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Greenwashing: “selos ambientais” e “zero emissão” são mentiras mais comuns, diz Idec

Julia Catão Dias, especialista do Programa de Consumo Responsável e Sustentável do Idec (Foto: Idec/Divulgação)

Julia Dias, do Idec, explica guia lançado pelo instituto para informar consumidores a combater práticas de greenwashing

POR PIETRA BASTOS

No dia 1º de abril, mundialmente conhecido como Dia da Mentira, o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) lançou um guia para combater uma das mentiras mais propagadas por empresas: o greenwashing.

Greenwashing, traduzido como “mentira verde” e “lavagem verde”, é uma prática para esconder ou manipular informações a fim de enganar consumidores com uma imagem sustentável e ambientalmente responsável. Normalmente, é encontrada em produtos e publicidades, mas pode aparecer até em relatórios de sustentabilidade.

O manual do Idec É mentira verde! Guia de enfrentamento ao greenwashing para pessoas consumidoras foi feito para informar e conscientizar a população acerca da prática. Com uma linguagem simples, ele explica o que é greenwashing, traz exemplos, cita leis e mostra como identificar e denunciar.

Conheça mais sobre o guia no bate-papo do ESG Insights com a advogada e cientista social Julia Catão Dias, especialista do Programa de Consumo Responsável e Sustentável do Idec.

“Temos o Código de Defesa do Consumidor. Mas defendemos que o Brasil avance na regulamentação e regulação dessa prática”

ESG Insights – Qual é o objetivo do manual É mentira verde! Guia de enfrentamento ao greenwashing para pessoas consumidoras?

Julia Catão Dias – O objetivo principal do guia é munir as pessoas consumidoras de informação para que possam elas mesmas identificarem essas práticas de mentira verde, o greenwashing no termo em inglês, que tem cada vez mais acontecido por aí nos supermercados, nas prateleiras das farmácias.

A ideia é que seja um material voltado para as pessoas consumidoras para que elas se instrumentalizem de informações e juntem na luta pelo combate ao greenwashing.

ESG Insights – Quais informações o consumidor tem acesso no guia?

Julia Catão Dias – Tentamos fazer um guia bem didático. A gente conceitualiza o que chamamos de greenwashing e o que chamamos de produto sustentável, porque a gente entende que a própria narrativa sobre sustentabilidade está em disputa.

Há vários produtos que são considerados sustentáveis, mas são muitas as definições possíveis para sustentabilidade. No guia, a gente parte dizendo o que seria um produto que entendemos como sustentável e responsável, que é aquele que não implica em violação de direitos socioambientais e humanos, em degradação ambiental.

Também partimos de definições que foram criadas por uma organização canadense [TerraChoice Environmental Marketing Inc.] que são os sete pecados da mentira verde para identificar o greenwashing, considerando que ele se manifesta de diferentes formas. Pode ser uma questão estrutural, mas também mais pontual ali no rótulo. Nós explicamos sobre como identificar essas práticas.

A gente também conta quais são as legislações que podem ser mobilizadas para enfrentar essa prática de greenwashing. No Brasil, nós temos o Código de Defesa do Consumidor (CDC) que é uma lei que pode ser usada para enfrentar o greenwashing. Mas defendemos que o Brasil, assim como outros países, avance na regulamentação e regulação dessa prática. Há exemplos internacionais, o que outros países estão fazendo, e que podem servir de inspiração para a regulação no contexto brasileiro.

A gente também disponibilizou um modelo de notificação para chamar as pessoas a questionarem as empresas. Se uma pessoa consumidora comprou um produto que está escrito “amigo da natureza” e ela não faz ideia do porquê. Nós preparamos essa notificação para que ela possa justamente questionar a empresa e entender se ela está ou não sendo vítima de uma mentira verde.

“Sempre que se depara com um rótulo de que aquele produto contribui de alguma forma para o meio ambiente, a pessoa já deve acender um alerta”

ESG Insights – Como o consumidor pode identificar uma mentira verde?

Julia Catão Dias – Uma coisa que é importante para as pessoas é sempre desconfiar de selos ambientais que são colocados em produtos. Acho que sempre que se depara com um rótulo fazendo qualquer afirmação, propaganda, de que aquele produto contribui de alguma forma para o meio ambiente, a pessoa já deve acender um alerta.

O segundo passo é tentar entender por que aquele produto está dizendo aquilo. Será que no rótulo essas informações estão especificadas? Ou será que no site da empresa há documentos que comprovem que é verdade?

A primeira ação de uma pessoa consumidora é se questionar sobre aquela embalagem. Está dizendo que é sustentável, mas por quê? E a partir daí, ela pode buscar mais informações para confirmar se é ou não de fato verdade.

ESG Insights – Qual é a mentira verde mais propagada por empresas?

Julia Catão Dias – O que percebemos muito são esses apelos ambientais: “amigos da natureza”, “amigo do meio ambiente”, “esse produto é verde”. Apelos que levam a pessoa a achar que aquele produto tem algum compromisso com a preservação do meio ambiente, quando na verdade não tem nenhuma prova. Uma folhinha verde que as pessoas consumidoras já associam aquilo a algo ecologicamente correto.

Quando a gente fala de greenwashing, falamos de um problema que é enorme e que se manifesta de diferentes formas. Desde o greenwashing daquela empresa que coloca um selo de carbono zero, mas não é carbono zero. No máximo compra crédito de carbono, o que não quer dizer que ela seja carbono zero. Então ela está dizendo uma mentira sobre a sua prática.

Um caso que ficou conhecido foi a investigação de uma organização internacional de que várias certificadoras [que emitem] uma certificação de que o papel é feito com madeira livre de desmatamento. Eles fizeram um levantamento que mostra que várias empresas que são certificadas por essas certificações, que são reconhecidas internacionalmente, foram condenadas por violações socioambientais por desmatamento ilegal.

“Eles [os bancos] não poderiam estar fazendo propaganda de que estão se tornando sustentáveis, se na prática estão continuando a financiar uma série de atividades devastadoras”

É um problema multidimensional. A empresa que diz que o sabonete é “amigo da natureza” porque é feito com produtos naturais, bancos que fazem propaganda das suas carteiras de crédito ESG. Sendo que as carteiras de crédito não ESG são muito maiores do que as carteiras de crédito ESG. A gente entende que eles não poderiam estar fazendo propaganda de que estão se tornando sustentáveis, se na prática estão continuando a financiar uma série de atividades devastadoras.

ESG Insights – O Brasil precisa avançar na regulação contra o greenwashing?

Julia Catão Dias – O próprio CDC traz dispositivos que proíbem o greenwashing, mas a gente precisa avançar nessa regulação. A exemplo da União Europeia. Existe uma norma, que colocamos no guia, que diz que uma empresa que compensa emissão de carbono não pode se chamar de carbono zero. Ela determina como as empresas devem ter essas informações publicizadas e se alguém solicitou acesso, precisa ter acesso.

A gente entende que no Brasil precisamos avançar nessa regulamentação. Ainda é um debate incipiente, mas o Idec está comprometido.

ESG Insights – Como os fatos exemplificados no guia mostram uma contradição das empresas frente a seus discursos de ESG?

Julia Catão Dias – Na prática nós vemos a empresa dizer que está comprometida com questões ambientais, sociais e de governança, quando na verdade ela não está.

Nós estamos diante de uma crise planetária. A ONU [Organização das Nações Unidas] já definiu que a gente vive uma crise tripla, que é a crise climática, a crise da poluição e a crise da perda de biodiversidade. É evidente que a gente precisa mudar a forma como estamos lidando com o mundo, como produzimos, como consumimos.

As pessoas consumidoras, cidadãs, estão interessadas cada vez mais em tomarem sua parte nesse problema e fazerem escolhas informadas, sustentáveis. E as empresas estão percebendo isso, só que muitas não querem abrir mão da lucratividade, da forma como produzem, da forma como os bens de consumo circulam no mercado. Então elas adotam os critérios ESG, porque não têm como não adotarem nesse momento em que as pessoas estão cobrando maior responsabilidade socioambiental. Mas nas práticas, as empresas continuam fazendo o de sempre.

Essa contradição é o greenwashing, e é isso que a gente tenta combater com esse guia.

Acesse o guia É mentira verde! Guia de enfrentamento ao greenwashing para pessoas consumidoras.

Foto: Idec/Divulgação
Julia Catão Dias, especialista do Programa de Consumo Responsável e Sustentável do Idec

 

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