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Neurociência deve ser parte da estratégia ESG das empresas, diz especialista

Ivo Machado, diretor do Ibrace (Foto: Divulgação)

Para Ivo Machado, líderes devem ter noções sobre o funcionamento do cérebro e como ele impacta as relações corporativas

POR MARCELO BAUER

A pandemia de covid-19 representou um marco na forma como as questões de saúde mental são abordadas nas empresas. O estresse, o burnout e outras condições e distúrbios foram conduzidos ao centro de atenção nas companhias – pelo menos naquelas realmente preocupadas com a felicidade de suas equipes. Mais do que perceber e tratar sintomas, é preciso preparar as pessoas para que elas entendam as implicações e nuances do funcionamento do nosso cérebro e como ele rege os comportamentos e as decisões que tomamos no dia a dia. Em outras palavras, é preciso um pouco de neurociência na vida das empresas.

Ivo Machado fez carreira na área de tecnologia – onde continua a atuar como CEO da TAO Music Tech & Banking. Mas encontrou um caminho paralelo no estudo das neurociências. Como apresentador do podcast Cerebrando e diretor do Instituto Brasileiro de Altruísmo, Cérebro e Educação (Ibrace), que patrocina pesquisas científicas e realiza cursos e consultorias, Machado se dedica a popularizar conceitos relacionados ao funcionamento do nosso sistema nervoso. A ideia é lançar uma luz para questões como saúde mental, longevidade e felicidade. “Você pode malhar o seu corpo inteiro, ter uma forma física excelente. Se não existe saúde mental, em algum momento a saúde física vai sofrer um impacto muito grande”, diz ele.

Nesta entrevista exclusiva ao ESG Insights, Machado explica por que a neurociência deve ser uma aliada de empresas preocupadas com a saúde e o bem-estar de suas equipes.

ESG Insights – O que são as neurociências? E por que entender do assunto pode ser útil para quem é gestor de uma empresa?

Ivo Machado – A neurociência foi criada para estudar o sistema nervoso – ou seja, o encéfalo (grupo de estruturas que compõem, também, o cérebro) e a medula espinhal ou espinal. Quando a gente leva isso para o ambiente corporativo, é importante resumir a algo único para facilitar, então vamos falar do estudo do cérebro em si.

Isso significa entender o que acontece em nosso cérebro, a forma como ele trabalha, como se correlaciona com outras partes do corpo, e como ele responde a fatos externos. Isso é importante para entendamos de onde vêm nossas decisões e nossos comportamentos e, assim, entender como é possível tirar o melhor das pessoas. Não basta dizer, “se eu apertar muito a pessoa vai ficar estressada, mas vai entregar”. Ok, mas de onde vem o estresse? Como ele impacta o cérebro? Como impacta as decisões que essa pessoa vai tomar? E a saúde como um todo?

O comportamento tem de ser olhado de forma individual, para apenas depois criar algo para o todo – porque cada cérebro é diferente e único: possui conexões diferentes, associações diferentes, crenças diferentes, e claro, comportamentos diferentes. Olhando dessa forma, aí sim é possível criar algo efetivo em termos de planejamento dentro da empresa.

ESG Insights – Isso pode levar a duas vertentes. Uma é a pessoa com ela mesma, ou seja, como a pessoa toma suas decisões. Outra coisa é a relação interpessoal: como cada um interage com os outros. De que forma as empresas podem ajudar para que essas relações sejam melhores e menos desgastantes?

Ivo Machado – Quando você determina que alguém decida algo, dá uma responsabilidade muito grande para essa pessoa. A forma de decisão depende de um conjunto de fatores: como essa pessoa se alimenta, como ela dorme, se faz exercícios físicos, se fuma, se bebe, se tem traumas específicos. Uma pessoa que teve uma noite de sono muito ruim, por exemplo, tem grande chance de tomar uma decisão errada. O cansaço físico, mais uma certa pressão, provoca a liberação de muito cortisol (hormônio envolvido na resposta ao estresse) em nosso corpo, ou seja, muito estresse. Isso vai levar o cérebro a tomar decisões erradas, já que a região responsável por nossas decisões, nosso córtex frontal, estará inibida pelo cortisol.

O cortisol evita que nossa decisão seja a correta. Aí você pode ouvir, “ah, mas eu consigo lidar muito bem sob estresse”. Claro, algumas pessoas conseguem. Mas isso não significa que você não vai ter uma liberação muito grande de cortisol, uma disparada desnecessária do que chamamos de sistema nervoso simpático e um impacto na sua saúde mental. Quando temos muito estresse, é comum ter também muita adrenalina. Quando isso acontece todos os dias, a fim de economizar energia, nosso cérebro associa isso a algo importante a nós. Daí vêm novas conexões que não são boas e que serão executadas inclusive de forma inconsciente, ou seja, a pessoa sequer percebe que está agindo de uma forma que não deveria.

O resultado disso, de forma geral, é que você ficará em alerta até que a outra parte do sistema nervoso, o sistema parassimpático, entre em ação para que tudo volte ao normal. Para facilitar o entendimento, imagine que você está andando no zoológico com a família e, de repente, alguém fala que o leão fugiu da jaula. Nesse momento seu sistema nervoso simpático vai disparar. A pupila dilata par aumentar seu campo de visão, a frequência cardíaca aumenta para levar mais sangue aos músculos e órgãos, seus vasos se dilatam e a frequência respiratória aumenta para distribuir mais oxigênio, e assim você fica pronto para reagir. Quando você está sob um nível de estresse muito alto, algo similar acontece. A adrenalina está ali, o cortisol também. Ele preparou você para uma questão quase que de vida ou morte, ou luta e fuga, como diz a neurociência.

“Uma pessoa dominada pela pressão e com o nível de estresse no corpo médio ou alto dificilmente vai conseguir tomar decisões como deveria”

ESG Insights – Então, quando alguém fala “respira, pensa um pouco, toma decisão um pouco mais tarde”, é uma sugestão acertada?

Ivo Machado – É bem acertada, mas na hora é bem provável que a pessoa não vai gostar de ouvir isso, né? E pode acabar ficando mais nervosa. Deveria ser algo lógico, mas muitas pessoas já respondem de um jeito agressivo. É que nesse momento existe muito cortisol circulando no cérebro e isso inibe uma das regiões envolvidas no processo de decisão e de controle emocional. Você não está racional como deveria e vai precisar de um tempo para que tudo se acalme e seu sistema nervoso parassimpático tome as rédeas.

As pessoas falam assim, “ah, você tem que controlar sua emoção”. A gente não controla a emoção. As emoções são primitivas (ou seja, reflexas, inatas). Elas aparecem a gente querendo ou não e dão origem aos sentimentos. A partir da hora que você reconhece uma emoção, você consegue gerenciar melhor um sentimento, mas para isso você precisa conhecer e entender como isso acontece, além de obter treinamentos específicos que te ensinam a reconhecer e dominar.

ESG Insights – Sentimentos de raiva, por exemplo, tristeza?

Ivo Machado – Quando você fica muito triste com algo, você acha que primeiro você ficou triste e aí você chorou? Ou acha que chora e aí reconhece o sentimento de tristeza? Na prática você chora e aí reconhece a tristeza porque apareceu aquela emoção que deu origem ao sentimento. Podemos dizer o mesmo e deixar mais claro usando o exemplo de quando encostamos a mão em algo quente, como uma panela: primeiro tiramos a mão da panela quente, depois sentimos a dor.

Aprender a controlar os sentimentos, não as emoções, é muito importante. Isso permite que você reconheça gatilhos, e o que eles provocam de sensações físicas no seu corpo – você se irrita sempre que alguém comenta algo, e então vem a emoção, e logo após começa a tremer, a ter sudorese, o coração dispara. Ou seja, temos um comportamento em que aquilo se repete muitas vezes, e então o cérebro assume isso como importante para que ele possa economizar energia, e aquilo é fortalecido dia após dia, seja bom ou ruim. Com o conhecimento adequado e o treino certo, você consegue fazer com que seu cérebro tenha um melhor domínio sobre isso. Com o tempo, consegue lidar com situações que tragam sentimentos negativos de uma forma muito diferente, e aos poucos ir “podando” aquelas conexões que te levavam a situações indesejadas.

ESG Insights – Como a interação entre as pessoas potencializa o jeito de ser de cada um?

Ivo Machado – A interação é muito importante, e vital. Nosso cérebro nasce pronto para algumas coisas. Ele nasce pronto para a espiritualidade, o que é diferente de religião, e precisa disso. Nasce pronto para o amor, e precisa disso – tanto que pesquisas mostram que em crianças que não receberam amor durante a fase primordial da primeira infância [0 a 6 anos], o cérebro é menor em termos de massa. Importante dizer que isso e que traumas provocados por nossos pais ou cuidadores, por não saberem o impacto disso nos cérebros, podem perdurar por toda a vida e de forma inconsciente.

Quando a gente olha para o ambiente das empresas, ou mesmo na vida pessoal, se existe o isolamento, nosso cérebro lida com isso de uma forma muito ruim. Ele leva você para mais próximo da ansiedade, te coloca mais próximo de um quadro de depressão, e sabemos inclusive que o isolamento social é um fator de risco para quadros demenciais. A gente precisa desse contato, inclusive do contato físico. Precisa dessa troca de ideias. Isso estimula nosso cérebro.

Existe algo chamado de neuroplasticidade, que é a capacidade do nosso cérebro de se remodelar e reestruturar conexões, recrutar novas áreas para aprendermos coisas novas, outras habilidades, independentemente da idade. Quando temos interações dentro da empresa, com grupos, fica muito mais fácil da neuroplasticidade acontecer, ou seja, todos ganham.

Quando não há a interação social, nossos cérebros não recebem algo que é vital e necessário para ele. Ou seja, ele começa a mudar a forma como ele age e se comporta.

Como um exemplo bem concreto, a pandemia mudou o conceito de como as empresas trabalham. Isso tudo traz alguns desafios pensando no “social” do ESG. Se por um lado eu tenho uma economia, o que, como empresa, é muito positivo – já não é necessário ter toda uma estrutura que custa muito caro –, por outro lado deveria existir a preocupação com relação ao que acontece com as pessoas. Não fomos biologicamente preparados para trabalhar 8 horas por dia nas telas, e temos hoje inúmeros artigos que mostram os impactos disso em nossa saúde mental e física, principalmente nas crianças e adolescentes. Mas isso é algo que acontece e que fará nosso cérebro se remodelar para tal. Só que adaptações biológicas requerem um tempo extremamente longo. Precisamos olhar para isso, e oferecer um contrapeso.

Daí vem um grande desafio: como criar um programa social pensando em bem-estar dos colaboradores se você não sabe ou não tem conhecimento com relação à forma como o cérebro realmente age? Como se estrutura, como se comportará dentro de cenários diferentes? Não adianta apenas usar os artifícios de “vou pagar mais, vou oferecer mais flexibilidade com o home office ou híbrido, vou oferecer o benefício de academia ou o benefício de um plano de meditação”, por exemplo. Isso é quase como fazer algo errado e depois remediar da forma errada apenas para a região da culpa em nosso cérebro ficar menos ativada.

A grande questão aqui é oferecer e correlacionar com a importância disso, não apenas como um benefício. É oferecer algo, mas detalhar a importância de se praticar e, indo além, oferecer o que é efetivo em termos de saúde mental. Assim como dizemos aqui no instituto que o importante é o foco e não a força, para ambientes corporativos vale o mesmo conceito: o importante são as ferramentas oferecidas e quem as oferece, não apenas as ferramentas em si.

ESG Insights – Como trabalhar o estresse?

Ivo Machado – Podemos comparar o estresse a doenças como hipertensão e diabetes, já que de certa forma são invisíveis e só percebemos quando já fomos muito impactados. A curto prazo, temos problemas diversos de saúde que são muito aparentes, mas muitos não correlacionam com o estresse. A médio prazo, temos o risco de burnout e de disparar o gatilho de doenças neurodegenerativas (doenças que matam nossas células cerebrais e provocam um sem-número de sintomas). E a longo prazo, a história fica muito séria, alterando funções como memória, tomada de decisão e regulação emocional, além de contribuir para doenças como ansiedade e depressão e efetivamente nos colocar à beira doenças sérias.

De uma forma geral, podemos trazer aqui para o bom gerenciamento do estresse a prática constante de exercícios físicos, a boa alimentação, práticas de meditação, boas noites de sono, foco e gerenciamento do tempo para que aquilo que é importante em nossa vida pessoal também seja também realizado (como hobbies, por exemplo), e claro, interação humana.

Já quando falamos sobre o lidar com o estresse no ambiente de trabalho, além desses pontos, é importante que o trabalho traga significado, porque, na ausência dele nós criamos sintomas.

Vamos pegar novamente o exemplo do home office, já que ele muitas vezes expõe as pessoas a situações de estresse mais difíceis de se perceber.

Ali temos um ambiente mais cômodo, ficamos mais relaxados e em uma zona de conforto maior. Nosso cérebro ama isso, tanto que tenta nos levar para essas zonas a todo o tempo. Isso significa para ele economia de energia, e como ele requer muita energia, por uma questão de sobrevivência, tenta nos levar para a lei do mínimo esforço. Não é que gostamos de trabalhar de casa porque temos um melhor gerenciamento de tempo, menos deslocamento e por aí vai. Também é isso – mas, sobretudo, temos um cenário de menor gasto energético.

O que não vemos e não percebemos do trabalho em casa é: você fica menos criativo, seu cérebro tende a te levar para zonas de conforto ainda maiores, fica mais difícil dar significado ao trabalho, criar sensação de pertencimento e de propósito, não existem as interações necessárias, as discussões e interações físicas, e tudo isso vai acabar te levando a quadros de ansiedade, de estresse acumulado, e sem que a grande maioria das pessoas percebam.

ESG Insights – Mas quando a pessoa está no escritório, presencialmente, há fatores de estresse que têm a ver com as interações do escritório. O chefe que grita, a pessoa do lado que é chata, o outro que faz barulho ou o fulano que te ignora… De que forma eles atrapalham?

Ivo Machado – A pergunta de ouro é essa, é melhor estar no escritório ou home office? Ou no híbrido? Temos visto no mercado muitas empresas chamando o pessoal de volta, e muitas pessoas não querem. Não é uma pergunta fácil de responder, e vai depender inclusive da área em que a empresa atua e de sua estratégia. Estamos falando aqui, mais que local ou remoto, de um comportamento das empresas de conscientização e de importância do bem-estar e saúde mental versus sua estratégia e valores.

Se existe uma liderança dentro da empresa que não sabe como o cérebro funciona e simplesmente é boa naquilo que faz, existe a tendência de que essa liderança queira resultados à base de pressão ou de comportamentos que estão na cabeça dela. Para aquele cérebro já existe uma lógica, e a pessoa não entende que pode ser simples para ela, mas não para os outros. Se juntarmos o elemento estresse crônico, teremos um comportamento ainda mais individualizado, e já é possível prever boa parte dos resultados. De um lado alguém quer os resultados, do outro, temos pessoas diferentes, com cérebros e estruturas diferentes, passando por fases diferentes, lidando com o estresse de forma diferente. Podemos dizer que é isso que faz muitas empresas perderem bons talentos.

Outro ponto importante é que, muitas vezes, para empresas e pessoas, não reconhecer e saber lidar com isso faz com que apareça o burnout, o estresse crônico, e ele vem com pé na porta! O estresse vai se acumulando e quando a pessoa se dá conta, começa a explodir. E isso vai para dentro de casa, claro. A gente vê o problema só aumentando. É impacto em família, impactos em vários lugares. Você vê pessoas que têm um potencial muito grande e não conseguem entregar. Por quê? Porque foram exploradas de forma errada, não conseguiram lidar com aquilo, não reconhecem seus próprios gatilhos, não sabem o que está acontecendo e por que está acontecendo, inclusive, por mais lógico que possa parecer. Importante ressaltar que a pressão é necessária e pode ser muito positiva. A questão é de que forma isso precisa ser feito para não disparar toda essa cadeia negativa.

“Não adianta ter um líder que entregue bons resultados ao custo da saúde mental das pessoas”

ESG Insights – O primeiro foco das empresas para melhorar essa situação seria treinar os gestores, os líderes de equipe?

Ivo Machado – Sem dúvida alguma. Não adianta ter um líder que entregue bons resultados ao custo da saúde mental das pessoas. Você não consegue mudar uma empresa sem que aplique o conhecimento correto para as pessoas. Conhecimento sobre como funciona [o cérebro], ao menos no nível básico, deveria ser obrigatório e muito bem aplicado para qualquer cargo de liderança das empresas, sendo replicado para as demais pessoas, já que só sabem lidar com as emoções, quem as reconhece.

ESG Insights – Você falou de empresas que optam por oferecer benefícios como academia, psicólogos on-line, meditação etc. De que forma a questão da neurociência se encaixa nesses pacotes de benefícios?

Ivo Machado – A gente precisa pegar tudo aquilo que é feito hoje e remodelar com os conceitos adequados. A academia, por exemplo, permite que o cérebro tenha um desempenho muito melhor, refletindo inclusive em longevidade. Permite que você viva mais, que tenha mais saúde mental, menos probabilidade de doenças. Quando você começa a falar para uma pessoa que não é só o seu físico, mas é a sua saúde mental, é sua longevidade sendo impactada, você começa a mudar a forma como ela compreende isso.

Outro exemplo: muita gente fala de meditação e de neurociência, está na moda. Tomando por exemplo a meditação, estamos falando de um conceito muito amplo, mas muitas pessoas falam sobre isso, geralmente sobre a mindfulness. E o que vemos no mercado – uma crítica que vale para meditação e outras coisas – é que está cheio de profissional que faz curso de meditação e vira instrutor com três meses, com um ano, com dois anos, o que é muito pouco tempo, e sai aplicando os conceitos. Qualquer coisa que se correlacione com o cérebro, como é o caso da meditação, precisa vir acompanhada do conhecimento sobre o cérebro e como ele funciona.

É claro que a prática traz os benefícios, e muitas vezes mesmo que você tenha aprendido da forma errada, mas quando aplicada sem o devido conhecimento acaba te levando a abandonar a prática ou, pior, cria gatilhos negativos sobre aquela prática.

Você vê conceitos que são incríveis, importantes e validados, colocados de forma errada. Como é possível aplicar um treinamento que tem por foco mudar o cérebro, se você, na prática, não conhece o cérebro e o modo como ele funciona? Daí temos pessoas perdendo oportunidades incríveis de mudar realmente a vida, porque algo importante foi explicado e inserido da forma errada, de uma forma reducionista ou baseada em conhecimento individualizado, e quando falamos de cérebro aquilo que funciona para um pode não funcionar para o outro. A gente sabe que a meditação é incrível e tem o poder de aumentar a longevidade, melhorar o sistema imunológico, aumentar a criatividade, trazer mais bem-estar, ou seja, uma série de benefícios. Mas para isso ela precisa ser colocada dentro de um contexto correto. Isso independentemente do tipo de meditação. O conceito dela é o que importa e, claro, como você aprende.

O que precisamos então é reempacotar [os benefícios] de forma efetiva para que as pessoas se libertem – no sentido de que tenham conhecimento e possam aplicar a vida delas, moldando isso para elas, e não pegando fórmulas mágicas. Quando você entende o que está acontecendo dentro do seu cérebro você tem condições de perceber, parar e falar “opa, eu não quero isso para mim”, e então tem a oportunidade de mudar e evitar que isso se fortaleça lá dentro. É o conhecimento necessário embalado da forma correta para que as pessoas tirem proveito disso. É aí que vai funcionar.

ESG Insights – Seriam, então, as estratégias que já existem, como meditação, exercícios etc., só que trabalhadas do ponto de vista da neurociência?

Ivo Machado – Exatamente. Vamos dizer que elas precisam vir com um novo conceito, com uma nova visão e com complementos que permitam criar essa embalagem nova. Os conceitos repriorizados, redesenhados, com alguns complementos importantes com relação a como funciona o cérebro, ou seja com apoio da neurociência. Aí sim a gente vai ter conceitos reais que vão funcionar muito bem – e para todas as pessoas.

ESG Insights – De que maneira se oferece isso hoje para as empresas? E como o próprio Ibrace já pensa em oferecer isso para as empresas?

Ivo Machado – Nosso foco no Ibrace são serviços e pesquisas voltadas ao altruísmo, compaixão, saúde mental, doenças neurodegenerativas, felicidade e longevidade. Mas também percebemos que esses conceitos aqui discutidos precisam de um novo desenho e de mais efetividade. Para isso, como somos um instituto sem fins lucrativos, criamos uma área educacional focada no público em geral, empresas e profissionais da área da saúde e educação. São pesquisadores, neurocientistas, neurologistas, psicólogos, biólogos, biomédicos e toda uma classe de profissionais focados em resultados efetivos, e não mais do mesmo, sem mágica e sem milagres.

Como exemplo, nossos cursos são criados pelas áreas de educação e neurociência que são dirigidas pelo professor Leandro Oliveira, um dos mais incríveis neurocientistas que temos aqui no Brasil, juntamente com a área de neurologia aplicada à saúde mental, dirigida pelo professor Diogo Pasquali, neurologista com uma extensa experiência na área. Ambos são autores de livros e de centenas de artigos científicos publicados em dezenas de revistas de renome internacional inclusive.

No ambiente corporativo, o que fazemos é pegar a maneira complexa de como o cérebro funciona e colocar isso de uma forma mais simples, mais humanizada e muito mais efetiva, correlacionando a estratégia e cultura da empresa.

Nosso grande objetivo, de forma geral, é fazer as pessoas entenderem que produtividade e melhores resultados caminham juntamente com uma saúde mental fortalecida. Somado a tudo isso, conseguimos ainda deixar um legado que impactará a sociedade com famílias mais estruturadas, pessoas mais empáticas e que educarão as novas gerações com estilos de vida e virtudes que são inegociáveis do ponto de vista de como o nosso cérebro funciona.

“Existe uma febre de empresas e profissionais que exploram o tema neurociência como marketing”

ESG Insights – E como o mercado em geral tem se apropriado do conceito da neurociência?

Ivo Machado – Existe uma febre de empresas e profissionais que exploram o tema neurociência como marketing e unicamente para ganhar dinheiro, essa é uma triste verdade. Pessoas se dizendo neurocientistas e que não são, produtos prometendo milagres que não entregarão, exceto pelo efeito placebo, e por aí vai. Neurocientistas são cientistas que pesquisam, descobrem, escrevem e publicam artigos científicos, fazendo e levando a ciência a sério e em prol de todos, não por oportunismo.

Basta uma simples busca no Google ou nas redes sociais para você se deparar com produtos e cursos milagrosos, sites e perfis no Instagram usando nomes de institutos, sem que sejam de fato um instituto, registrado e controlado como manda a lei, fórmulas mágicas para reprogramar seu cérebro, para curar, métodos individualizados que são vendidos como sendo a cura para todos os males.

Tudo isso é se apropriar de como o cérebro funciona e explorar traumas, medos e anseios de outras pessoas. A fórmula mágica é, se aproprie de um termo que todos se interessam, use palavras difíceis, tenha carisma, diga que resultados difíceis foram atingidos rapidamente ou facilmente, diga que funcionou para você e para milhares de pessoas (mesmo que não seja verdade), e coloque um preço.

Em resumo, como o Brasil é um dos países mais ansiosos e estressados do mundo, temos toda uma cadeia de exploração abusando das pessoas que estão buscando uma saída e respostas para sua vida financeira, para problemas de saúde, para o trabalho, para a família – e, inclusive, para a felicidade.

Foto: Divulgação
Ivo Machado, diretor do Ibrace

 

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