A COP30, que reúne representantes de povos indígenas a grandes magnatas, representa, apesar de tudo, uma porta aberta para o diálogo climático
POR FERNANDO VALLADARES
Nosso planeta bate mais de uma centena de recordes climáticos a cada ano, com secas, incêndios, furacões e geadas nunca antes registrados. Enquanto isso, há pessoas que acumulam mais riquezas do que qualquer imperador da história, números impressionantes de pessoas que sofrem e morrem de fome enquanto produzimos o dobro da comida necessária para nos alimentar, crescentes conflitos por água, migrações desesperadas que não são bem recebidas e povos indígenas que são ignorados não apenas ao reivindicar o que é seu, mas ao denunciar a insustentabilidade da relação do Norte Global com a natureza.
Uma amostra de tudo isso está sendo apresentada no Brasil na COP30, a trigésima cúpula climática das Nações Unidas. Nela, líderes mundiais se reunirão com o objetivo de tomar medidas para mitigar o aquecimento global e nos adaptarmos a ele.
Os contrastes da COP30
Como em outras cúpulas climáticas, embora de forma mais evidente por ser realizada no Brasil, o evento é um reflexo das contradições do mundo em que vivemos.
Países pobres afetados por um clima furioso nos quais não tiveram qualquer influência conviverão com os países que lhes impõem dívidas impossíveis de pagar e que são governados por negacionistas climáticos ou uma de suas últimas variantes, os “retardistas”.
Enquanto alguns participantes chegarão de barco seguindo o curso do Rio Amazonas, outros o farão em seus aviões particulares. Enquanto alguns se preocupam em como manter seu modelo de negócios e seus lucros trimestrais exorbitantes com as mudanças climáticas, outros se preocupam em sobreviver à próxima onda de calor e à crise das colheitas.
Os lobbies das empresas mais poluidoras, fundamentalmente a meia dúzia de grandes petrolíferas e todas as suas derivadas, voltarão a ser a representação mais numerosa e também a mais eficaz na hora de neutralizar qualquer possível acordo para nos livrarmos dos combustíveis fósseis.
Em um momento histórico em que o país que mais contribuiu para alterar o clima com suas emissões, os Estados Unidos, se desvincula do Acordo de Paris e não estará presente nesta COP, centenas de cientistas climáticos nos farão sentir medo e milhares de representantes de povos indígenas nos farão sentir vergonha. Medo pelos cenários climáticos inseguros pelos quais já estamos passando, e vergonha pela ação climática não mais do que discreta de décadas carregadas apenas de boas intenções.
As mudanças climáticas mais perigosas já estão aqui
A temperatura global aumentou mais de 0,4°C nos últimos dois anos. Em agosto de 2024, completaram-se 12 meses com um aumento médio de 1,6°C em relação à temperatura de referência do período 1880-1920.
Esse aumento da temperatura foi causado por um dos episódios periódicos de aquecimento tropical do fenômeno El Niño, mas muitos cientistas ficaram perplexos com sua magnitude. O aumento foi o dobro do esperado para o fraco El Niño de 2023-2024.
A maior parte do restante do aquecimento foi devido à restrição das emissões de aerossóis por navios, imposta em 2020 pela Organização Marítima Internacional para combater o efeito dos poluentes de aerossóis na saúde humana.
Os aerossóis são pequenas partículas que aumentam a extensão e o brilho das nuvens, refletindo a luz solar e tendo um efeito refrigerante sobre a Terra. Quando são reduzidos — e, portanto, as nuvens —, a Terra escurece e absorve mais luz solar, o que aumenta o aquecimento global. O resfriamento por aerossóis e, portanto, a sensibilidade climática, tem sido subestimado nas análises do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas.
O aquecimento global causado pela redução dos aerossóis dos navios não desaparece quando o clima tropical entra na sua fase fria de La Niña. Portanto, a temperatura global não desce muito abaixo do nível de 1,5 °C de aquecimento estabelecido como limite seguro no Acordo de Paris, mas oscila perto ou acima desse nível.
As altas temperaturas da superfície do mar e o aumento dos pontos quentes oceânicos continuarão, com efeitos nocivos para os recifes de coral e outras formas de vida marinha. A maior consequência para os seres humanos atualmente é o aumento da frequência e da gravidade de fenômenos climáticos extremos, como tempestades, inundações, ondas de calor e secas.
As mudanças climáticas polares têm o maior efeito a longo prazo sobre a Humanidade, e suas repercussões são aceleradas pelo aumento da temperatura global. Como resultado do degelo, é altamente provável que a Circulação Meridional de Revolvimento do Atlântico (AMOC) pare nos próximos 20 a 30 anos, algo não incluído no último relatório do IPCC. Tomar medidas radicais para reduzir o aquecimento global poderia evitar isso.
Se a AMOC parar, ocorrerão problemas graves, como o aumento do nível do mar em vários metros e um clima extremo, especialmente na Europa e na costa leste da América do Norte. Seria um verdadeiro ponto de não retorno.
O essencial que se espera da COP30
Dois estudos publicados na Nature Climate Change em fevereiro de 2025 analisaram que o fato de termos ultrapassado o limite de 1,5°C em 2024 poderia indicar que entramos em um período de várias décadas com aquecimento global médio de 1,5°C.
Segundo os autores, são necessários esforços muito rigorosos de mitigação climática para manter os objetivos do Acordo de Paris ao nosso alcance. Mas há evidências suficientes de que o objetivo mais importante desse Acordo, limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC, parece perdido. O importante é que, se não forem tomadas medidas mais agressivas de mitigação rapidamente, o mesmo acontecerá com o objetivo de manter as temperaturas abaixo de 2ºC.
As expectativas em relação à COP30, como em todas as cúpulas climáticas, são altas, apesar das incertezas científicas, sociais, políticas e econômicas. Os dois temas centrais para este encontro são limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais e os compromissos de financiamento climático.
A neutralidade de carbono — equilíbrio entre as emissões emitidas e retiradas da atmosfera — é tão difícil quanto urgente. Este ano é fundamental porque os 195 países signatários do Acordo de Paris devem apresentar novas contribuições nacionais (NDC, na sigla em inglês), as medidas que pretendem adotar para limitar o aquecimento do planeta. A cada cinco anos, este documento deve ser apresentado à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Até o momento, apenas 68 países apresentaram suas NDC. As NDC 3.0 — que representam a terceira rodada de contribuições de cada país — devem ser progressivas e mais ambiciosas do que as NDC atuais.
Em matéria financeira, a COP29, realizada em Baku (Azerbaijão), conseguiu um acordo desesperado e de última hora para fixar a nova meta de financiamento climático. O acordo previa que os países ricos contribuiriam com pelo menos US$ 300 bilhões anuais para os países menos favorecidos até 2035, dentro de um compromisso mais amplo de até US$ 1,3 trilhão. Este valor é muito inferior ao inicialmente proposto, e vemos que, cúpula após cúpula, a implementação desta ajuda econômica aos países mais pobres é adiada.
A esperança é a última que morre
O fato de nenhuma nação ter seguido o exemplo dos Estados Unidos de abandonar o Acordo de Paris é animador. Ainda há incertezas em relação a grandes emissores como China e Índia, e preocupa a fraqueza política da União Europeia em matéria ambiental e climática. Mas as COPs permitiram chegar a acordos mesmo nas situações mais difíceis. Além disso, são duas semanas em que as mudanças climáticas dominam as agendas de todos os países, e isso por si só já é encorajador.
É preciso negociar cada ponto sem desanimar, por mais escassas que sejam as possibilidades de acordos significativos entre os países e dentro de cada país. Há muito em jogo para encarar esta COP de outra forma.
Fernando Valladares – Professor de pesquisa no Departamento de Biogeografia e Mudanças Globais, do Museu Nacional de Ciências Naturais (MNCN-CSIC).
Este texto foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.
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Este texto foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons.



