TikTok impulsiona tendências no fast fashion e favorece o consumo exacerbado
POR BÁRBARA VETOS
Arrume-se comigo. Unboxing. Comprinhas. Recebidos. Dependendo da sua faixa etária, talvez essas palavras não digam nada ou digam muito pouco. Nas redes sociais, mais especificamente para o nicho de moda e beleza, elas ditam o rumo dos conteúdos produzidos e estimulam o consumo. São formas de gerar identificação, desejo e conexão entre o público e as marcas.
Antes da ascensão do TikTok, esses modelos não eram tão populares. Embora fossem previamente explorados pelo YouTube – em vídeos mais longos – e já tivessem sucesso, a plataforma chinesa abraçou esses formatos e trouxe uma nova lógica de consumo. Vídeos curtos, pouca edição, conteúdo simples. Qualquer pessoa pode fazer. É sobre tornar rentável e ganhar seguidores em cima de um hábito tão comum quanto comprar.
A questão é que chegamos a um ponto em que o consumo desenfreado e o fast fashion tomaram conta das redes. O que antes consistia apenas no ato de compartilhar suas aquisições recentes nas redes passou a ser uma competição para ver quem mostra mais compras, quem está mais por dentro da moda, quem tem mais itens considerados únicos e autênticos.
“Precisamos falar sobre diminuir o acesso das novas gerações a esse consumo desenfreado, porque, senão, não tem o que a gente faça hoje [em termos de sustentabilidade] que vá adiantar daqui a 30 anos”, defende Mariana Brilhante, mestra em Design de Vestuário e Moda pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
A gênese de um comportamento
Um ano antes da pandemia, eu fazia cursinho pré-vestibular. Um tempo em que seria impossível prever o que viria em seguida. As conversas e as preocupações também eram outras. Lembro que foi a primeira vez que tive contato direto com tantas pessoas engajadas na pauta sustentável.
Alguns colegas levavam copos dobráveis e reutilizáveis para usar na lanchonete e queriam banir o uso de descartáveis. Vários eram vegetarianos ou veganos e grande parte dos alunos pressionava a instituição para saber qual era o destino do lixo gerado nas dependências do cursinho.
Em todos os vestibulares que prestei naquele ano e no ano anterior, recebi um canudo de metal de brinde. Também nunca vi tanta ecobag em toda a minha vida. O mundo pré-pandêmico parecia outro, e me pergunto o que aconteceu para que saíssemos de discussões como essas para vídeos de pessoas mostrando suas coleções infinitas de copos da marca Stanley e roupas novas todos os dias.
Antes da pandemia, a moda era ecobags e canudos descartáveis. Agora, as redes são tomadas por copos Stanley. O que mudou?
O TikTok e as tendências
O TikTok é um grande impulsionador dessas tendências. Em 2020, os tênis Air Jordan e Dunk Low, da Nike, apareciam nos pés de grande parte dos usuários. E quem não tinha um, em algum momento cogitou comprá-los. Em 2022, as bolsas Le Cagole, da Balenciaga, eram febre. As blogueiras ostentavam uma de cada cor. Mesmo modelo, mesmo tamanho, mesmos acessórios, apenas uma tonalidade diferente.
Tudo isso em um nível acelerado. O que é considerado bonito hoje não necessariamente vai ser bonito amanhã. E quem dita isso? As mesmas pessoas que te influenciaram a comprar. Não por acaso, frequentemente surgem trends como “coisas que me passam uma energia de fubanga” – termo em alta para se referir a pessoas consideradas cafonas –, “coisas que, se você usa, te dão uma vibe de feia, de suja, ou de pobre”. Sim, as pessoas realmente compartilham esses pensamentos na internet.
Na tentativa de fugir desses estereótipos, não ficar para trás e pertencer a algum grupo de prestígio – mesmo que só dentro das redes sociais –, as pessoas tentam se desassociar o mais rápido possível do que deixou de estar na moda. Ter ou não ter certa peça passa a ser um estilo de vida. Mas nunca é suficiente: a compra de um item estimula a aquisição de vários outros elementos relacionados a ele.
Uma forma de deixar esse pertencimento mais claro é por meio das diferentes denominações de estéticas. Na internet, tudo ganha um nome. Não é mais uma maquiagem básica, é uma no make-up make-up. Cabelo preso em gel, acessórios minimalistas e uma pele leve viram clean girl aesthetic.
Na moda, isso também acontece. Old money, dark academia, vintage, Y2K, coquette, model off duty. A lista é extensa. É mais fácil explicar o jeito como você se veste quando se tem um nome na ponta da língua que já representa tudo o que você quer dizer.
Consumo e pertencimento
A correlação entre consumo e relação de pertencimento auxilia na criação de um imaginário coletivo e atinge cada vez mais crianças. É o caso das chamadas Sephora kids: em geral meninas, entre 9 e 14 anos, que produzem conteúdo para a internet mostrando sua rotina de cuidados pessoais. O apelido surge do nome da loja francesa, que virou o hábitat das pré-adolescentes.
Faça o teste você mesmo. A última vez em que estive lá, eu e o vendedor tivemos que desviar de grupos de crianças amontoados em frente às prateleiras. E não quer dizer que elas vão comprar, mas que elas querem pertencer. Às vezes, até compram, o que levanta outra discussão: esses produtos são adequados para peles infantis?

63% das crianças e dos adolescentes do Brasil têm acesso ao TikTok, que oficialmente exige idade mínima de 13 anos para cadastro
De acordo com as políticas de bem-estar e segurança do TikTok, a idade mínima para utilizar a plataforma é de 13 anos. As Sephora kids mal chegaram lá. Dados da TIC Kids Online Brasil 2023 revelam que 63% das crianças e dos adolescentes têm acesso ao TikTok.
Mariana Brilhante explica que essas relações de consumo já são fenômenos além do TikTok e passaram a ser um estilo de vida. “É preocupante o modo como isso invade as novas gerações e intensifica também essa ansiedade que elas têm pelo consumo e por comprar coisas o tempo inteiro.”
Facilidades da era digital
Quem nunca adquiriu pela internet um item desejado e passou os dias seguintes querendo saber cada movimentação mínima da encomenda? Ou mesmo torceu para os dias passarem mais rápido? É um vício. As pessoas são tomadas pela ansiedade desde o ato de compra até a entrega.
Antes da massificação das redes sociais, havia uma espécie de ritual para a compra de roupas. “Tu precisava se deslocar pessoalmente na loja, encontrar algo que te interessasse, conferir o preço, provar, olhar o tecido e o caimento. Todo esse processo te levava a analisar se aquilo realmente fazia sentido e, só depois, tu comprava”, conta.
Além disso, com os compromissos do dia a dia, nem sempre era possível fazer uma pausa para visitar as lojas. Aquilo que parecia urgente em um primeiro momento ficava em segundo plano e, muitas vezes, acabava não sendo adquirido.
No universo digital, todo esse ritual se resume a alguns cliques, com as redes se transformando em verdadeiros marketplaces e berço dos influenciadores. Um levantamento realizado pela Octadesk e Opinion Box revela que 66% dos consumidores pesquisam por produtos diretamente nas redes sociais e 69% já fizeram compras após terem visto um anúncio nessas plataformas. Além disso, 45% afirmam já terem comprado por indicação de produtores de conteúdo.
Brilhante lembra que hoje a maioria das compras sequer acontece com dinheiro físico, mas com cartão, Pix, às vezes até com biometria. “Isso faz com que a gente consuma muito mais. Eu faço aquela compra, mas ela ainda não está comigo, não está me saciando.”
45%
dos consumidores compram por indicação dos influenciadores digitais
Desejo e microssaciedade
Todo mundo está sujeito a essas relações de consumo exageradas – seria hipocrisia dizer que não. Culpabilizar os consumidores tem pouco ganho prático. “A sociedade vive à base de microprazeres e isso é estimulado pelo consumo”, explica a especialista. “É normal querer pertencer quando estamos o tempo todo rodeados de propagandas e pessoas maravilhosas usando roupas lindas.”
As influências vêm do mundo todo. A partir do algoritmo e formato de rolagem infinita de conteúdos, as redes sociais trazem referências em tempo real do que antes provavelmente só chegaria na próxima estação ou em alguns meses. Os consumidores nunca se sentiram tão conectados.
No entanto, a velocidade da informação não necessariamente acompanha o acesso imediato àqueles produtos que aparecem nos vídeos estrangeiros. Nessa ânsia por estar por dentro das últimas tendências, as pessoas recorrem a plataformas como a Shein, nas quais as roupas vistas nos vídeos são rapidamente colocadas à venda – por baixos preços e pouca qualidade.
Tudo isso somado à urgência de comprar no momento em que o anúncio aparece. “Vivemos um sentimento de ‘se eu não fizer isso agora, pode ser que saia da minha timeline e eu não vou encontrar de novo’”, diz Brilhante.
A teoria do desejo, do psicanalista francês Jacques Lacan (1901-81), ajuda a explicar a busca pela satisfação que acompanha os seres humanos. Para ele, o desejo é construído pela interação com o outro e é influenciado por questões sociais e culturais. Trata-se de uma jornada constante em que o indivíduo coloca expectativas sobre os objetos de desejo, enquanto tenta alcançar uma sensação de preenchimento – que nunca vem.
“As pessoas fazem compras esperando que, quando aquilo chegar em alguns dias, elas estarão muito felizes. É como se sempre precisassem de algo para se sentirem completas”, complementa Brilhante.
O pós-pandemia trouxe o alívio do merecimento. Um pensamento de “eu perdi dois anos da minha vida, eu mereço”
Impacto da pandemia no consumo
Se por um lado a pandemia trouxe um sentimento de peso e limitação, por outro, transformou o tempo ocioso em tempo propício para compras on-line. “Estamos falando de um período em que as pessoas ficaram muito ansiosas. Tivemos um aumento grande do consumo e uma diminuição da preocupação em cima do que eu estou consumindo”, aponta.
Para quem não adotou esses hábitos – ou mesmo para quem adotou –, o pós-pandemia trouxe o alívio do merecimento. Um pensamento de “eu perdi dois anos da minha vida, eu mereço”. Uma ideia ainda mais presente entre os jovens que entraram no mercado de trabalho nessa época. As pessoas se perguntam, “Como eu estou ganhando meu dinheiro agora e não posso comprar o que quero?”. Todos estão sujeitos a esses pensamentos. É tentador se eximir da culpa.
Apesar de o auge da emergência sanitária ter sido em 2020 e 2021, Brilhante acredita que esse tipo de pensamento continua sendo refletido no comportamento das pessoas. “Ainda vamos viver isso por muito tempo. São cicatrizes que não se apagam de uma hora para outra.”
A conscientização sobre sustentabilidade que eu observava nos anos anteriores a isso não foi completamente interrompida, mas teve seu curso alterado pela pandemia e vem tentando ser retomada.
Um exemplo disso é a questão dos brechós. Brilhante conta que já trabalhou organizando brechós, mas, no seu caso, não conseguiu retomar da mesma forma depois do período pandêmico. “As pessoas voltaram a consumir fast fashion loucamente.” Boa parte do novo público também estabelece uma relação diferente com a moda circular. “É um tipo de consumo importante, mas muitas vezes a gente acaba criando desculpas para consumir mais e com menos peso na consciência”, relata.
Impulsividade e descarte
Em maio de 2024, o Rio Grande do Sul ficou embaixo d’água. Uma das formas de auxiliar quem perdeu tudo foi por meio de doações. Brilhante conta que existiam dois extremos: roupas que não serviam para fazer trapo de chão – e que ainda assim foram encaminhadas como “doações” – e peças novas, sem uso, ainda com etiquetas.
Os itens novos tinham potencial de serem utilizados por quem mais necessitava naquele momento. Mas isso escancarava o consumismo impensado e compulsório da população. “Você não vai doar uma calça que você usa”, aponta a profissional.
Existem diversos motivos para uma peça de roupa ficar parada no guarda-roupa. Um deles é quando compramos sem a necessidade real daquele item, o que pode ocorrer devido a uma promoção, oscilações da moda ou simplesmente o hábito de consumir.
“Precisamos começar a entender que não temos outro planeta para ir. Por que será que está fazendo tanto calor nos últimos tempos? Claro que existem muitos fatores, mas temos responsabilidade sobre o que acontece no mundo também”, reflete.
Brilhante conta que, quando a água estava abaixando no centro de Porto Alegre, era comum ver pessoas lavando roupas e outros objetos que tinham sido afetados pelas enchentes para revender pela metade do preço. “Eram águas imundas; aquelas coisas jamais poderiam ser utilizadas.” A lógica de quem comprava esses itens era de estoque: para que comprar um pacote se posso comprar vários?
Para ela, esse comportamento se reflete em diferentes frentes além da moda. “[São] coisas que talvez não sejam necessárias, ou, pelo menos, não naquela quantidade”, analisa ela. “É sobre o modo como as pessoas lidam com o estresse e como isso nos leva a consumir cada vez mais.”
E segue o feed…

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Um lookinho por segundo – TikTok impulsiona tendências no fast fashion e favorece o consumo exacerbado em busca da microssaciedade
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