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Semana de quatro dias de trabalho aumenta produtividade e melhora saúde mental

Renata Rivetti, CHO da Reconnect e diretora da 4 Day Week Brazil (Foto: Divulgação)

Para Renata Rivetti, a semana de quatro dias é uma oportunidade de discutir a sustentabilidade humana dentro das empresas

Uma semana com quatro dias de trabalho e três de descanso. Foi o que propôs o empresário Andrew Barnes em 2019, na Nova Zelândia. Desde então, o debate vem ganhando espaço e o modelo tem sido testado em diversos países, como Portugal, Bélgica, Reino Unido e Espanha.

O Brasil também faz parte das nações que tem realizado experimentos com a redução da jornada. Ao todo, 21 empresas participaram de um projeto-piloto de implementação da semana de quatro dias no país – 19 delas chegaram ao final. O estudo foi fruto de uma parceria entre a 4 Day Week Brazil e outras organizações, como a Fundação Getulio Vargas (FGV-Eaesp).

Os resultados apontaram diversos avanços: melhorias na execução de projetos (61,5%), maior capacidade de cumprir prazos (44,4%), aumento da energia para realizar tarefas (82,4%), e redução no estresse (62,7%).

“O resultado foi excelente para a saúde mental, com redução de ansiedade, estresse e insônia e aumento da atividade física e bem-estar”, revela Renata Rivetti, CHO da Reconnect e diretora da 4 Day Week Brazil.

Em entrevista ao ESG Insights, Rivetti fala sobre os benefícios e desafios da semana de quatro dias nas empresas, de que forma o tema se relaciona com a agenda ESG e tendências a longo prazo. Confira.

ESG Insights – Qual o objetivo da iniciativa? O que esse modelo traz de inovador ao mercado?

Renata Rivetti – O trabalho intelectual acabou seguindo o modelo das fábricas pós-revolução industrial: cinco dias por semana e oito horas por dia. Essas oito horas no final viram três. Passamos o dia perdendo tempo e vivendo uma pseudoprodutividade.

“Essa pseudoprodutividade nos faz acreditar e valorizar o workaholic, como se a pessoa que trabalha muito trabalhasse necessariamente bem, gerando resultados. Isso é um grande mito”

No trabalho intelectual, horas trabalhadas não representam um resultado tão claro. Eu posso gastar horas em reuniões improdutivas, ter várias distrações ao longo do dia, muita comunicação, ficar em processos repetitivos.

Essa pseudoprodutividade nos faz acreditar e valorizar o workaholic, como se a pessoa que trabalha muito trabalhasse necessariamente bem, gerando resultados. Isso é um grande mito.

A metodologia do projeto é 100 – 80 – 100: manter 100% dos salários, trabalhar 80% do tempo, manter 100% das entregas. A ideia é que as pessoas continuem entregando o que elas tinham que entregar em cinco dias, mas sendo mais produtivas durante quatro.

É sobre reduzir horas improdutivas para poder ter em 32 horas tudo o que teríamos em 40. Para isso, precisamos de toda uma transformação na empresa, com processos mais eficientes e redução da sobrecarga de informação.

ESG Insights – Quais são os principais desafios enfrentados na implementação da semana de quatro dias? O que a empresa deve mudar internamente?

Renata Rivetti – O grande desafio é a gente entender que horas trabalhadas não são iguais a horas produtivas. No Brasil, ainda temos uma cultura de “precisamos buscar resultados, então vamos trabalhar mais”.

“[As empresas] precisam mudar seu dia a dia. Não é um projeto sobre redução de horas só, não é o ‘quintou’”

Depois que as empresas já estão convencidas de que dá para fazer diferente, elas precisam mudar seu dia a dia. Não é um projeto sobre redução de horas só, não é o “quintou”.

O primeiro passo é rever as reuniões que hoje são longas, improdutivas, mal administradas e não têm o resultado claro. O segundo aspecto a ser repensado é o excesso de comunicação. Muitas vezes, temos a mesma mensagem no WhatsApp, e-mail, Teams, e nos perdemos. Isso também reduz a produtividade.

É importante priorizar e gerir as atividades. Hoje, parece que tudo é urgente e, no final, algumas coisas importantes deixam de ser feitas. Além disso, não usamos a tecnologia no seu potencial. Com o uso da inteligência artificial, poderíamos reduzir os processos repetitivos, transcrever a ata das reuniões, e acompanhar o trabalho.

Isso reduziria essa sobrecarga e poderia substituir processos que são mais manuais para outros mais automáticos. Temos muito espaço para usar a tecnologia a nosso favor.

ESG Insights – Você acredita que esse modelo de trabalho funciona em todas as áreas?

Renata Rivetti – Para o trabalho intelectual, de fato, é uma nova forma de trabalhar e é mais fácil de implementar uma semana de quatro dias. No caso de fábricas e hospitais, por exemplo, entendemos que seria preciso aumentar a quantidade de funcionários.

No Brasil, ainda não temos esses setores fazendo testes, mas temos no exterior e percebemos que nessas empresas houve a redução do absenteísmo, das licenças médicas por saúde mental, e do turnover. Esses ganhos compensam o aumento dos funcionários e o investimento.

Hoje, a segunda maior causa de afastamento no trabalho é saúde mental. Precisamos começar a discutir esse assunto também nessas outras áreas. É uma discussão mais lenta, mas precisamos chegar lá.

ESG Insights – E quanto aos benefícios? Quais os impactos da iniciativa na vida pessoal e profissional dos funcionários e no dia a dia da empresa?

Renata Rivetti – A iniciativa trouxe muitos benefícios para os colaboradores e para as empresas participantes. Os dados mostram um aumento de 60% no engajamento e 80% na criatividade. Além disso, 72% das empresas aumentaram a receita durante o período.

Vemos as pessoas colaborando mais umas com as outras, o time passa a ser mais entrosado. De 0 a 10, a nota de aprovação e recomendação da iniciativa pelos líderes foi de 8.7.

Os dados de saúde mental e física também foram ótimos. As relações entre os funcionários e os gestores se tornou mais madura e as relações pessoais também melhoraram, porque você tem mais tempo para se dedicar à família.

ESG Insights – Como a iniciativa funciona? O dia livre é fixo na semana? Todas as empresas adotam rotinas similares nesse sentido?

Renata Rivetti – As empresas escolhem um dia inteiro para tirar. Algumas tiraram a quarta-feira, outras tiraram a sexta. Tem empresas que fazem escala, então uma parte do time tira na sexta e outra na segunda.

“Esse é um projeto de flexibilidade. Não podemos engessar e determinar o que cada empresa deve fazer”

Esse é um projeto de flexibilidade. Não podemos engessar e determinar o que cada empresa deve fazer. Se nesta semana tem fechamento, talvez precisemos fazer uma semana de cinco dias normais. Elas foram se adaptando de acordo com a sua realidade.

Esse teste é justamente para não trazer um único caminho e algo radical, mas, sim, fazer com que a empresa possa ter acordos seus colaboradores e estabelecer relações de confiança e maturidade. Ainda ficamos muito no comando de controle, quase como se os funcionários fossem crianças.

Às vezes, colocamos na cabeça de que temos que trabalhar todo dia das 9 às 18h. Mas tem um dia em que eu estou livre e outro que eu poderia ter mais foco. É um pouco sobre gestão de prioridades e não necessariamente seguir o mesmo horário de segunda a sexta.

“É um projeto de produtividade, não sobre descansar sem bater meta”

Quando você começa a discutir uma semana de quatro dias, ela só vai dar certo se as pessoas se comprometerem com os resultados. Caso contrário, a empresa pode tirar o benefício. É um projeto de produtividade, não sobre descansar sem bater meta.

Algumas pessoas até falam: “Nossa, mas eu estou vendo que tem funcionário que não entrega”. E eu respondo: “Mas entregava antes?” Porque é isso: às vezes aquela pessoa já estava no quiet quitting, já não estava rendendo.

ESG Insights – De que forma esse novo modelo dialoga com a estratégia ESG das empresas?

Renata Rivetti – Quando falamos sobre ESG é sobre o que acreditamos que dá para fazer melhor, que dá para ser mais sustentável para o ser humano. Falamos muito da sustentabilidade humana para a sustentabilidade dos negócios. Grande parte da população tem adoecido e se afastado do trabalho. O modelo atual é inviável.

O mesmo acontece com o planeta. A pesquisa tem sido acompanhada pela Boston College e eles têm analisado o quanto a semana de quatro dias também ajuda a reduzir as emissões de carbono. Se a empresa fecha um dia, ela reduz as emissões e isso é bom pra gente enquanto sociedade.

“Falamos de sustentabilidade climática, mas precisamos falar também de sustentabilidade humana”

Falamos de sustentabilidade climática, mas precisamos falar também de sustentabilidade humana. Será que do jeito que estamos vivendo, com esse nível de sobrecarga, é sustentável? Acredito que precisamos fazer mudanças que sejam boas para os funcionários e para as empresas a longo prazo.

ESG Insights – Temos visto uma discussão contra o modelo 6×1 e agora estamos falando aqui de uma iniciativa 4×3. Qual a tendência a longo prazo? Como você avalia esse cenário?

Renata Rivetti – A tendência é termos modelos mais flexíveis. Se há cinco anos achávamos o home office algo muito distante, hoje ele é realidade nas nossas vidas. As novas gerações fazem provocações de novos modelos o tempo todo e do que são valores.

Por um lado, temos uma geração X mais materialista e competitiva, em que o trabalho era uma forma de obter sucesso e dinheiro. É uma geração que aceitou muitos abusos para chegar nesse lugar. Por outro, vemos millennials e geração Z questionando isso, se sentindo estressados e sobrecarregados no trabalho.

A relação deles não tem necessariamente a ver com salário ou benefício, mas com não se sentirem reconhecidos e valorizados. Muitas vezes, eles sentem que a empresa não se conecta com seus valores e gostariam que elas gerassem um impacto mais positivo no mundo.

“As empresas que não acordarem para isso agora vão perder talentos, resultados e vão ter que fazer mudanças”

Estamos em um momento de transição de mundo. Temos aqueles que querem voltar para o status quo, como a Samsung, na Coreia do Sul, adotando um modelo de trabalho de seis dias, ou mesmo a Grécia. Mas vemos vários outros países da Europa evoluindo, implementando uma semana de quatro dias e discutindo legislação para isso. Acredito que a tendência é, aos poucos, evoluirmos para um modelo novo. Mas isso é disruptivo, leva tempo.

As empresas que não acordarem para isso agora vão perder talentos, resultados e vão ter que fazer mudanças. Se a empresa não se adequa à pauta ESG hoje, ela vai perder valor de mercado. A questão da sustentabilidade humana vai entrar também nesse lugar em algum momento junto de outras pautas.

Foto: Divulgação
Renata Rivetti, CHO da Reconnect e diretora da 4 Day Week Brazil

 

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