No dumpster diving, descarte de roupas feito pelas lojas tem outro destino: o guarda-roupa
POR BÁRBARA VETOS
Nem tudo que vai para o lixo é realmente lixo. Pelo menos é nisso que os adeptos do dumpster diving acreditam. A expressão em inglês significa mergulhar na lixeira, em tradução livre, e se refere a pessoas que vasculham o lixo em busca de produtos em bom estado e que tenham potencial para serem reutilizados.
A prática tem se popularizado nos Estados Unidos, inclusive entre brasileiros que moram lá. E, como tudo, também tem grande espaço nas redes sociais. Geralmente equipados com luvas e botas, os “catadores” produzem conteúdo registrando suas experiências de busca e mostrando tudo o que foi possível recuperar. Adeline Camargo, uma das influenciadoras brasileiras de maior destaque no formato, diz que tem um “faro lixístico” para encontrar bons produtos nas caçambas. Um dia bom é um dia de muitos achados.
Apesar de ser um termo aparentemente pejorativo, os adeptos da prática discordam da carga de significado que o nome carrega. No texto que acompanha um de seus vídeos publicados no YouTube, Camargo diz que a intenção é recuperar, doar e reutilizar coisas boas que estão sendo jogadas fora todos os dias. “É um termo infeliz para uma busca nobre.” Ela conta que cada atividade traz uma emoção diferente e que, apesar de nem sempre ser bem-sucedida, a aventura em si já vale o esforço.
Pelos comentários dos vídeos dos grandes canais de dumpster diving, a prática é bem recebida entre os seguidores. Alguns comemoram a quantidade de itens encontrados e ainda há quem almeje estar na mesma situação em um futuro próximo, quem sabe até emigrando para os Estados Unidos.
Onde tudo se inicia
O primeiro passo é encontrar um local adequado para iniciar as buscas pelos produtos. Se houvesse um mapa do dumpster diving, o X que indica o tesouro estaria nas grandes lixeiras que ficam nos fundos das lojas de departamento. É onde grande parte dos influenciadores encontra itens considerados valiosos.
Localizadas as caçambas, é hora de mergulhar. A depender do tamanho da lixeira e de quão cheia está, o termo ganha mais literalidade, com os youtubers adentrando em seu interior e procurando espaço entre os sacos de lixo para iniciar as buscas. É um trabalho minucioso, em que o objetivo é selecionar produtos que tenham alguma utilidade futuramente. Cada novo item em bom estado é motivo de comemoração em frente às câmeras.
Dumpsters
são a versão do século 21 da velha máxima de Lavoisier: nada se perde, tudo se transforma
Lixo para alguns, ouro para outros
As buscas resultam em utensílios de todo o tipo: além de roupas, há decoração para casa, brinquedos infantis, maquiagem, cosméticos e até comida. Os itens que possuem etiqueta com preço interessam em particular os produtores de conteúdo e os seguidores: é uma forma de avaliar o ganho e a economia feitos com o que foi encontrado. Afinal, não importa o preço original, agora é de graça!
O dumpster diving se ancora em uma questão latente na moda: a ampliação do descarte, em virtude do fenômeno fast fashion. As lojas jogam produtos que não foram vendidos e estão ocupando os depósitos, ou que foram substituídos porque há uma coleção nova para preencher as araras, ou ainda peças que possuem algum problema de fabricação.
Conforme revelam os influencers em seus vídeos, na maior parte das vezes os objetos encontrados estão em ótimo estado ou com poucas avarias – podendo, assim, ser consertados ou reaproveitados.
O lado B dos dumpsters
Alguns vídeos expõem o outro lado do descarte: eles observam e criticam o fato de que certos produtos são quebrados ou rasgados propositalmente pelas lojas, ou mesmo triturados, para evitar que alguém os resgate. Em um dos vídeos, a youtuber Talita Lima conta que as lojas costumam deixar os pares de sapato separados para dificultar o trabalho de coleta.
No entanto, isso não inibe a prática dos mergulhadores: Lima ostenta em seu vídeo a quantidade de calçados obtidos em duas idas até a lixeira. A primeira delas lotou o banco traseiro de seu carro. E ainda caberia muito mais, mas foi preciso fazer uma segunda viagem pelo receio de que algum funcionário aparecesse. “A máquina em que eles trituram tudo estava ligada. Então, a gente fica naquela tensão de sair alguém da loja”, conta a influenciadora em uma de suas aventuras. Quando retornou à noite, encheu o porta-malas com todo o restante que conseguiu separar.
Para sua sorte, ninguém veio abordá-la. Em caso de flagrante, o mais comum é que o segurança só peça para a pessoa se retirar. Mas há relatos de casos em que os mergulhadores enfrentam queixas de invasão de propriedade e privacidade – o que pode ter consequências legais.
Como as peças foram coletadas na adrenalina, nem sempre é possível escolher o tamanho ou encontrar o par correspondente. No primeiro caso, o mais comum é doar ou vender. No segundo, o item retorna ao lixo, sem nenhuma utilidade.
E as peças sujas? Lima diz que não há “nada que uma boa água não resolva”. Para tudo se dá um jeito. Algumas roupas ostentam logotipos de marcas famosas, o que empolga ainda mais os youtubers, que as consideram fruto de uma sorte ainda maior.
A satisfação em ver tudo o que foi adquirido é muito maior do que as dificuldades enfrentadas no processo. Nem o nojo em adentrar o lixo, nem o risco de se machucar, nem o medo de ser visto os impedem de mergulhar nos descartes. Na prática do dumpster diving, a famosa frase do químico francês Antoine-Laurent de Lavoisier ganha outro significado: nada se perde, tudo se transforma.

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