Parcerias público-privadas são um atalho para a inovação urbana mais rápida e efetiva – desde que os interesses da coletividade sejam sempre respeitados
Nem só de prefeitos, vereadores, arquitetos e técnicos vive o urbanismo. As empresas – qualquer empresa – têm um papel importante na definição das dinâmicas da cidade. Seja na escolha da localização de um edifício sede, seja na relação desse espaço com seu entorno, ou mesmo por meio da forma como define suas políticas de turnos e home office, tudo o que as companhias fazem traz reflexos para seus funcionários e para a comunidade em geral.
“Não consigo acreditar em um país em que o planejamento urbano só vem do poder público”, analisa Danaê Fernandes, urbanista, especialista em Engenharia de Tráfego, Planejamento e Gestão de Trânsito, e fundadora da URBdata. “Só acredito que o planejamento urbano vai ter sucesso do ponto de vista qualitativo se ele estiver junto com a iniciativa privada.”
O estabelecimento de parcerias público-privadas para o urbanismo pode, potencialmente, unir a agilidade e a disponibilidade de recursos das empresas com a visão de conjunto do gestor público. “Tudo flui mais rápido se a iniciativa privada estiver presente no contexto de transformação”, propõe Rogério Cardeman, doutor em Arquitetura pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Rua na Vila Olímpia, em São Paulo: renovação com apoio de faculdade privada
Pensar no impacto das atividades privadas no entorno de suas sedes tem sido um caminho de aproximação. Em São Paulo, por exemplo, a faculdade Insper assinou um Acordo de Cooperação com a Prefeitura para requalificar e modernizar a Rua Uberabinha, que conecta dois prédios da escola, na Vila Olímpia.
O projeto tem como objetivo criar um ambiente mais acolhedor, beneficiando não apenas a comunidade interna, mas também moradores, trabalhadores e toda a vizinhança. A proposta prevê mudanças como a substituição das calçadas e do leito de vias e a implantação de travessias elevadas para pedestres. Neste caso, não se trata de uma privatização de espaço público – como a aprovada pela Câmara Municipal vendendo uma viela nos Jardins a um condomínio de luxo. No projeto com o Insper, a rua permanece transitável e aberta a todos.
A própria definição do endereço corporativo muitas vezes traz grandes impactos. No auge da pandemia, com todo seu efetivo em home office, a XP anunciou sua intenção de construir uma sede corporativa na cidade de São Roque. A intenção era trocar os andares que ocupava nas São Paulo Corporate Towers, um dos conjuntos mais icônicos da Vila Olímpia, por um campus batizado de Villa XP, em uma área de 705 mil metros quadrados, inspirado nos modelos da Apple e de outras empresas do Vale do Silício, na Califórnia.
A ideia parecia boa – para quem vai de helicóptero. Mas para os trabalhadores, mesmo os faria limers e seus carros possantes, vencer os 52 quilômetros que separam a capital de São Roque é algo que pode tomar até duas horas na congestionada Rodovia Castello Branco. Isso sem falar da pouca disponibilidade de transporte público. Em 2024, a XP enterrou seu “sonho grande” e revendeu o terreno a seus antigos donos, a incorporadora de luxo JHSF.
“As parcerias público-privadas são uma ferramenta fundamental para transformar cidades hoje”, resume Sophia Motta, especialista em Gestão de Projetos e mestre em arquitetura pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. “Podemos tomar várias iniciativas sem que o poder público precise colocar a mão no bolso. Todo mundo sai ganhando: o empreendedor, a cidade, os cidadãos.”
Mas, para que todos de fato lucrem, e que projetos enviesados como o da “villa dos helicópteros” não prosperem, é importante que as prefeituras mantenham sua posição de coordenação. “Não podemos abrir mão de ter o planejamento urbano na mão do poder público, mas ele tem que ser um gestor, abrir a negociação para empresários para pensarem juntos o que pode ser feito”, resume Cardeman.

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