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Grandes cidades criam abrigos climáticos contra ondas de calor

Cidades estão criando espaços frescos e climatizados para qualquer morador que precise se proteger das fortes temperaturas (Foto: Prefeitura de Boston)

De Buenos Aires a Barcelona, grandes centros urbanos investem em espaços para se refugiar do calor extremo. Qual tem sido o saldo dessas iniciativas?

POR NADIA LUNA

Em 28 de junho, a gari Montse Aguilar, de 51 anos, varreu as ruas de Barcelona pela última vez: após mais de sete horas sob o sol escaldante, enquanto preparava o jantar, a trabalhadora espanhola mandou uma mensagem a um colega avisando que havia sentido cãibras e dores no peito ao longo do dia. Vinte minutos depois, ela desmaiou em casa e morreu.

As evidências científicas sobre os impactos do calor extremo na saúde e sua ligação com as mudanças climáticas são cada vez mais contundentes. Na América Latina e na Europa, as altas temperaturas já provocam milhares de mortes a cada verão, muitas delas associadas aos efeitos severos da crise climática. Nos países subdesenvolvidos, o risco é agravado pela falta de acesso a serviços básicos de saúde e água potável.

O impacto do calor é sentido com força nas grandes cidades, pois a quantidade de edifícios e a falta de vegetação formam as chamadas “ilhas de calor urbanas”, onde as temperaturas são mais altas do que nas áreas rurais.

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Por isso, cada vez mais cidades estão implementando redes de abrigos climáticos: espaços frescos e climatizados para qualquer morador que precise se proteger do calor. Podem ser espaços abertos com sombra, como parques, reservas naturais e praças, ou espaços fechados, como museus, escolas e centros comunitários.

“Ter esses tipos de espaços é absolutamente necessário, porque estamos enfrentando ondas de calor cada vez mais intensas e frequentes”, explicou Pilar Bueno Rubial, subsecretária de Mudanças Climáticas da cidade de Rosário, na Argentina.

Algumas dessas redes têm sido um sucesso ao redor do mundo, enquanto outras ainda enfrentam dificuldades para atrair seu público-alvo.

Um relatório do Greenpeace que analisou abrigos em 16 cidades espanholas encontrou diversos gargalos a serem resolvidos: horários de funcionamento limitados, áreas de descanso insuficientes e cobranças pelo acesso a alguns desses espaços. Outros obstáculos incluem as dificuldades de monitorar a eficácia e o custo-benefício das iniciativas, bem como a escassez de informações a respeito dos próprios abrigos.

O que é um abrigo climático?

Abrigo climático é um espaço no qual uma pessoa pode se refugiar dos efeitos de eventos climáticos extremos.

No caso das ondas de calor, esses abrigos podem ser parques arborizados, prédios públicos com ar-condicionado ou espaços ao ar livre com bebedouros e chuveiros para os dias mais quentes.

Barcelona: a capital dos abrigos climáticos

Em 2019, Barcelona virou a primeira cidade a criar uma rede formal de abrigos climáticos.

Ana Terra Amorim-Maia, pesquisadora do Centro Basco para as Mudanças Climáticas, observou que a ideia de abrir esses espaços em situações de calor extremo já estava presente em cidades dos Estados Unidos e do Canadá, onde são conhecidos como “centros de resfriamento”. 

“Barcelona aprendeu com o conceito dos centros de resfriamento, que eram mais voltados para populações vulneráveis, e expandiu o acesso a qualquer pessoa que precisasse de abrigo contra o calor, chamando-os de abrigos climáticos”, explicou.

Hoje a cidade tem 409 abrigos climáticos, para os quais as pessoas são encaminhadas caso precisem escapar do calor. Entre eles, há bibliotecas, mercados, piscinas, clubes esportivos e museus, como o Mosteiro Real de Santa Maria de Pedralbes

Um dos principais desafios é garantir que as pessoas conheçam a rede de abrigos e que ela chegue aos mais vulneráveis. Em 2022, apenas 15% dos moradores do bairro popular de La Prosperitat conheciam os abrigos, de acordo com uma pesquisa realizada por Amorim-Maia. Em 2023, esse número chegou a 30%, conforme dados da prefeitura. 

“Em um ano, a porcentagem da população que sabia sobre os abrigos praticamente dobrou, mas 70% ainda não sabia”, observou a pesquisadora.

“Os migrantes, principalmente aqueles de países do Sul Global, tinham sete vezes menos probabilidade de ter ouvido falar da rede de abrigos climáticos”.

Esses espaços revelaram-se cruciais para um público específico: as mulheres. “Os homens seguem rotas mais diretas, de casa para o trabalho, enquanto as mulheres ‘ziguezagueiam’ pela cidade. Elas levam as crianças à escola, depois passam pela farmácia, vão ao mercado e assim por diante”, acrescentou Amorim-Maia.

Por enquanto, não há estudos sobre o custo-benefício desses espaços. Porém, considerando que a rede de Barcelona depende fortemente de espaços que demandam poucas adaptações, “o benefício existe”.

Boston: muitos abrigos, poucos visitantes

Nos últimos anos, os verões na cidade de Boston, na costa leste dos Estados Unidos, têm sido mais quentes e úmidos, com quatro ou cinco ondas de calor por temporada.

Enquanto Barcelona aprendeu com as experiências da América do Norte, a cidade de Boston, por sua vez, aprendeu com as lições de Barcelona para melhorar sua própria rede de centros de resfriamento, explicou Zoe Davis, coordenadora de projetos de resiliência climática na prefeitura de Boston.

Uma dessas novidades foi a introdução de áreas verdes, já que os centros de resfriamento normalmente ficam dentro de prédios públicos. Além disso, foram incluídas bibliotecas públicas e áreas de recreação aquática.

Porém, não há dados detalhados sobre quem usa esses espaços e com qual frequência. “Essa é provavelmente uma das perguntas mais difíceis que estamos tentando responder nos últimos dois anos. Temos um processo de registro, mas é muito básico”, disse Davis. 

Uma das suspeitas é que os moradores prefiram adotar estratégias de resfriamento em suas próprias casas. “Tivemos relatos de subutilização”, disse ela.

Agora, telhados verdes com plantas suculentas estão sendo instalados em pontos de ônibus para reduzir o impacto do calor e aproximar mais abrigos das pessoas.

“É claro que precisamos ter opções para as pessoas sem ar-condicionado em suas casas, mas é muito difícil medir o impacto que essa medida tem sobre a saúde”, disse Patricia Fabian, pesquisadora da Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston e integrante do B-COOL, iniciativa conjunta com o governo local para monitorar as temperaturas em diferentes bairros.

Ela e sua equipe realizaram estudos sobre a utilização dos centros, mas até agora não há evidências sobre sua eficácia.

Enquanto isso, o pesquisador Jonathan Lee, colega de Fabian, explicou que eles estão trabalhando junto à prefeitura para analisar em detalhes o orçamento público destinado aos abrigos. Sua hipótese é que muitos recursos estão sendo gastos em uma medida que não teve o efeito esperado em Boston.

A situação é completamente diferente na cidade de Phoenix, no estado americano do Arizona: lá, a rede de abrigos é amplamente utilizada em um centro urbano cercado por paisagens desérticas. “Há muitas pessoas em situação de rua que não têm para onde ir quando fica muito quente. Acho que Phoenix tem feito um trabalho melhor do que outros lugares no cuidado dessa população vulnerável”, avaliou Lee.

Buenos Aires: simplicidade acima de tudo

Um dos primeiros países latino-americanos a implementar abrigos climáticos para mitigar os impactos do calor foi a Argentina. A cidade de Buenos Aires tem uma rede de 69 abrigos; já Rosário tem 87.

Patricia Himschoot, diretora de mudanças climáticas na cidade de Buenos Aires, explicou que o projeto começou em 2017, após uma conversa com pessoas de Barcelona e Bogotá em um evento da C40, rede de cidades unidas contra as mudanças climáticas. 

“Não os chamamos de abrigos climáticos, mas falamos sobre um lugar para o qual as pessoas podem ir quando está muito quente”, lembrou ela. 

A rede de Buenos Aires tem espaços abertos e fechados, como museus, parques, bibliotecas e reservas naturais. Todos são identificados com uma placa externa e são verificados para garantir que atendam aos requisitos mínimos, como conforto térmico.

Reserva Ecológica Costanera Sur é um dos abrigos climáticos em Buenos Aires

Atualmente, a capital argentina está abrindo canais de participação cidadã para ouvir as necessidades da população e expandir a rede. “Também convocamos várias empresas a participar, mas elas ainda não se animaram”, contou Himschoot.

Já na cidade de Rosário, na província de Santa Fé, a ideia dos abrigos surgiu em 2022. Os primeiros locais foram chamados de “centros de acolhimento” e projetados para abrigar pessoas em situação de rua. Porém, após tomar conhecimento sobre os projetos na Espanha, incluindo Barcelona, as autoridades ampliaram o público-alvo e mudaram o nome para “abrigos climáticos”.

A primeira temporada, em 2023-24, contou com 25 abrigos em prédios públicos que ofereciam comodidades básicas, como acesso gratuito, água potável, área de descanso e informações sobre a crise climática. Para a segunda temporada, em 2024-25, os organizadores dos abrigos adicionaram quase 50 espaços verdes e incorporaram bebedouros para animais de estimação. 

“Avaliamos o que funcionou e o que não, mas percebemos que houve uma adesão muito alta”, observou Pilar Bueno Rubial, subsecretária de Mudanças Climáticas. Agora, a cidade trabalha para ampliar a cobertura nos bairros mais vulneráveis e melhorar a coleta de dados sobre o uso desses espaços.

Outra cidade argentina que está começando a trabalhar em sua rede de abrigos é Mendoza. Pesquisadoras do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina (Conicet) estão se preparando para instalar 12 abrigos climáticos em toda a cidade. Enquanto outras cidades utilizaram edifícios e outros espaços que já existem, esses abrigos serão novas estruturas do tamanho de paradas de ônibus.

Eles estão sendo projetados para acomodar até dois adultos e duas crianças, com bebedouros e tomadas para carregar celulares. A ideia é que sejam construídos com materiais reciclados e haja um primeiro protótipo no próximo verão.

“A ideia era criar espaços que permanecessem abertos sem restrições de horário”, explicou María Belén Sosa, pesquisadora do Conicet e uma das idealizadoras do projeto, financiado pela prefeitura de Mendoza. “O pico de uso será durante as horas de sono, quando as repartições públicas estarão fechadas”, acrescentou Silvina López, coordenadora de meio ambiente da prefeitura.

“Acreditamos que a iniciativa tem potencial para ser replicada em diferentes áreas”, disse Julieta Villa, chefe do Departamento de Gestão Climática da cidade de Mendoza.

A ideia de oferecer um espaço com temperatura agradável para quem busca escapar do calor extremo já se espalhou para outras cidades latino-americanas: entre elas, a chilena Santiago, que tem uma rede de 35 espaços com prédios municipais, parques e quartéis de bombeiros; e a colombiana Medellín, que projetou um sistema de áreas verdes e jardins verticais que atravessam áreas densamente povoadas.

Os especialistas consultados pelo Dialogue Earth afirmaram que, apesar de eventuais problemas pontuais, é essencial que mais cidades implementem abrigos climáticos. “É uma medida que democratiza um direito: o direito de viver nas cidades, independentemente do que cada pessoa tem em sua casa”, destacou Sosa.

“Qualquer cidade pode fazer isso com as informações e recursos que já estão disponíveis”, disse Bueno. “E por que elas deveriam fazer isso? Porque a adaptação salva vidas, e isso é algo que precisamos lembrar no contexto da crise climática”.

Esta reportagem foi originalmente publicada no Dialogue Earth sob a licença Creative Commons BY NC ND. Leia o texto original. Ele faz parte do projeto Community Adaptations to City Heat, em parceria com a Universidade de Boston – financiado pela organização Wellcome.

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Foto: Prefeitura de Boston
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