Antes da COP16 na Colômbia, a bióloga argentina Sandra Díaz, coordenadora de relatório sobre biodiversidade mundial, cobra mudanças
POR FERMÍN KOOP, DO DIALOGUE EARTH
A Colômbia sediará a próxima cúpula de biodiversidade das Nações Unidas, a COP16, na cidade de Cali. Entre 21 de outubro e 1º de novembro, 196 países devem avançar na implementação do Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, acordo que estabeleceu uma série de metas para estancar e reverter a destruição da biodiversidade em todo o planeta.
A realização da conferência na América Latina e no Caribe é uma oportunidade para destacar a importância de proteger a biodiversidade regional. Cerca de 60% das espécies terrestres estão concentradas na região, bem como uma grande parte das espécies marinhas e de água doce. Porém, conforme o último relatório Planeta vivo, publicado em 2022 pelo WWF, as populações silvestres monitoradas na região diminuíram 94% entre 1970 e 2018.
Em 2019, foi publicado outro relatório, considerado o “mais exaustivo já feito sobre a biodiversidade mundial”. Produzido pela rede intergovernamental Ipbes, o documento reuniu o trabalho de 455 autores, que revisaram 15 mil fontes científicas e governamentais. A premiada bióloga argentina Sandra Díaz foi uma das três coordenadoras do relatório.
Pesquisadora do Instituto Multidisciplinar de Biologia Vegetal da Universidade Nacional de Córdoba, Díaz sabe bem que a perda de biodiversidade está sendo impulsionada por mudanças na paisagem e pela superexploração de animais e plantas pelo homem.
A bióloga diz que a alta demanda comercial e as regras pouco eficientes do comércio internacional são as principais causas da ameaça contra espécies nativas.
Ao site Dialogue Earth, Díaz ressaltou a “falta de determinação” na proteção da biodiversidade e o avanço lento no cumprimento das metas globais. Porém, garantiu ter esperanças de que as resoluções da COP16 possam, enfim, resultar em transformações.
Dialogue Earth – Quais são as principais causas da perda de biodiversidade, principalmente na América Latina?
Sandra Díaz – Nos últimos 50 anos, estes foram os principais fatores, em ordem decrescente de importância: mudanças no uso do solo e das áreas marinhas, como o avanço da agricultura e o desenvolvimento da infraestrutura costeira; extração seletiva de plantas ou animais, como a caça e exploração madeireira; poluição; mudanças climáticas; e a introdução de espécies invasoras.
Essa classificação muda conforme a região. Na América Latina, os principais fatores são as alterações no uso do solo e das áreas marinhas e a extração seletiva, enquanto os outros três são comparativamente menos importantes. A equipe da Ipbes mostrou isso em seu relatório, e os dados foram atualizados em 2022 graças ao estudo coordenado pelo pesquisador Pedro Jaureguiberry, da nossa equipe.
É importante observar que esses são fatores diretos para a perda de biodiversidade – as “armas” de destruição da natureza. Mas por trás deles existem causas mais profundas que os impulsionam: os “perpetradores intelectuais”. São todos os fatores econômicos, sociais, culturais, institucionais e políticos. Por exemplo, demandas do consumidor; regras do comércio internacional; regulamentação – a ou a falta dela, mais comumente – sobre o que pode ou não ser feito com o que é extraído e desperdiçado; subsídios a determinados setores; e até mesmo algumas práticas cotidianas que as pessoas internalizaram, sem ter a consciência do quanto são prejudiciais à natureza e à sua própria saúde.
Tentar lidar com os fatores diretos, sem tentar reverter as causas mais profundas, torna esse esforço uma solução temporária.
Em seu relatório de 2019, a Ipbes declarou que 1 milhão de espécies estão em risco de extinção. Como se pode reduzir esse impacto? Ainda há tempo?
Sandra Díaz – Gostaria de enfatizar que elas estão ameaçadas de extinção, mas não estão inevitavelmente condenadas a desaparecer. O número real de espécies que serão extintas dependerá muito das decisões tomadas em nível regional onde essas espécies vivem e, claro, em nível multilateral.
Sabemos que boa parte das ameaças à biodiversidade não é motivada por demandas locais, mas internacionais. Esse problema demanda soluções relacionadas a regras de comércio internacional e à conscientização do consumidor. A janela de oportunidade está sempre lá. Porém, enquanto não forem adotadas medidas transformadoras, ela se fecha um pouco mais a cada dia.
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Você acha que é possível cumprir as metas do acordo de Kunming-Montreal para proteger a biodiversidade, e como se está avançando?
Sandra Díaz – Se eu tivesse que resumir em uma palavra esse avanço, eu diria que está “lento” – um ritmo que pode ser angustiante para nós que estamos envolvidos nos aspectos científicos do problema. Não se trata da falta de conhecimento: é claro que ainda há muito por descobrir, mas sabemos o necessário para começar a agir. O que falta são decisões, sobretudo daqueles que têm o maior poder de decisão nas sociedades.
Antes da COP16, os países devem apresentar seus planos nacionais para proteger a biodiversidade. O que você espera encontrar nesses planos? Podemos esperar metas mais ambiciosas?
Sandra Díaz – Se as coisas continuarem na mesma linha da Cúpula Kunming-Montreal [em 2022], diria que espero pouco. A minuta que chegou a Montreal era excelente e, pouco a pouco, as negociações dos países diluíram muitos de seus elementos realmente transformadores. Não é que o Marco Global de Kunming-Montreal seja totalmente ruim – ele tem muitas coisas boas, como a inclusão, a indicação dos principais fatores de deterioração da natureza e assim por diante. Mas falta força.
Não perdi a esperança de que um desses “fenômenos não lineares” aumente drasticamente o grau de ambição dos governos. Sem isso, as transformações necessárias não serão possíveis.
O slogan da COP16, “Paz com a Natureza”, pode dar a ideia de conflito entre os seres humanos e a natureza. Você concorda com esse diagnóstico?
Sandra Díaz – Não. Entendo que o slogan deve ser simples, curto e o mais discreto possível para o maior número possível de participantes. Também entendo que ele está tentando combater a noção de “guerra”, que infelizmente está muito em voga. Mas não acho que a relação homem/natureza seja dicotômica, e muito menos que a “natureza humana” e o “progresso” inevitavelmente exijam a destruição do restante da natureza.
Alguns modelos de desenvolvimento são assim, mas há muitos exemplos de modelos – passados, presentes e viáveis para o futuro – que enfatizam a interconexão, a coexistência com o restante da vida na Terra. Uma coexistência que nem sempre é harmoniosa, que apresenta conflitos – como toda coexistência.
O país escolhido como sede da cúpula da COP16 poderia ajudar a destacar a importância da proteção da biodiversidade na América Latina?
Sandra Díaz – Sem dúvidas. A Colômbia tem um excelente histórico no estudo e na valorização da biodiversidade – e em usá-la, no melhor sentido da palavra, como sua imagem para o mundo.
“Neste momento, o mais importante é parar de causar dano à biodiversidade […]. Mas, a longo prazo, a única coisa que realmente leva à recuperação da biodiversidade é atacar as causas fundamentais”
Quais são as medidas mais urgentes para proteger a biodiversidade, especialmente na América Latina?
Sandra Díaz – Neste momento, o mais importante é parar de causar dano à biodiversidade. Assim como na medicina, há muitos band-aids e analgésicos que podem ser aplicados nessa emergência. Mas, a longo prazo, a única coisa que realmente leva à recuperação da biodiversidade é atacar as causas fundamentais do problema – nesse caso, o modelo dominante de exploração da natureza, que prioriza o lucro máximo de curto prazo e atende desproporcionalmente aos interesses de uma minoria, em vez de priorizar o bem comum, dos seres humanos e da intrincada rede de vida da qual depende nosso bem-estar.
O financiamento para a proteção da biodiversidade é uma das principais demandas dos países em desenvolvimento. Como isso poderia ser resolvido?
Sandra Díaz – Certa vez, ouvi uma importante figura política de um país poderoso dizer, em um momento de franqueza, que “sempre há dinheiro suficiente, a questão é no que você decide usá-lo”. Acho que esse é essencialmente o caso.
Os países ricos se comprometeram a contribuir com US$ 100 bilhões para a mitigação das mudanças climáticas e US$ 20 bilhões para a biodiversidade. Em primeiro lugar, isso não foi cumprido; em segundo, o financiamento tem sido ofuscado pelas centenas de bilhões investidos em subsídios para atividades prejudiciais ao clima e à natureza todo ano: combustíveis fósseis, agricultura industrial, pesca predatória e mineração sem as devidas salvaguardas.
Dessa forma, o Marco Global de Kunming-Montreal inclui a Meta 18: reduzir os subsídios para atividades que destroem a biodiversidade em US$ 500 bilhões por ano até 2030. Alcançar isso seria transformador, ainda mais se esse dinheiro também fosse redirecionado para atividades positivas.
O plantio de mudas e a descoberta e implementação de novas tecnologias são atividades importantes. É algo que precisa ser feito. Mas isso não será suficiente se, ao mesmo tempo, não desestimularmos as atividades que têm gerado grandes danos à natureza e ao bem-estar de milhões de pessoas todos os dias.
Esta reportagem foi originalmente publicada no Dialogue Earth sob a licença Creative Commons BY NC ND. Leia o texto original.
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