É preciso parar de modernizar o passado e começar a desenhar o futuro com inteligência estratégica e sensibilidade social
POR FABIENNE SCHIAVO
O que vem à sua cabeça quando pensa em “cidades inteligentes”? Possivelmente, algum recurso tecnológico sofisticado, como o Big Brother das centrais de monitoramento, ou algo parecido, certo?
Quando surgiu, o conceito de smart cities trazia um forte viés tecnocêntrico, como se a tecnologia, por si só, pudesse mitigar problemas das cidades. O tempo passou e, com ele, a evolução do entendimento do que deve ser o principal foco de uma cidade dita inteligente: prover qualidade de vida, uma abordagem centrada nas pessoas e na sustentabilidade.
E é aí que está o grande desafio dos gestores públicos e das empresas: lançar mão da tecnologia e de seus recursos como meio para atingir um objetivo maior, não como fim. Ela deve ser orientada para o bem-estar, aplicada de forma lógica e sustentável, e conectada às necessidades específicas de cada localidade.
A partir desse objetivo, faz-se essencial personalizar soluções e garantir maior participação cidadã no processo de desenho e implementação.
O que precisamos hoje não é apenas de cidades “inteligentes”, mas de inteligência para as cidades. Inteligência que defino como a capacidade de gestores e cidadãos de estabelecer uma ordem lógica de prioridades para investir recursos financeiros, humanos, tecnológicos e operacionais, a fim de promover o bem-estar coletivo e o desenvolvimento sustentável.
Essa visão desloca o foco do aparato tecnológico em si para o processo de tomada de decisão que orienta seu uso. Mais importante do que digitalizar sistemas antigos é escolher corretamente onde, como e por que aplicar os recursos disponíveis – afinal, eles são sempre finitos, enquanto as necessidades urbanas são múltiplas e crescentes.
O que precisamos hoje não é apenas de cidades “inteligentes”, mas de inteligência para as cidades
A opção de muitos governos e empresas por apenas modernizar soluções antigas nada mais gera do que uma inovação incremental, que não é capaz de produzir impacto real nas vidas das cidades. O resultado é que se investe na modernização do passado, enquanto as necessidades do presente e do futuro seguem desatendidas.
O mercado deve exatamente se perguntar se está conectando novas tecnologias às demandas sociais emergentes ou apenas modernizando o obsoleto; se inova de forma transformadora ou meramente incremental. Enquanto persistir na segunda alternativa, os impactos seguirão limitados.
A oportunidade que se abre para as empresas é exponencial. Quando colocam a inteligência a favor das cidades, descortina-se um mercado sem fim.
Os grandes desafios atuais e futuros – das mudanças climáticas ao envelhecimento populacional, da perda de biodiversidade às crises políticas – demandam soluções inéditas, conectadas ao cotidiano das cidades.
Portanto, se quisermos cidades sustentáveis, resilientes e justas, precisamos parar de modernizar o passado e começar a desenhar o futuro com inteligência estratégica, sensibilidade social e visão de longo prazo.

Fabienne Schiavo – Fabienne Schiavo é consultora, Ph.D. em Inovação para Smart Sustainable Cities (PUC-Rio/CBS) e pós-doutoranda em IA e Design Estratégico aplicados à inovação urbana. É VP de People-Centered Smart Cities do Instituto Smart City Business America, pesquisadora do LGD/PUC-Rio, sócia da Comunicarte e consultora da UNESCO em Cidades Inteligentes e Sustentáveis. No último ano, prestou consultoria para o ONU-Habitat em Alagoas, trabalho vencedor do LATAM Smart City Awards 2025.
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