Denúncias revelam que os espaços coletivos estão cada vez mais sendo direcionados a interesse particulares (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Excessos elitistas desacreditam as concessões de praças e parques em São Paulo. Dá para resolver?

POR MARCELO BAUER

Este texto não é sobre esquerda ou direita. Não é sobre privatização ou estatização. É sobre coisas que dão certo e coisas que dão errado. E é preciso admitir: as concessões de parques e áreas públicas na cidade de São Paulo estão dando errado. Muito errado.

Nos últimos meses, uma série de reclamações e denúncias têm sido feitas por usuários, políticos e imprensa revelando que os espaços coletivos estão cada vez mais sendo direcionados a interesse particulares. Aproveitando-se de brechas ou interpretações “criativas” de leis ou regulamentos, e da morosidade dos órgãos estatais na análise e fiscalização das intervenções, as concessionárias avançam em propor novos usos pagos (caros!) e excludentes dos patrimônios coletivos.

Os exemplos se acumulam em todos os principais parques e praças concedidos, tanto municipais, quanto estaduais. Em novembro de 2024, o Nubank anunciou a criação de uma espécie de “cercadinho vip” para os clientes do banco no Parque do Ibirapuera, na Zona Sul. Instalada em um prédio que antes abrigava uma unidade da Guarda Civil Metropolitana, a Casa Ultravioleta do Nubank propunha “vestiários equipados com duchas privativas, toalhas, itens de higiene, armários inteligentes, lanches, bebidas, cafés, estações de trabalho” para o público do cartão de crédito top da empresa.

A iniciativa deixou muita gente roxa de raiva e, depois de uma ação proposta pelo vereador Toninho Vespoli (PSOL), a instituição financeira e a Urbia, concessionária do parque, passaram a permitir o acesso a todos os visitantes, mediante pagamento de R$ 150 – mais caro, por exemplo, que o acesso à sala vip Urban Lounge do Aeroporto de Guarulhos (R$ 125). Mas as coisas no Ibirapuera andam caras, mesmo: uma nova política para os espaços de alimentação inflacionou as opções gastronômicas do local – antes com cardápios mais populares. Um café expresso a R$ 12 também coloca o Ibirapuera em níveis do Aeroporto de Guarulhos. Será que os preços de Cumbica se tornaram uma espécie de um benchmark informal para os gestores da Urbia?

No Parque da Água Branca, na Zona Oeste, patrimônio do governo do Estado, o problema aconteceu com a instalação de uma churrascaria – teoricamente a título de um evento temporário – realizando-se obras e alterações que não teriam sido autorizadas em edificações tombadas pelo patrimônio histórico. A presença por ali do evento Casa Cor também despertou reclamações semelhantes. E um estande que promovia test-drive da Peugeot acabou tendo de ser desmontado e gerou multa à concessionária.

Talvez o exemplo mais emblemático venha do Vale do Anhangabaú, no centro. Depois da última reforma, em 2022, que retirou boa parte do pouco de verde que restava no local em que um dia corria um rio, o espaço foi concedido à iniciativa privada e virou uma espécie de casa de shows a céu aberto. Durante os eventos (e por dias antes e depois deles), os acessos ao vale, à Praça Ramos de Azevedo e mesmo a passagem de pedestres são interrompidos ou dificultados.

Anhangabaú, em São Paulo

Enquanto alguns dançam, os pedestres que troquem de caminho

Em maio, por exemplo, o vale foi tomado por tapumes para a realização do festival de música eletrônica Time Warp Brasil – com ingressos de até R$ 1.200. Além de impedir o uso livre do espaço público pelos não pagantes, o som alto também atrapalhava o vizinho Theatro Municipal. O bate-estaca do festival acabou fazendo uma curiosa “participação especial” nas árias e recitativos de Don Giovanni, de Mozart, em cartaz por ali. Mas não para por aí. Os ruídos também têm feito tremer os vizinhos, que precisam conviver com as luzes e com a trepidação causada pela música alta.

Levantamento da Folha de S.Paulo com base em dados do Diário Oficial do Município mostram que, só entre março de 2022 e abril de 2023, o Anhangabaú ficou fechado 105 dias para eventos diversos. Em uma cidade que sente falta de praças e locais de convivência e tem tantos equipamentos disponíveis para shows – inclusive alguns da própria prefeitura, como o Anhembi e o Autódromo de Interlagos –, é de se lamentar que a política da gestão municipal permita um uso tão restritivo desse pedaço do centro histórico paulistano.

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Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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