Investimentos bilionários em eventos como Olimpíadas e copas do mundo tornam-se inúteis no longo prazo por falta de uso e manutenção da infraestrutura
POR ANALICE CANDIOTO, DO JORNAL DA USP
Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 tiveram um custo de US$ 9,1 bilhões, com estouro de 115% no orçamento, que, segundo o Comitê Olímpico Internacional, seria de US$ 4 bilhões. Mesmo assim, o valor final foi 34% menor que os jogos de Tóquio de 2021, que custaram US$ 15 bilhões. Esses grandes eventos esportivos têm deixado prejuízos para as cidades-sede. É o que mostra um estudo feito por economistas do College of the Holy Cross, nos Estados Unidos.
O mau planejamento pode ser visto em complexos esportivos como a Arena do Futuro e o Parque Radical de Deodoro, localizados no Rio de Janeiro. Eles foram construídos para a realização das Paralimpíadas e dos Jogos Olímpicos de 2016. Ambos tiveram que ser reaproveitados para outros objetivos ou até mesmo desmontados.
Na Copa do Mundo de 2014, Recife, uma das cidades-sede, tinha como projeto a construção da Cidade da Copa. Além de um estádio novo e moderno, o projeto ousado pretendia fazer em seu entorno uma cidade inteligente que seria a primeira da América Latina. A iniciativa, que previa investimento de R$ 1,6 bilhão, não saiu do papel. A área no entorno da Arena Pernambuco está deserta e abandonada.
- ESG Insights no seu e-mail – Grátis: nossa newsletter traz um resumo da edição mais recente da revista ESG Insights, além de notícias, artigos e outras informações sobre sustentabilidade.
Muito investimento e pouco retorno
O professor Claudio Miranda da Rocha, da Universidade de Stirling, no Reino Unido, diz que o legado desses eventos não é adequado. “São eventos curtos e que exigem uma grande transformação na infraestrutura das cidades. A maioria das estruturas esportivas olímpicas não é utilizada e algumas podem ser usadas de diferentes maneiras. Mas é um investimento grande para um retorno pequeno para a cidade-sede.”
Para o professor Luciano Nakabashi, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da Universidade de São Paulo (USP), falta planejamento para a questão. “O planejamento não é só para avaliar os gastos necessários, mas para pensar nos investimentos e na construção de infraestrutura para os esportes que serão ou não utilizados posteriormente. Não faz sentido construir toda uma infraestrutura que só será usada no período das Olimpíadas”, diz.
Questões sociais e de sustentabilidade têm pouca relevância nesse contexto
Uma pesquisa realizada por Rocha na época dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro mostrou que os impactos do turismo após os jogos foram praticamente negativos. “As grandes cidades que sediaram Jogos Olímpicos, como Rio de Janeiro, Londres, Paris, Tóquio, que já atraem um grande número de turistas, não precisam dos eventos para atrair mais.”
As pessoas também não passam a fazer mais esportes ou atividades físicas por conta desses eventos. Ccom isso, não existem grandes impactos sociais, segundo o professor da Universidade de Stirling. “Muitas pesquisas em diferentes contextos mostraram que não existe o que se chama de efeito inspiração. Uma ideia de que se as pessoas assistissem aos eventos e a toda a performance maravilhosa dos grandes atletas olímpicos iriam se inspirar e se tornarem fisicamente ativas.”
Existem muitas críticas sobre as questões de sustentabilidade dos Jogos Olímpicos, afirma Rocha. “A ideia de uma dieta vegetariana que foi imposta na Vila Olímpica de Paris para que existisse menos consumo de carne e não instalar ar-condicionado nos quartos dos atletas não adiantaram. As delegações compraram os seu próprios ares-condicionados ou saíam para comer carne.”
Ainda segundo o professor, outra questão foi a pouca interação com a comunidade local. “Eles decidem o que querem e o que é melhor em termos de mídia e promoção política. Mas pouco se importam para as necessidades da comunidade local.”
- Mudança climática coloca em risco os atletas e esportes
- Prática de exercícios físicos sofre impacto das mudanças climáticas
Existe um grande número de cidades que são consideradas para sediar os eventos esportivos e que realizam uma pesquisa com a população local para saber se apoiam ou não. “Há uma aversão da população, principalmente em cidades em que existem pessoas mais informadas com relação a sediar os Jogos Olímpicos.”
Roma, por exemplo, recusou a candidatura aos jogos de 2024. A justificativa se deu por conta de especulação, lobbies empresariais, instalações nunca terminadas, estruturas abandonadas, dívidas e sacrifícios para o povo, como ocorreu em outras Olimpíadas. Boston (EUA) e Hamburgo (Alemanha) seguiram o exemplo da capital italiana.
ÚLTIMAS NOTÍCIAS
- Empresas brasileiras prosperam com conceito de economia circularProduzir a partir de uma lógica regenerativa é o conceito por trás da economia circular
- O futuro do hidrogênio verde no BrasilA rede elétrica nacional oferece uma vantagem estratégica ainda não plenamente reconhecida nas diretrizes atuais
- COP30: oportunidade brasileira de exigir justiça climáticaMitigar e adaptar as populações vulneráveis às mudanças climáticas nada mais é do que justiça climática
- Geração de energia no Brasil vive encruzilhadaA eficiência na geração elétrica não é mais uma escolha técnica, mas uma prioridade diante da crise climática global
- Os sinais de greenwashing nos preparativos para sediar a COP30Com recursos para investir, Belém optou por obras que deixam de lado mudanças que poderiam diminuir a desigualdade social
- Afundando nas sobrasNo dumpster diving, descarte de roupas feito pelas lojas tem outro destino: o guarda-roupa
- Germes de segunda mãoRoupas de brechó podem estar cheias de germes; veja o que é preciso saber
- Reinventando o futuroAlternativas ao fast fashion visam garantir sustentabilidade e dignidade nas relações humanas
- Um lookinho por segundoTikTok impulsiona tendências no fast fashion e favorece o consumo exacerbado
- A um clique do consumoCrescimento do comércio on-line estimula vendas por impulso e eleva participação do setor de moda no PIB