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As cidades e seus pulmões verdes

Floresta da Tijuca: exemplo mundial de reflorestamento, após a degradação pela produção de café (Foto: Anacarla az/Creative Commons)

Parques urbanos, mesmo os menores, trazem resultados na melhoria da qualidade do ar das metrópoles

POR CLEYTON MARTINS DA SILVA E GRACIELA ARBILLA DE KLACHQUIN

Os impactos das mudanças climáticas têm sido cada vez mais evidentes. Incêndios, chuvas torrenciais com inundações e deslizamentos de terra, além de ondas de calor e frio extremos com danos à saúde pública têm se tornado cada vez mais frequentes e severos.

As grandes cidades enfrentam desafios especiais, agravados pelas aglomerações de pessoas, maiores emissões de gases poluentes e verticalização, que elimina áreas verdes, dificulta a circulação de ventos e cria ilhas de calor.

Diante desses desafios, muitas cidades têm buscado novas alternativas baseadas no conceito de “infraestrutura verde e azul”. Essa estratégia envolve a criação de áreas naturais ou seminaturais planejadas para fornecer serviços ecossistêmicos essenciais, como a melhoria da qualidade do ar e a regulação do clima.

A vegetação como aliada 

Estudos científicos têm demonstrado que as áreas verdes são eficazes na remoção de poluentes atmosféricos, seja por sua adsorção, seja por atuarem como barreiras físicas ao transporte de massas de ar provenientes de áreas urbanas ou industriais.

Segundo o IBGE, no Brasil, aproximadamente 60% da população vive em áreas urbanas, mas esse número é superior aos 96% nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. A Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que possui aproximadamente 12 milhões de habitantes, pode ser considerada um espaço privilegiado para adoção de estratégias baseadas na infraestrutura verde e azul, pois 36,3% de seu território – ou seja, 2.444 km² – é composto por parques, florestas e outras áreas verdes, sendo metade delas áreas protegidas. Além disso, possui uma bacia hidrográfica com mais de 50 rios e diversas lagoas, que são essenciais para a gestão dos recursos hídricos, embora muitas enfrentem graves problemas de poluição.

Apesar do consenso sobre os benefícios dos espaços verdes e, em particular, sobre a importância da Mata Atlântica na manutenção da qualidade ambiental e o bem-estar da população, poucos estudos têm explorado o real potencial dessas áreas, sobretudo as menores e fragmentadas, que são comuns nas grandes cidades.

Áreas verdes equalidade do ar no Rio

Em nossas pesquisas, desenvolvidas em parceria entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Veiga de Almeida (UVA), com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), investigamos desde 2010 como as áreas verdes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro contribuem para mitigar as mudanças climáticas, melhorar a qualidade do ar e promover a saúde pública. Observamos que, enquanto estudos similares eram amplamente realizados em outras regiões, principalmente na Amazônia, poucos se dedicavam ao bioma da Mata Atlântica.

Portanto, nós focamos primeiro na avaliação da contribuição do Parque Nacional da Tijuca, uma das maiores florestas urbanas do mundo, que ocupa uma área de 29,52 km² e inclui o setor Floresta da Tijuca, onde se localiza o Pico da Tijuca. Um exemplo mundial de reflorestamento, a floresta foi replantada no século 19, após a degradação causada principalmente pela produção de café. Nossos estudos têm buscado explorar a complexa relação entre a cidade e essa floresta, um verdadeiro “oásis” urbano.

Um de nossos trabalhos recentes, publicado na revista Chemosphere, revelou a importância da Floresta da Tijuca na qualidade do ar e na regulação climática. Os níveis de poluentes na floresta eram até sete vezes menores do que nas áreas urbanas da zona norte da cidade. Além disso, estudos anteriores de nosso grupo de pesquisa demostraram que a floresta tem uma grande capacidade de capturar gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono, e contribuir para a redução das temperaturas locais. Esses trabalhos reforçaram o papel crucial da floresta na melhoria da qualidade do ar, na regulação climática e na captura de gases de efeito estufa, além de outros serviços ecossistêmicos já conhecidos como a conservação da biodiversidade, sua relevância para o lazer, turismo e bem-estar da população.

A pesquisa em ambientes naturais de grande extensão, como a Floresta da Tijuca, apresenta alguns desafios logísticos significativos, principalmente para a coleta das amostras de ar, que foi realizada manualmente, utilizando botijões de aço inox de 6 litros. A necessidade de transportar as amostras nas trilhas do parque limitou o número de amostras que podiam ser coletadas por dia. Apesar das dificuldades, os resultados realizados mostraram a relevância de estudos nessa área.

O impacto das pequenas áreas verdes urbanas

Grandes reservas não são as únicas a desempenhar um papel importante no equilíbrio ambiental das cidades. Parques urbanos menores, muitas vezes ignorados, também podem oferecer importantes serviços ecossistêmicos, como mostrado em um estudo realizado no Parque Natural Municipal do Gericinó, no município de Nilópolis (RJ), que tem menos de 1 km² de extensão. O trabalho foi publicado em janeiro de 2025, também na revista Chemosphere.

A vegetação desse parque é composta principalmente por arbustos e plantas herbáceas, com alguns agrupamentos de árvores perenes, que não formam uma barreira natural significativa ao transporte de poluentes desde a área urbanizada. Durante a tarde, a temperatura e a radiação solar tendem a ser mais altas do que nas áreas densamente vegetadas da Floresta da Tijuca, analisadas no estudo anterior. Esse cenário favorece a maior emissão de compostos biogênicos – ou seja, produzidos pelas próprias plantas do parque –, pois as reações químicas são favorecidas por essas condições atmosféricas.

Mesmo considerando as emissões biogênicas, as concentrações de compostos orgânicos totais são aproximadamente a metade no Parque do Gericinó, em comparação com a área urbana próxima, levando a menores concentrações de ozônio. Assim, o parque contribui para a redução dos poluentes, além de também prover outros serviços ecossistêmicos, contribuindo para o bem-estar e a saúde da população local.

O trabalho mostra que, apesar do impacto dos poluentes causado por atividades humanas em um parque pequeno, cercado pela dinâmica de uma cidade densamente urbanizada, a vegetação contribui para a melhoria da qualidade do ar e cumpre um papel importante no cotidiano de populações locais que, de outra forma, poderiam ser privadas de contato direto com a natureza.

Preservação e planejamento de áreas verdes

Esses resultados destacam o papel essencial das áreas verdes urbanas na melhoria da qualidade do ar e no enfrentamento das mudanças climáticas. Além da proteção das Unidades de Conservação existentes, é fundamental estimular a criação de novas áreas verdes, sobretudo em regiões urbanizadas, onde o contato com a natureza é mais limitado.

A preservação e expansão das Unidades de Conservação e Parques Urbanos são cruciais para mitigar impactos ambientais, promover o bem-estar das comunidades e garantir serviços ecossistêmicos fundamentais. Para potencializar esses benefícios, o planejamento de reflorestamento deve ser baseado em evidências científicas, priorizando espécies que maximizem a captação de poluentes urbanos. Estudos como os nossos reforçam a importância do investimento em ciência para embasar políticas públicas eficazes, assegurando um futuro mais sustentável e equilibrado para as cidades e seus habitantes.

Cleyton Martins da Silva – Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ e professor em Ciências do Meio Ambiente na Universidade Veiga de Almeida

Graciela Arbilla de Klachquin – Cientista de Nosso Estado da FAPERJ e professora titular na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Este texto foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.

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Beijo no asfalto

Imortalizado na cultura popular pela célebre foto de Robert Doisneau, o Hôtel de Ville é um dos marcos arquitetônicos mais conhecidos de Paris. Agora, a larga esplanada à sua frente abre espaço para uma floresta urbana de 2.500 metros quadrados. Desde janeiro, o antigo cimentado da sede da prefeitura tem recebido árvores já adultas, algumas com até 10 metros de altura. O conceito de floresta urbana envolve a ocupação densa de árvores nos espaços das cidades, em áreas de ao menos 1.000 metros quadrados, segundo Amélie Astruc, chefe da Divisão Técnica de Operação de Espaços Verdes de Paris.

A iniciativa é uma das diversas intervenções pelas quais a cidade passa para se adaptar às mudanças climáticas. Logo ao lado da sede da prefeitura, a Rue du Rivoli, uma das principais artérias comerciais, tornou-se exclusiva para pedestres, ciclistas, transporte coletivo e veículos autorizados (como entregas). Por toda a capital
francesa, 300 hectares de novos espaços verdes estão previstos para serem entregues até 2040. Vagas de estacionamento serão suprimidas. A cidade também passa a priorizar a recuperação e reformas de imóveis, e as construções devem prever unidades de recuperação de energia ou geração de energia renovável.

Para os turistas apaixonados, a boa notícia é que a parte central do calçamento em frente ao Hôtel de Ville será mantida, garantindo as tentativas de reproduzir a foto do beijo de 1950 nas redes sociais. E os parisienses vão continuar podendo usar o local para concentrações políticas e festas populares. Foi ali que, em 24 de agosto de 1944, foi celebrada a liberação de Paris das mãos dos nazistas. História preservada, natureza fortalecida.

Hôtel de Ville, em quatro momentos

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Revista ESG Insights - Edição nº 2

Foto: Anacarla az/Creative Commons
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