Lei nº 14.876 pode incentivar a criação de desertos verdes e prática divide opiniões
POR BÁRBARA VETOS
Com a aprovação da Lei nº 14.876, a silvicultura deixou de constar da relação de atividades potencialmente poluidoras ao meio ambiente. A mudança permite que a prática não precise mais cumprir determinados requisitos e obrigações ambientais que eram exigidos anteriormente e facilita a criação dos chamados desertos verdes.
A partir disso, o licenciamento ambiental para o plantio de florestas para fins comerciais será simplificado e a produção não estará sujeita ao pagamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA). A nova lei, aprovada em 31 de maio de 2024, altera a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81).
O manejo de florestas por meio da silvicultura busca incentivar o cultivo de espécies como pinus e eucalipto, utilizadas para extração de madeira e celulose, respectivamente. A ação, no entanto, pode levar à criação dos desertos verdes.
Os desertos verdes são áreas de monoculturas florestais, geralmente de espécies exóticas, que são plantadas em larga escala. Isso faz com que, apesar do aparente horizonte verde, haja baixa diversidade bioecológica na região.
A questão divide opiniões. Para Francisco Higuchi, CEO da Tero Carbon, doutor em Ecologia e Manejo de Florestas Tropicais, todo monocultivo, de qualquer cultura agro-silvi-pastoril, pode causar impactos ambientais positivos e negativos. “Nenhum deles é inexorável, ou seja, podem ou não estar presentes de acordo com circunstâncias específicas.”
Riscos dos desertos verdes
Antes da aprovação do governo federal, a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), o Instituto Socioambiental (ISA), o Observatório do Clima (OC) e a World Wide Fund for Nature (WWF Brasil) solicitaram que a medida fosse revista e vetada.
Para as organizações, a silvicultura em larga escala possui um potencial poluidor significativo e pode resultar em degradação ambiental, extinção de espécies e escassez de recursos hídricos.
- Desastre climático é o que acontece quando o Estado tem outros planos
- Brasil precisa de uma nova abordagem para a mobilidade climática
Um estudo de 2019 da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) observou que a plantação de eucalipto pode causar a desertificação do solo, escassez dos recursos hídricos, poluição dos rios, lagos, nascentes e doenças devido à grande quantidade de agrotóxicos que é jogada nas plantações para eliminar pragas. A pesquisa foi desenvolvida sob a perspectiva do impacto gerado nas comunidades indígenas, como o território de Barra Velha, localizado no município de Porto Seguro, extremo sul da Bahia.
As monoculturas também podem substituir ecossistemas nativos ricos em biodiversidade, afetando a fauna e a flora locais.
Higuchi concorda em relação à redução da biodiversidade. “Florestas homogêneas plantadas apresentam diversidade florística, genética e de espécies inferiores a florestas naturais maduras”, explica. Segundo ele, estudos também observaram o ressecamento dos solos em áreas de plantio de eucalipto em regiões de baixa pluviosidade (< 400mm/ano).
- ESG Insights no seu e-mail – Grátis: nossa newsletter traz um resumo da edição mais recente da revista ESG Insights, além de notícias, artigos e outras informações sobre sustentabilidade.
Geração de empregos e retenção de água estão entre benefícios
Por outro lado, o especialista defende que também existam benefícios na prática. Na questão ambiental, ele menciona o retorno de macrofauna, atividade microbiota, retenção de água na biosfera e redução da pressão sobre florestas naturais.
No aspecto socioeconômico, Higuchi acredita que a geração de empregos diretos e indiretos, recolhimento de impostos e contribuição no PIB podem ser fatores importantes na avaliação dos benefícios.
O Brasil é o maior produtor e exportador mundial de celulose, sendo o terceiro produto agrícola mais exportado do país – o que explica a relevância do tema e as divergências de perspectivas sobre a produção florestal.
ÚLTIMAS NOTÍCIAS
- Informalidade urbana nas favelas: peça do sistema, não falha
A informalidade não é falha, ausência ou efeito do desenvolvimento urbano, mas elemento central do regime urbano nos países do Sul Global - O futuro da energia solar no quintal dos brasileiros
A descentralização da geração elétrica pode transformar bairros em protagonistas da transição energética – com mais educação, engajamento e justiça territorial - Dilemas da América Latina: transição, exploração e futuro climático
A América Latina liderará uma nova era de desenvolvimento sustentável ou apenas dará um novo nome para o velho extrativismo? - Desigualdade salarial entre homens e mulheres baixa para 15,8% em 2023
Pesquisa do IBGE mostra que desigualdade diminuiu em relação a 2022 - Onde estão as mulheres no financiamento climático?
Apesar de mais afetadas e atuantes, mulheres seguem com acesso mínimo ao financiamento climático - As cidades e seus pulmões verdes
Parques urbanos, mesmo os menores, trazem resultados na melhoria da qualidade do ar das metrópoles - Racismo ambiental: sede da COP30 convive com precariedade em bairros de maioria negra
Acesso à saneamento, fundamental para adaptação climática, é concentrado onde vivem mais pessoas brancas - Obras da COP30 revelam contradições em Belém
De um lado, o prometido legado; de outro, atrasos e queixas de operários por salários e condições de trabalho - Economia verde desperta otimismo sobre geração de emprego
Pesquisa da ABDI e Nexus aponta apoio de brasileiros à economia verde - Natura, Boticário e Mercado Livre lideram ranking de atração e retenção de talentos
Terceira edição do ranking Merco Talento Brasil reconhece as 100 empresas com maior capacidade de atrair e reter talentos no país
