Rachel Maia critica revisionismo do conceito ESG e decisão da SEC. “Pressa não, mas urgência sim”
POR BÁRBARA VETOS
As constantes transformações e regulamentações no ambiente ESG exigem que as empresas se mantenham atentas e engajadas na agenda – e além dela, de olho também nos impactos globais das mudanças ambientais. Essa presença ativa é fruto da urgência da pauta social, ambiental e de governança, analisa Rachel Maia, presidente do conselho do Pacto Global da ONU no Brasil.
As mudanças de cenário que obrigam as empresas a se posicionar não param de acontecer. Na quarta-feira (6/3), a Securities and Exchange Commission (SEC) anunciou novas regras sobre a divulgação das emissões e riscos climáticos por parte das empresas de capital aberto nos Estados Unidos. Apenas os reportes do escopo 1 e 2 – que dizem respeito às emissões diretas e ao consumo de energia, respectivamente – são obrigatórios.
Rachel Maia critica o fato de o escopo 3 ter ficado de fora da proposta da SEC. “O escopo 3 é quem obriga o outro e faz com que o outro obrigue o outro. Ou seja, agora não tem mais obrigação.” Ela se refere à falta de divulgação das emissões indiretas, que envolve toda a cadeia produtiva das empresas. “É um perigo, mas nós não podemos perder o foco.”
Em entrevista exclusiva ao ESG Insights, Maia faz um balanço das empresas no Brasil e seu envolvimento com o Pacto Global, analisa as recentes críticas ao conceito ESG e comenta as oportunidades que o país deve ter nessa agenda. Veja os principais trechos.
ESG Insights – Como que você tem visto esse debate anti-ESG que tem acontecido principalmente no cenário norte-americano?
Rachel Maia – Estou acompanhando. Acho fundamental acompanharmos os nossos turning points. A Securities and Exchange Commission (SEC) lançou um comunicado no mercado padronizando regras de divulgação relacionadas ao clima por parte das empresas, em especial empresas de capital aberto. E trouxe com isso noções para que novas resoluções e leis sejam criadas.
Baseada nisso, ela vem na esteira do que a BlackRock, via mr. Larry Fink, comunicou que não é que eles estão deixando de lado as questões climáticas, mas é que hoje a palavra de ordem é a transição. A transição é o que os investidores vão olhar nas empresas, então aqueles que são mais macroview vão migrar e correr daqueles investimentos puramente ESG.
Parece que a sigla ESG virou algo radioativo. […] Uma hora, a conta dessas declarações vai chegar
Só que eles esquecem de olhar no bottom line dessa atualização, que os requisitos continuam vindo sobre questões sociais e ambientais.
Parece que a sigla ESG virou algo radioativo, mas quando você fala de transição, você está falando diretamente dos fósseis e eles estão ligados ao ambiental e aos impactos sociais. As orientações, que estão relacionadas a esses pré-requisitos que o mercado de investidores vem olhar, migraram. Em 2022, tinham bilhões de dólares. Hoje, nós temos um quarto esse valor de capital de ESG sob investimento.
É um risco dizer também que isso não é manobra, dizer que não tem nada por trás. Uma hora a conta dessas declarações vai chegar. É importante estarmos alerta. O clima é um só e nós continuamos na régua ascendente [do aquecimento global]. Isso significa que catástrofes climáticas estão por vir.
Tem um ponto importante dentro desse processo como um todo. As informações sobre as emissões de materiais do escopo 1 e 2 estão dentro dos processos, mas o escopo 3 não está contemplado.
Isso é uma provocação que eu faço, se me permitem. Para aqueles que são obrigados a divulgar as emissões do escopo 1 e 2, o relatório garante o nível. Mas após esse período de transição, o escopo 3 é quem obriga o outro e faz com que o outro obrigue o outro.
Ou seja, agora não tem mais obrigação. É isso o que está acontecendo neste minuto. É um perigo, mas nós não podemos perder o foco.
Nós [Brasil] – e o mundo – somos extremamente morosos
ESG Insights – Qual o balanço que você faz sobre as empresas brasileiras e a pauta ESG?
Rachel Maia – O Brasil, no que tange ao impacto social, ambiental, econômico e seus biomas, o universo corporativo tem um grande conhecimento. Já na aplicabilidade, tem um grande distanciamento.
Nós estamos no curso da história em relação ao conhecimento. Mas, na aplicabilidade, nós somos extremamente morosos. Nós – e o mundo – somos extremamente morosos.
É um ponto preocupante. Nada deve ser radicalizado, mas, ao mesmo tempo, não existe um planeta B. Então essas questões devem ser vistas com uma governança séria, cadenciada e sem retrocesso.
ESG Insights – O que tem diferenciado o cenário brasileiro em relação aos outros países que participam do Global Compact?
Rachel Maia – O cenário brasileiro tem uma Amazônia, que nenhum lugar do mundo tem: 58% da Amazônia está no Brasil. Você tem uma COP dentro da Amazônia [em 2025] e lugar nenhum do mundo tem a condição de oferecer isso.
Vivenciar a floresta como ela é, e também vivenciar todo o perigo do desmatamento in loco, isso tudo o Brasil pode oferecer. Na agenda 2030, o Brasil tem um papel de precursor.
ESG Insights – O debate e entendimento das empresas sobre as questões ESG tem evoluído?
Rachel Maia – O debate tem evoluído, mas eu não vejo com essa limitação ESG. Eu vejo com a perspectiva mais ampla de impacto ambiental e as suas reverberações econômicas no biossistema.
Isso vai além da umbrella [guarda-chuvas] do ESG. A gente está falando de uma grande umbrella chamada direitos humanos, que contempla todas essas temáticas. Agora, como lidar com a governança, em que o resultado tem que ser financeiro e de pessoas, é um balanço que nós temos que encontrar.
ESG Insights – Pesquisas mostram que, no Brasil, o foco está nas questões sociais e de responsabilidade ambiental. Na sua visão, por que o G ainda é tão esquecido?
Rachel Maia – Eu acho que, para o ambiental e o climático, existem mais ferramentas e tecnologias capazes de medir e criar um ecossistema para desenvolvê-las em benefício do planeta. Já o social, muitas vezes fica subjetivo, a gente não vê a ferramenta. Eu acho que esse é um grande desafio.
Eu vejo um perigo. Acho que ESG se torna uma arma quando a gente só resume no ESG. A governança é um processo. Você tem que trazer o processo, não em pequena, mas em larga escala, para transformar.
E quando você não leva a consistência, o processo dividido por gerações, dividindo por segmentação e afins, ele está fadado ao fracasso. A complexibilidade é maior, mas o entendimento tem que ser o de transformação.
ESG Insights – Quais pontos que a letra ‘G’ traz consigo que você considera que são importantes para essa discussão da agenda? Que tipo de impactos a governança corporativa pode trazer aos negócios e a sociedade como um todo?
Rachel Maia – A governança cadencia a transformação. Se nós não aplicarmos a governança propriamente dita, tudo vira uma bagunça. E em cima desse caos não se transforma.
Todo mundo está com extrema pressa de transformar. É urgente a transformação, mas, feita com pressa, vai quebrar. Pressa não, mas urgência sim. E a urgência na transformação através da governança é o ponto de virada.
Toolkit ajuda a planejar governança com critérios ESG
O Pacto Global da ONU lançou, no mês passado, o kit de ferramentas corporativas de governança transformacional. A iniciativa surge de modo a incentivar a elaboração de uma cultura organizacional baseada na governança, oferecendo o conhecimento necessário para que as empresas gerem impactos sociais positivos.
O toolkit está alinhado ao 16º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e traz noções ESG para a prática das companhias, permitindo que elas se autoavaliem e estejam de acordo com as tendências globais.
Na avaliação de Rachel Maia, presidente do conselho do Pacto Global da ONU no Brasil, processos que possam avaliar e gerir riscos trazem benefícios imensuráveis. “A gente vê muitas empresas hoje quebrando, porque tiveram uma governança insatisfatória. Faltou o processo dentro de casa: mensuração de risco, identificar, avaliar e gerir”, explica. “O toolkit vem para destacar esse registro.”
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