Segundo Abel Reis, da ONG Parceiros Voluntários, companhias que aderem à prática contribuem para a criação de valor econômico e socioambiental
POR BÁRBARA VETOS
Apesar de ser uma prática antiga, o voluntariado é comumente impulsionado com mais força em momentos de vulnerabilidade. Os eventos extremos dos últimos anos no Brasil são exemplos de como crises e catástrofes influenciam a frequência e a adesão ao trabalho voluntário e às doações.
Foi durante a pandemia que o voluntariado teve seu auge. Em 2021, 47% dos voluntários passaram a fazer mais atividades. A emergência sanitária foi o ponto-chave de uma maior mobilização no país, fortalecendo, inclusive, a modalidade remota, com 21% das ações sendo feitas on-line, segundo a Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis).
Em maio, com as enchentes no Rio Grande do Sul, a solidariedade dos brasileiros foi colocada à prova mais uma vez. Dados oficiais mostram que mais de 20 mil voluntários auxiliaram no resgate às vítimas.
Um panorama mais recente divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que 7,3 milhões de brasileiros realizaram trabalho voluntário em 2022. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua 2022 (Pnad Contínua) também mostram que 86,4% das pessoas que realizaram trabalho voluntário o fizeram por meio de empresa, organização ou instituição.
O voluntariado empresarial responde por uma parte expressiva desse movimento. No entanto, por mais que o tema tenha crescido nos últimos anos, Abel Reis, presidente do Conselho da ONG Parceiros Voluntários, afirma que o país já viveu momentos melhores. “Temos que engajar comunidades, empresas e universidades, para que possamos, de fato, mudar a mentalidade brasileira mais profundamente.”
Em entrevista ao ESG Insights, Reis explicou a diferença entre voluntariado e boas práticas, como inserir o tema na estratégia ESG das empresas, benefícios e desafios, e tendências para os próximos anos. Veja.
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ESG Insights – Como o voluntariado se diferencia da simples realização de boas práticas?
Abel Reis – O voluntariado é uma prática frequentemente associada à filantropia ou a uma boa ação. Não existe nenhuma deturpação nessa forma de olhar o tema, mas é um ângulo que talvez dificulte olhar o voluntariado como uma ferramenta de inovação social.
“O voluntariado não pode ser conduzido de uma maneira voluntarista e casuística”
O voluntariado é sobre a vivência plena da tua função de cidadão e de membro ativo de uma determinada comunidade. Essa comunidade pode ser a escola onde você estuda, o bairro onde você mora, a empresa onde você trabalha, o planeta que você habita.
O voluntariado não é um colorido. Não é algo simples do tipo: “Gente, tem uma programação prevista para daqui a duas semanas na escola próxima a nossa empresa, onde nós vamos fazer uma faxina”. O voluntariado não pode ser conduzido de uma maneira voluntarista e casuística.
Quando olhamos para a prática por essa lente da transformação e do impacto positivo que você deseja, pode e deve gerar no mundo, passamos a entender o quão valiosa essa ferramenta pode ser para as empresas e as organizações.
ESG Insights – Qual a importância e os benefícios do voluntariado empresarial?
Abel Reis – Ao optar pela adoção de programas de voluntariado, trabalhamos simultaneamente dois universos. Primeiro, o da cultura da corporação. Uma cultura que valoriza a iniciativa e a atenção dos seus colaboradores para com o mundo em que eles vivem.
Ao mesmo tempo, você trabalha para o lado externo, não apenas promovendo mudanças, inovação, transformação nas comunidades, mas também ajudando a desenvolver uma consciência que a empresa deve ter sobre o seu papel enquanto uma entidade economicamente ativa.
“A conexão entre voluntariado e ESG é muito natural”
Isso repercute na percepção dos stakeholders, dos consumidores, reguladores e fornecedores. O voluntariado é uma ferramenta extraordinária que, se for adequadamente absorvida e trabalhada no interior da empresa, produz impactos positivos na cultura organizacional e na imagem que outras pessoas passam a ter da companhia.
A conexão entre voluntariado e ESG é muito natural. Como uma sigla que pretende dar conta da responsabilidade que a corporação deve ter sobre diversos temas, a agenda se beneficia da alavanca extraordinária que voluntariado traz.
Isso para não falar no benefício intangível na vida pessoal e subjetiva dos voluntários. Saber que você faz a diferença no mundo traz benefícios do ponto de vista da satisfação e da autopercepção que os voluntariados têm de si mesmos enquanto pessoas que vivem de forma ativa.
ESG Insights – Como tornar o voluntariado parte da cultura e estratégia ESG das empresas?
Abel Reis – Um programa de voluntariado requer planejamento. Isso significa estabelecer quais são suas metas, os recursos disponíveis, os controles e as métricas para medir o seu progresso e o que você quer atingir. Se você não tiver uma abordagem estruturada, corre-se o risco de as iniciativas acontecerem com nível de engajamento variável dentro da organização.
“É preciso planejamento e estruturação de um programa de voluntariado para que a gente possa colher os frutos. Se não, fica parecendo aquela coisa de ‘uma andorinha só não faz verão’”
As pessoas podem se conectar muito a uma determinada ação, mas a outra nem tanto. Essa oscilação prejudica o atingimento de objetivo maiores que estejam eventualmente elencados na agenda ESG.
É preciso planejamento e estruturação de um programa de voluntariado para que a gente possa colher os frutos. Se não, fica parecendo aquela coisa de “uma andorinha só não faz verão”.
Os programas de voluntariado, quando devidamente atrelados aos programas de desenvolvimento de pessoas, também tendem a serem mais bem-sucedidos e elevam as chances de você, de fato, transformar o voluntariado em uma ferramenta de ESG.
ESG Insights – Quais as principais causas em que os voluntários se engajam?
Abel Reis – Depende muito da natureza da empresa, seu ramo de atuação e suas prioridades. Se uma empresa, por exemplo, está implementando uma fábrica em uma determinada localidade e vai haver um impacto pela chegada dessa operação, o programa de voluntariado deve se voltar para mitigar ou eliminar os efeitos negativos.
Assim como se você elege como prioridade de investimentos sociais o tema da educação, não importa se você vai investir na escola do bairro, ou em um conjunto de escolas públicas, ou em um programa ligado a universidades. Se a sua prioridade está no território da educação, é esse o foco que a gente deve dar ao programa.
Não tem um sapato de número único que cabe em todos os pés. Quanto mais claro do ponto de vista da cultura corporativa são as prioridades e os valores dessa organização, mais entusiasmo e engajamento a gente vai alcançar por parte dos colaboradores.
Caso contrário, provavelmente a iniciativa vai rodar por um ou dois anos, mas eventualmente vai perdendo potência e se enfraquecendo.
ESG Insights – E quanto ao recorte geracional? Tem alguma geração que se engaje mais com o voluntariado do que as demais? O que isso nos diz enquanto sociedade?
Abel Reis – Depende de que lado do balcão você está falando. Do lado da empresa e de ações de voluntariado, eu me arrisco a dizer que, se a empresa consegue claramente trazer os colaboradores para uma vivência da cultura corporativa e se ela se preocupa em conectar as pessoas aos valores da organização, o recorte geracional não é tão importante.
Ele passa a ser relevante quando falamos da atração de talentos. Não faltam números para demonstrar que os colaboradores e os talentos do mercado se sentem atraídos por empresas que têm um claro e forte compromisso com ações ESG. As empresas passam a não simplesmente contribuir para a criação de valor econômico para o acionista, mas também contribui com o valor socioambiental para o mundo.
À medida em que você aproxima o programa de voluntariado dos programas de desenvolvimento de pessoas, você vai tornando as iniciativas da empresa mais atraentes para um público mais jovem e que claramente se apaixona e se interessa por isso.
A meu ver, isso só reforça o ponto de que voluntariado tem que ser percebido como um conjunto de iniciativas e que ele é relevante para afetar a imagem que a empresa tem para o mundo exterior. Nisso, eu incluo os talentos que você quer contratar para trabalhar na sua organização.
Indo para o outro lado do balcão, ou seja, das pessoas que são positivamente afetadas por ações de voluntariado, existem milhares de jovens que são impactados por diversas iniciativas, com ações voltadas, principalmente, à educação e ao esporte.
ESG Insights – Quais as tendências em relação ao voluntariado nos próximos anos?
Abel Reis – A grande oportunidade que a gente tem para alavancar o tema do voluntariado é a transformação digital, com ações de voluntariado que não necessariamente exigem presença física. Podemos ter novas modalidades que se beneficiam das tecnologias digitais, como as tecnologias dos jogos, de realidade virtual, dos metaversos, do EAD.
Do mesmo modo em que vemos o incrível sucesso das ferramentas de match making e de recrutamento e oferta de empregos no mercado, o voluntariado precisa encontrar a sua ferramenta de engajamento e atração de pessoas para oportunidades de contribuição e de ação voluntária.
ESG Insights – Na sua opinião, em que estágio estamos enquanto país? No que falta avançar?
Abel Reis – Já vivemos tempos melhores no voluntariado. Os anos 1990 foram anos em que esse tema estava mais em evidência para toda a sociedade brasileira. Com o passar do tempo e por diversas razões, o engajamento das pessoas acabou esfriando.
No fundo, tem a ver com uma consciência cidadã que, de alguma maneira, a gente foi enfraquecendo na nossa sociedade e isso é algo que você constrói nas bases. Ou você constrói isso através de programas nas escolas ou vai caber a organizações da sociedade civil o papel de tentar manter a chama acesa.
“Estou longe de ser pessimista, muito longe. Mas temos que reconhecer [os problemas] e não achar que está tudo bem”
Recentemente, nós vivemos dois momentos em que houve um recrudescimento do espírito do voluntariado e das ações voluntárias. O primeiro foi em 2020 e 2021. Houve um estalo: uma onda de altíssimo impacto na nossa vida, como uma pandemia, não pode nos fazer indiferentes.
Outro momento foi com as enchentes do Rio Grande do Sul, em que a palavra voluntariado tomou conta das buscas e da mídia. Em uma situação trágica e em que você vê o impacto tremendo que um evento climático como esse tem na vida das pessoas, me parece que dá novamente aquele estalo.
Eventos como a pandemia, e em especial esses últimos eventos climáticos – e que talvez não sejam de fatos os últimos, porque vamos viver outras situações difíceis como essas nas próximas décadas –, de alguma maneira lançam uma espécie de apelo às pessoas pelo espírito de responsabilidade social individual que a gente deve ter como ser humano neste planeta.
Eu tenho a expectativa de que, se juntarmos esses impulsos com o potencial que a tecnologia digital pode nos oferecer, podemos viver uma nova onda de entusiasmo e aceleração pelo voluntariado.
Estou longe de ser pessimista, muito longe. Mas temos que reconhecer [os problemas] e não achar que está tudo bem. Temos que engajar comunidades, empresas e universidades, para que possamos, de fato, mudar a mentalidade brasileira mais profundamente.
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