A eficiência na geração elétrica não é mais uma escolha técnica, mas uma prioridade diante da crise climática global
POR ANTON SCHWYTER
A geração de energia no Brasil vive um momento decisivo. Estamos diante de uma encruzilhada que exige escolhas claras entre eficiência e obsolescência, entre sustentabilidade e retrocesso.
A manutenção da dependência em usinas termelétricas, com eficiência média entre 30% e 40%, impõe ao país um modelo energético caro, poluente e ineficiente. A pergunta que se impõe é se estamos, de fato, apostando em um futuro energético sustentável ou apenas perpetuando um sistema ultrapassado, moldado por perdas, ineficiências e interesses cristalizados.
O debate ganhou novos contornos com a suspensão, por decisão judicial, do Leilão de Reserva de Potência de 2025, promovido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A ação foi movida pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), que questiona os custos envolvidos e, principalmente, a eficiência do modelo proposto, centrado na contratação de usinas termelétricas.
O momento é propício para uma pergunta essencial: o Brasil está realmente pronto para transformar essa oportunidade em um marco de inovação, ou seguirá apostando em medidas paliativas que apenas disfarçam a urgência de uma reforma estrutural no setor elétrico?
O que é energia de reserva – e por que isso importa?
Antes de avançar, vale compreender o que é a chamada energia de reserva. Trata-se da quantidade de energia elétrica que é mantida à disposição do sistema para ser acionada em situações de emergência, como falhas em outras fontes ou aumento repentino na demanda, os chamados horários de ponta. Esse tipo de energia funciona como um seguro, pois garante a confiabilidade do sistema elétrico, permitindo rápida resposta a variações inesperadas.
Para isso, o governo realiza leilões específicos de reserva de potência, nos quais são contratadas usinas capazes de fornecer energia adicional sob demanda. Na prática, esses leilões têm sido dominados por usinas termelétricas, consideradas flexíveis e confiáveis – mas, como veremos, com custos elevados e baixa eficiência.
O leilão da Aneel que foi suspenso previa a contratação de energia com lances estruturados em rodadas Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), foram cadastrados 327 projetos, incluindo termelétricas novas e existentes e ampliações de usinas hidrelétricas, totalizando uma capacidade instalada superior a 74 gigawatts. Desse total, 67% referem-se a termelétricas novas, 30% a térmicas existentes, e apenas 3% a ampliações hidrelétricas. Ou seja, estamos falando de uma aposta gigantesca na geração termelétrica. Mas a qual custo?
Enquanto usinas hidrelétricas ou sistemas solares e eólicos têm eficiência energética mais alta por trabalharem com recursos renováveis e conversão direta, as termelétricas perdem grande parte da energia na forma de calor. Esse desperdício é ainda mais evidente nas chamadas térmicas de ciclo aberto, cuja eficiência varia entre 30% e 40%. Já as térmicas de ciclo combinado – que reaproveitam o calor gerado para uma segunda etapa de geração – alcançam entre 45% e 60% de eficiência, mas ainda assim com perdas significativas.
A título de comparação, pensemos em um uso doméstico do gás. Quando usamos o gás diretamente para cozinhar, temos uma conversão direta e eficiente. Mas, se utilizarmos o mesmo gás para gerar eletricidade, que depois alimentará um fogão elétrico, estamos criando uma cadeia de perdas energéticas. É o que ocorre, em larga escala, com a geração termelétrica: um processo custoso, ineficiente e altamente emissor de carbono.
E as emissões não são desprezíveis. Dados do Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, referentes a 2023, indicam que as emissões do setor elétrico brasileiro somaram 38,9 milhões de toneladas de CO₂ equivalente. Só as térmicas a gás natural que já existem foram responsáveis por 11,3 milhões de toneladas, ou 29% das emissões do setor elétrico – mesmo representando apenas 9% da matriz elétrica nacional.
Alternativas viáveis e mais eficientes
Apesar do peso que ainda têm as térmicas na estratégia do setor, existem soluções técnicas maduras e economicamente viáveis que podem substituir sua expansão. Entre elas, destacam-se:
- Programas robustos de eficiência energética, que reduzem a demanda sem comprometer o conforto ou a produtividade;
- Usinas híbridas, que conjugam fontes como solar, eólica e hidrelétrica para compensar intermitências e otimizar o uso da infraestrutura;
- Armazenamento de energia, como baterias de grande escala e usinas reversíveis, que podem guardar eletricidade em momentos de baixa demanda para uso posterior;
- Conversão de térmicas a gás para biomassa, especialmente em regiões com alta disponibilidade de resíduos agrícolas ou florestais.
Além disso, políticas públicas que incentivem a inovação e a descentralização da geração – como redes inteligentes e geração distribuída – têm grande potencial para tornar o sistema mais resiliente, limpo e barato para o consumidor.
Hora de virar a chave energética no Brasil
O Brasil tem uma matriz energética que, historicamente, foi considerada uma das mais limpas do mundo. No entanto, a expansão recente da geração fóssil, impulsionada por crises hídricas, insegurança jurídica e inércia regulatória, ameaça essa posição.
Em um mundo que acelera a descarbonização e exige compromissos climáticos cada vez mais firmes, insistir em termelétricas ineficientes é nadar contra a corrente da história.
O setor elétrico brasileiro não pode continuar operando com base em soluções de curto prazo, que apenas disfarçam desequilíbrios estruturais. A proximidade do leilão de 2025 – mesmo suspenso – é uma chance para reflexão profunda. Governos, investidores, órgãos reguladores e sociedade civil precisam construir um pacto por uma transição energética justa, eficiente e sustentável.
A eficiência na geração elétrica não é mais uma escolha técnica. É uma prioridade estratégica diante da crise climática global, das pressões econômicas e das demandas por justiça social. A ineficiência custa caro, e não apenas no bolso. Custa oportunidades, qualidade de vida e futuro. A boa notícia é que as soluções já estão ao nosso alcance. Falta apenas a decisão de usá-las.
Anton Schwyter – Gerente de Energia, Clima e Geociências do Instituto Internacional Arayara e doutorando no Instituto de Energia e Ambiente, da Universidade de São Paulo (USP).
Este texto foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.
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