ONU reconhece liderança de governos locais no combate às mudanças climáticas na COP28
POR MARJOLAINE LAMONTAGNE E CHARLES BERTHELET
A Conferência Climática da Organização das Nações Unidas (ONU) do ano passado (COP28) fez história em Dubai ao introduzir – pela primeira vez – linguagem sobre “transição para além dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia” na versão final do texto negociado.
Embora significativo, esse feito não foi o único evento notável das conversas climáticas do ano passado.
A COP28 também foi a ocasião da primeira Cúpula de Ação Climática Local (LCAS), que reuniu mais de 250 líderes subnacionais e locais. Como parte desse programa, uma delegação de prefeitos e governadores de todo o mundo subiu ao palco ao lado de líderes mundiais.
O objetivo da LCAS foi demonstrar como as autoridades subnacionais ao redor do mundo já estão agindo para fortalecer a mitigação e adaptação climáticas, muitas vezes superando a ambição dos governos nacionais. Tal reconhecimento está há muito tempo pendente.
As autoridades subnacionais e locais historicamente foram agrupadas junto com a sociedade civil e interesses privados como “observadores” nas negociações da COP. Essa categorização desconsidera o papel fundamental que os governos subnacionais desempenham tanto na implementação de uma transição justa quanto no gerenciamento das linhas de defesa da humanidade contra a crise climática.
Está mais do que na hora de que as vozes subnacionais sejam ouvidas clara e firmemente, junto aos governos nacionais, dentro do quadro da Conferência das Partes das Nações Unidas.
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Ampliando a diplomacia
As cúpulas climáticas subnacionais de forma alguma são uma novidade da governança global contemporânea.
Conferências de cidades e regiões organizadas por redes de defesa como Governos Locais para a Sustentabilidade (Iclei), Regions4, Cidades e Governos Locais Unidos (UCLG) e a Coalizão Under2 existem há décadas. No entanto, a LCAS é o primeiro encontro desse tipo a ser incluído no programa oficial de uma COP. Isso representa um progresso claro.
A LCAS enviou a mensagem de que o sistema paralelo de diplomacia subnacional que vem se desenvolvendo ao longo das últimas três décadas deve ser plenamente reconhecido dentro da governança global. De fato, nossos objetivos climáticos só serão alcançados se os governos subnacionais e nacionais começarem a trabalhar juntos para garantir que a expertise política e os recursos financeiros sejam compartilhados entre diferentes níveis de governança, inclusive nos relatórios nacionais para a ONU.
As ideias apresentadas no fórum da LCAS foram uma visão emocionante para o futuro. No entanto, mais trabalho deve ser feito para tornar essa visão uma realidade.
Especificamente, os governos subnacionais precisam de um acesso mais direto às instituições da ONU. E de uma maior capacidade de contribuir para a formulação de políticas globais e negociações intergovernamentais, como parte de um esforço mais amplo para “formalizar as vozes subnacionais” na agenda da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
Essas ações devem ser feitas em reconhecimento ao papel central que os governos subnacionais desempenham na implementação de políticas de redução de carbono, adaptação às mudanças climáticas e resiliência.
Na linha de frente
Os governos subnacionais e locais são “agentes-chave de uma transição justa” na linha de frente da crise climática, muitas vezes com maior legitimidade e competência para supervisionar transições ambientais específicas ao contexto, bem ajustadas às necessidades locais.
Vale ressaltar que as cidades emitem até 75% das emissões globais de gases de efeito estufa e muitas vezes servem como os motores econômicos de suas respectivas nações. Portanto, as cidades têm um papel crítico a desempenhar na redução da demanda e do consumo de energia. Essas são ambições que podem ser alcançadas ao incorporar densificação, adaptação climática, transporte público e descarbonização de edifícios no planejamento urbano futuro.
Os governos regionais constituem um elo crucial entre as autoridades locais e centrais e muitas vezes estão em uma posição jurisdicional melhor do que os governos nacionais para liderar a transição ambiental. Os governos regionais já lideram ao encabeçar esforços de adaptação climática e justiça climática – enfrentando conjuntamente as crises gêmeas da mudança climática e da perda de biodiversidade.
Em última análise, devemos ir além de entender os governos subnacionais como “atores não estatais” – ao lado de empresas, ONGs e indivíduos privados – e começar a vê-los como atores estatais por direito próprio. Isso significa dar às autoridades municipais e regionais mais oportunidades de influenciar os resultados ambientais nacionais e globais.
A declaração multilateral que criou a Coalizão de Parcerias para uma Alta Ambição Multinível na COP28 – endossada até agora por 72 estados soberanos – estimula tal progresso, ao incentivar os governos nacionais a criar “processos institucionais e informais inclusivos para permitir que os governos subnacionais contribuam para aprimorar ainda mais as Contribuições Nacionalmente Determinadas”.
Liderança subnacional
Felizmente, o reconhecimento gradual e a inclusão das autoridades subnacionais estão em andamento e as tendências estão apenas se acelerando. Enquanto isso, algumas cidades e regiões já avançaram demonstrando liderança inovadora.
Alguns lugares, como Quebec (Canadá) e Califórnia (EUA), até se tornaram atores totalmente autônomos na governança ambiental global. A Califórnia foi uma força líder na Iniciativa de Líderes de Ação Climática Subnacionais, lançada na COP27 como um fórum para incubar novas ideias. Uma dessas ideias, a iniciativa LOW-Methane, foi posteriormente lançada por uma coalizão de parceiros internacionais na COP28.
Enquanto isso, Quebec foi nomeada para a copresidência da Beyond Oil and Gas Alliance (Boga). A Boga é uma coalizão de estados soberanos e subnacionais comprometidos em proibir investimentos e produção de combustíveis fósseis em seus territórios. Quebec alcançou esse objetivo pela primeira vez em 2022, tornando-se a primeira jurisdição na América do Norte (e uma das primeiras no mundo) a fazê-lo.
Essa liderança subnacional transformadora levanta questões importantes sobre a validade de continuar com o monopólio dos estados-nação nos assuntos internacionais, especialmente nessa era em evolução de transformações globais e crise ecológica.
É crucial que os governos locais e regionais sejam formalmente reconhecidos com um status e papel distintos nas instituições de governança global, diferenciando-os de outros stakeholders “não estatais”.
A criação do Grupo Consultivo do Secretário-Geral sobre Governos Locais e Regionais sem dúvida representa um passo na direção certa. No entanto, muito ainda precisa ser feito para reformar de forma significativa o multilateralismo antes da Cúpula das Nações Unidas do Futuro, em setembro próximo, e a COP29, em dezembro de 2024.
Simplificando, as autoridades subnacionais e locais devem ser incluídas no espaço onde a diplomacia e a governança global ocorrem. Uma ambição que envolve uma reflexão crítica sobre as interconexões inerentes entre atividades locais, subnacionais e nacionais.
Incluir os níveis subnacionais e locais não é apenas uma boa ideia, mas sim um passo crucial para alcançar os objetivos climáticos globais.
Marjolaine Lamontagne – Doutoranda em Relações Internacionais (Governança Ambiental Global e Diplomacia) na Universidade McGill, no Canadá.
Charles Berthelet – Doutorando em Filosofia, Estudos Políticos e Sociologia na Universidade do Quebec em Montreal (UQAM), no Canadá.
Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em inglês.
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