total dos combustíveis fósseis. Mas as nações que lucram imensamente com eles – como Rússia, Irã, Iraque e Arábia Saudita – opuseram-se a qualquer menção aos combustíveis fósseis no documento final.
O primeiro rascunho da declaração não caiu bem.
Os negociadores anfitriões tentaram mediar um acordo entre os interesses concorrentes, omitindo qualquer referência a “eliminação” ou “redução” progressiva. Em vez disso, sugeriram que os países “poderiam” considerar a redução da produção e do consumo de combustíveis fósseis. O texto de compromisso produzido pelo presidente da COP28, Al Jaber, e sua equipe parecia “errar” em favor dos interesses dos combustíveis fósseis. Mesmo assim, seus defensores ainda se opunham.
Os protestos foram rápidos por parte dos países que queriam uma ação climática mais efetiva. O projeto foi rotulado como uma “certidão de óbito” por pequenos Estados insulares e vulneráveis, enquanto um ataque devastador veio de nações preocupadas, ONGs e até mesmo países com históricos climáticos irregulares, como Austrália, Estados Unidos, Canadá e Japão.
Um acordo será suficiente?
Como as negociações se prolongaram muito além do prazo original, foi uma surpresa que o documento final tenha sido aprovado com relativa rapidez.
A versão final foi mais veemente sobre a contribuição dos combustíveis fósseis para as alterações climáticas, e alguns defensores consideraram isso como um bom sinal. O documento afirmou que a transição dos combustíveis fósseis precisava ocorrer rapidamente, embora “de uma forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de modo a atingir o zero líquido até 2050, de acordo com a ciência”.
O fato de esta ser a primeira vez que a contribuição dos combustíveis fósseis para as alterações climáticas é reconhecida em um documento final da COP diz muito sobre o ritmo lento que as negociações sobre o clima apresentam desde que começaram em 1992. E, aqui, os críticos lamentaram a falta de detalhes sobre como os objetivos seriam implementados ou os compromissos seriam concretizados.
A conferência também apresentou acordos importantes para triplicar as energias renováveis e expandir a energia nuclear e um novo compromisso para reduzir as emissões provenientes de tecnologias de refrigeração, como o ar-condicionado, que se tornarão cada vez mais importantes à medida que o mundo se aquece. As negociações também viram o reconhecimento do papel cada vez mais significativo do setor agrícola para as alterações climáticas.
Mas é preciso fazer mais. Em 2023, as temperaturas já ultrapassaram o limiar crucial de 1,5°C. O balanço global das reduções de emissões divulgado antes da COP mostra que os nossos esforços atuais não são suficientes para impedir um maior aquecimento. Países como a Austrália defenderam uma linguagem mais forte sobre o fim dos combustíveis fósseis, mantendo, ao mesmo tempo, um fluxo constante de novos projetos de combustíveis fósseis a nível interno. Não é de se admirar que o principal negociador da Aliança dos Pequenos Estados Insulares tenha dito que “o processo falhou conosco”.
Em resumo, e apesar da concretização diplomática de um acordo que parecia improvável algumas horas antes, ainda é difícil dizer que a comunidade internacional está levando este enorme desafio tão a sério como deveria.
Foto: Andrea DiCenzo/UNFCCC
Este texto foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em inglês.
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Matt McDonald – Professor associado de Relações Internacionais na Universidade de Queensland, na Austrália.
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