Curto período de licença-paternidade oferecido por lei pode levar a um agravamento da sobrecarga vivida na maternidade
POR BÁRBARA VETOS
Em cinco dias talvez seja possível fazer um curso livre, maratonar uma série, ler um livro, dar início a novos hábitos ou fazer uma breve viagem a um destino desejado. Mesmo assim, nem todas essas atividades podem ser concluídas ou executadas da melhor forma, já que algumas demandam mais tempo e dedicação. Como então participar dos primeiros momentos de vida do seu filho e oferecer o apoio necessário ao desenvolvimento infantil nesse curto período?
Parece impossível conciliar todas as tarefas da paternidade em apenas cinco dias, mas esse é o período garantido por lei no Brasil pela Constituição Federal de 1988. Para servidores públicos federais ou funcionários contratados por Empresas Cidadãs, a licença remunerada chega a 20 dias. Esse cenário pode levar a um agravamento da sobrecarga vivida na maternidade. “Qual é o sentido de eu voltar ao trabalho e deixar minha esposa com toda essa responsabilidade?”, indaga Rafael Bastos, diretor da consultoria Kearney.
Há 10 meses, Bastos foi pai de gêmeos e teve direito a uma licença-paternidade estendida, também oferecida pela empresa em casos de adoção – independentemente da idade da criança. Para o executivo, discutir igualdade de gênero e ESG no mercado de trabalho também é olhar para os desafios impostos pela maternidade e paternidade.
Seus filhos vieram ao mundo com 33 semanas – tempo que não é considerado ideal para o nascimento seguro –, e tiveram que passar os primeiros 21 dias de vida na UTI. Com a licença estendida, o profissional pôde focar na saúde e desenvolvimento dos gêmeos sem dividir sua atenção com assuntos corporativos. “Caso contrário, alguma coisa não ia sair bem, seja do lado pessoal, seja do profissional.”
Assim como no caso de Bastos, algumas companhias têm oferecido, por iniciativa própria, uma licença-paternidade maior do que a legislação prevê. É o caso de empresas como Boticário, Oracle, Google, entre outras.
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Sobrecarga na maternidade
De acordo com a pesquisa De Mãe em Mãe, elaborada pela nutricionista e pesquisadora Giliane Belarmino, 97% das mulheres se sentem sobrecarregadas quase todos os dias da semana e 94% dizem que estão desgastadas. Duas a cada três mães entrevistadas avaliam sua saúde mental como péssima.
Isso não faz bem nem à mãe, nem ao bebê. “Se eu tivesse a licença normal, não sei como teria sido. Tenho certeza de que seria algo super desproporcional para minha esposa”, afirma o executivo. Um estudo da ONG Think Olga mostra que insegurança financeira e as duplas ou triplas jornadas são os dois principais fatores de pressão sobre a saúde mental feminina.
Por terem nascido prematuros, os gêmeos demandavam mais cuidados nos primeiros meses. Os intervalos entre uma refeição e outra eram menores que o habitual e eles tinham que passar por acompanhamento médico e uma série de exames. “Por estar em casa, eu consegui dar uma tranquilidade para minha esposa porque estávamos juntos em todos esses momentos de ansiedade e dificuldade.”
Na família Bastos, o período de licença foi de quase sete meses para a mãe (seis meses garantidos pela empresa, somados aos primeiros dias vividos na UTI) e quatro meses para o pai, apesar de a empresa oferecer 180 dias. Embora não trabalhem no mesmo lugar, ambas as companhias davam a possibilidade de um retorno gradual, trabalhando de três a quatro dias da semana.
Uma dinâmica que difere da enfrentada pela maior parte dos brasileiros. “É uma situação muito desigual. Por que a mulher tem que ficar com toda essa responsabilidade?”, questiona o diretor da Kearney.
Empatia e acolhimento nas empresas facilitam o retorno
Quando voltou ao trabalho, o executivo diz não ter sentido dificuldade. “Eles entendiam o momento que eu estava vivendo. Eu passei a ter algumas limitações de horário que antigamente não tinha e isso foi respeitado”, conta.
Um dos momentos que Bastos não abre mão de estar com os filhos é na rotina noturna. Desde que os bebês nasceram, eles têm um horário muito bem definido para as atividades. Hoje, já não é mais possível trabalhar além do expediente normal. “As tarefas no trabalho são realocadas para que não interfiram nessa minha rotina enquanto pai. Essas atitudes tornaram o retorno muito mais fácil”, avalia.
Ganhos afetivos e desenvolvimento infantil
Dez meses após o nascimento, pai e filhos têm uma proximidade e um vínculo muito fortes, construídos desde os primeiros momentos de vida. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a licença parental proporciona aos pais tempo para cuidar e se relacionar com o bebê, estabelecer rotinas para alimentação e cuidados e atender às suas necessidades médicas.
O relatório Licença parental paga e políticas pró-família, do Unicef, também traz evidências de que a licença-paternidade pode afetar indiretamente a saúde das crianças. Estudos mostram que os pais que têm acesso a essa política estão mais envolvidos em cuidados infantis e outros trabalhos não remunerados em casa, além de poder apoiar a amamentação e reduzir a probabilidade de depressão pós-parto.
Benefícios e desempenho no trabalho
Para Bastos, a performance é o fator mais claro em termos de benefícios para a empresa. “Se eu precisasse voltar alguns dias depois de meus filhos terem nascido, eu teria uma série de preocupações e não estaria atuando com 100% da minha capacidade.” Ele acredita que seus clientes e equipe teriam sido impactados negativamente pela atenção dividida.
As consequências também poderiam ser sentidas pela perspectiva da saúde mental. “O trabalho já é naturalmente estressante, somado a essa situação seria um agravante ainda maior para minha sanidade”, reflete.
Além de ser parte da estratégia ESG das empresas, a política de licença-paternidade ou licença parental estendida é uma forma de garantir saúde, bem-estar e um ambiente seguro aos funcionários.
“O papel das empresas é entender como atrair e reter profissionais de alta performance para estarem em uma companhia que, de fato, importa para eles e se importa com eles”, enfatiza o diretor da Kearney. “Precisamos não só falar da importância da igualdade de gênero, mas dar as condições para que as responsabilidades sejam divididas de maneira equilibrada.”
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