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Espaços mais conectados e humanos

Tecnologia deve ser aproveitada para solucionar problemas e criar oportunidades nos espaços urbanos (Foto: Edson Lopes Jr./Prefeitura de São Paulo)

Smart cities dialogam com soluções múltiplas e não apenas com tecnologia

POR BÁRBARA VETOS

Cada vez mais, a palavra inteligência ganha conotação tecnológica. Inteligência artificial (IA), inteligência de dados, inteligência cibernética… A mesma coisa tem acontecido quando se fala em smart cities, ou cidades inteligentes. Mas, apesar de muito atrelados à tecnologia, esses termos não se limitam a isso.

Para que um município possa ser considerado verdadeiramente inteligente, ele precisa seguir uma série de critérios visando garantir um desenvolvimento urbano sustentável. Trata-se de utilizar a inovação como ferramenta de transformação para os desafios contemporâneos. A tecnologia, nesse caso, deve ser aproveitada para solucionar problemas e criar oportunidades.

O tema faz parte de uma agenda em ascensão – nas esferas pública e privada. No Brasil, resultou na elaboração da Carta Brasileira para Cidades Inteligentes. Lançado em 2020, o documento tem como objetivo orientar uma transformação digital inclusiva e integrada nas cidades, reduzindo desigualdades, fomentando o desenvolvimento econômico, promovendo acesso à internet de qualidade, e garantindo segurança, transparência e privacidade.

“O conceito de que mais gosto é de uma cidade centrada no cidadão e em suas necessidades, que se organiza e dispõe de instrumentos – sejam eles altamente tecnológicos ou não – para alcançar soluções econômicas, sociais e urbanas”, descreve Cris Alessi, consultora de inovação e transformação digital e colunista do portal Connected Smart Cities.

Cidade conectada

Um município inteligente não necessariamente terá de realizar um grande investimento em tecnologia. “Uma cidade pode ser inteligente mesmo sem estar ligada na tomada”, defende Danaê Fernandes, urbanista e fundadora da URBdata. Para Fernandes, uma cidade só pode ser considerada inteligente se propõe algo de qualitativo para melhorar o dia a dia das pessoas que ali residem. “Existem medidas que exigem muito pouco ou nada de tecnologia.”

Alguns exemplos disso são políticas de mobilidade, implementação de áreas verdes, gestão de resíduos, e serviços integrados, que garantam bem-estar e qualidade de vida. Partir desse princípio permite que o conceito seja aplicado em contextos mais amplos, inclusive em cidades menores. “Os municípios pequenos são os melhores laboratórios para testarmos ideias inovadoras”, comenta a profissional. “Tudo começa com a ousadia dos líderes.

Se os gestores acham que esse é um tema apenas para as capitais, então temos um problema”, analisa Fernandes. “Muitas vezes, a inovação tem que empurrar alguns setores mais lentos e tradicionais para fazer tudo acontecer. Afinal, quando falamos de smart cities, falamos sobre provocar mudanças estruturantes em processos, sistemas e até na cultura das pessoas.”

Cidades inteligentes mundo afora

Há exemplos disso em todo o mundo. De acordo com o Smart City Index 2025, estudo realizado pelo Institute for Management Development (IMD), as cinco cidades mais inteligentes do mundo são: Zurique (Suíça), Oslo (Noruega), Genebra (Suíça), Dubai e Abu Dhabi (ambas nos Emirados Árabes Unidos).

O índice leva em consideração 15 indicadores para a avaliação: habitação acessível; segurança; serviços de saúde; transporte público; trânsito; comodidades básicas; espaços verdes; poluição do ar; educação nas escolas; desemprego; engajamento dos cidadãos; mobilidade social e inclusão; reciclagem; emprego gratificante; e corrupção e transparência.

No Brasil, as cidades de Vitória, Florianópolis, Niterói (RJ), São Paulo e Curitiba detêm as cinco primeiras colocações, em outro levantamento. A classificação do Ranking Connected Smart Cities 2025 foi feita com base em 13 eixos temáticos: economia e finanças; educação; energia; governança; habitação e planejamento urbano; inovação e empreendedorismo; meio ambiente e mudanças climáticas; mobilidade urbana; população e condições sociais; resíduos sólidos, esgotos e água; saúde, agricultura local/urbana e segurança alimentar; segurança; e telecomunicações. A cada cidade, foi atribuída uma média de 0 a 100 – Vitória obteve a nota 61,3.

Apesar de utilizarem metodologias diferentes para a obtenção dos resultados, é possível traçar algum comparativo entre as pesquisas. Enquanto no ranking brasileiro a cidade de São Paulo ocupa a 4ª posição, no índice global ela está em 137º lugar. Isso mostra que, por mais que esteja bem colocada nacionalmente, a capital paulista – assim como as demais cidades brasileiras – ainda está aquém do que tem sido feito ao redor do mundo.

“Mesmo assim, acho que as cidades brasileiras têm avançado muito. Muitas delas, inclusive, são referências mundiais, principalmente na questão de empreendedorismo e soluções urbanas”, comenta Alessi.

Caminhos a percorrer

Na avaliação de Alessi, existem muitos benefícios em uma cidade inteligente, mas os desafios ainda são enormes. O principal deles está na liderança. “Os líderes precisam entender e incentivar a organização desse ecossistema e dessa estratégia, porque precisaremos discutir sobre leis, comunicação intersetorial, novos produtos e serviços, adoção de tecnologias, planejamento urbano. Tudo isso é bastante complexo.” rganizar a atuação em eixos é algo que ajuda a estruturar e colocar o conceito em prática, defende a especialista.

As cidades são elementos vivos que se moldam de acordo com o comportamento e a necessidade das pessoas. Nas smart cities, o espaço urbano deve ser desenhado de forma a garantir qualidade de vida, convivência, acessibilidade e inclusão. Isso inclui a criação de espaços de cultura e lazer, alternativas de mobilidade, como bicicletas, um transporte público mais eficiente, e uma mudança de matriz energética de modo a frear as consequências do aquecimento global.

Outro ponto importante, segundo Alessi, é a digitalização dos processos e melhoria dos serviços. “A gestão pública precisa não só entregar serviços tecnológicos e conectividade a todos, mas também trabalhar no desenvolvimento de soluções tecnológicas que tornem os processos internos mais eficientes, rápidos e modernos para o cidadão.”

No entanto, tudo isso só pode ocorrer se a legislação avançar junto. A Carta Brasileira para Cidades Inteligentes foi um marco, mas não é o suficiente para lidar com a complexidade do tema – que ganha cada vez mais desdobramentos. “As legislações têm que correr atrás da inovação e a cidade tem que estar sempre pensando em como trabalhar seu arcabouço legal para que isso aconteça”, explica a consultora. Ela ressalta que existem muitos desafios pela frente, como questões de transparência, lei de proteção de dados e regulamentação da inteligência artificial.

Vigiar e punir

Câmeras, reconhecimento facial, coleta de dados, cruzamento de informações. Nada passa despercebido se a cada 300 metros há um poste repleto de câmeras ligado a uma empresa privada, muitas vezes em parceria com a Polícia Militar. Grande parte das pessoas que residem nas grandes capitais estão acostumadas com esses mecanismos, que já fazem parte do dia a dia. No entanto, são esses mesmos recursos que geram insegurança e a sensação de vigilância constante.

Além disso, apesar dos avanços, a tecnologia também é suscetível a falhas. Um estudo do National Institute of Standards and Technology (NIST) mostrou que sistemas de reconhecimento facial têm taxas de erro até 100 vezes maiores quando envolvem pessoas negras, indígenas e asiáticas em comparação a pessoas brancas.

“Estamos todos muito expostos no nosso dia a dia. Por isso, ainda temos que trabalhar muito – e os governos e empresas sérias já estão fazendo isso – em relação à infraestrutura e cibersegurança, para que possamos nos manter protegidos”, diz Cris Alessi. “Devemos pensar menos em sensores e central de comando e mais em uma boa gestão de dados que se transforme em inteligência estratégica e nos guie para objetivos de desenvolvimento urbano, social e econômico.”

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