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Mata Atlântica pode ser referência em agro sustentável, diz estudo

Diretor da SOS Mata Atlântica explica as razões da maior eficiência no bioma

POR PIETRA BASTOS

Mata Atlântica. Considerada o bioma mais rico em biodiversidade do planeta, ocupa 15% da área do Brasil e é responsável por metade da produção nacional de alimentos de consumo direto emitindo apenas 26% do total de gases de efeito estufa (GEE). Além disso, tem o potencial de se tornar exemplo para outros países em produção agropecuária sustentável.

Isso é o que revela o estudo Produção de Alimentos na Mata Atlântica, realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica e apresentado na 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, conhecida como COP27, em Sharm El Sheikh, no Egito.

O objetivo do estudo é avaliar a situação fundiária e a produção agropecuária da Mata Atlântica e apontar oportunidades para promover sistemas de produção sustentável e com zero emissões de carbono. O estudo também mostra que, apesar de uma pequena área do bioma ser destinada à agropecuária, ele é responsável por aproximadamente metade da produção de alimentos de consumo direto no Brasil e possui menor emissão de gases que o Cerrado.

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O levantamento contou com o apoio da Cátedra de Josué de Castro, espaço de pesquisas da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), a partir de dados dos Censos Agropecuários do IBGE, MapBiomas Brasil e o Atlas da Agropecuária Brasileira.

O diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica e um dos autores do estudo, Luís Fernando Guedes Pinto, conversou com o ESG Insights sobre os pontos-chave da pesquisa e o futuro da Mata Atlântica em produção sustentável.

Divulgação/SOS Mata Atlântica

Sobre o que é o estudo Produção de Alimentos na Mata Atlântica e quais são os seus principais achados?

Luís Fernando Guedes Pinto – O estudo é uma avaliação da produção agropecuária no bioma Mata Atlântica, da produção de alimentos, usando como principal base o Censo Agropecuário de 2017. Mas também usando outras bases sobre a situação fundiária dos imóveis rurais – mapa, biomas e o SEEG, que é o Sistema de Emissões de Gases de Efeito Estufa – para tentar entender o papel, a importância e algumas características da produção de alimentos na Mata Atlântica.

O principal achado é que, assim como na maior parte da nossa história, é no bioma da Mata Atlântica que ocorre mais da metade da produção dos alimentos consumidos no Brasil e da produção agropecuária nacional como um todo. Na Mata Atlântica a gente ainda tem uma produção importante de commodities como cana-de-açúcar, soja, produção de pecuária, café, que são muito exportados, mas também uma grande parte dos alimentos consumidos no Brasil. Além disso, mais da metade dessa produção agropecuária do Brasil, e uma grande parte dos alimentos consumidos no país, são cultivados em apenas um quarto da área agropecuária brasileira, em 26 a 27% das terras agrícolas, e com somente também um quarto das emissões de gases de efeito estufa da agropecuária no Brasil como um todo.

A Mata Atlântica abriga 40% dos estabelecimentos rurais do Brasil. Que tipos de estabelecimentos são esses? Em quais regiões do bioma eles estão mais concentrados?

Luís Fernando Guedes Pinto – Os estabelecimentos rurais, que são tratados no Censo Agropecuário do IBGE, na Mata Atlântica são tanto estabelecimentos pequenos, grandes e médios. A gente tem uma predominância de pequenos imóveis, aqueles com menos de quatro módulos fiscais e onde está presente a agricultura familiar. Em número, eles são mais da metade. Mas em área, eles ocupam uma área relativamente pequena, porque nós ainda temos uma grande desigualdade de distribuição de terras. E os imóveis maiores, mesmo que em menor número, ocupam uma área maior.

Mas em relação à média do Brasil a gente tem uma participação maior de estabelecimentos pequenos. Em relação ao resto do país, a proporção de imóveis pequenos tanto em área quanto em número é maior do que a média, o que mostra que há uma importância maior dos imóveis pequenos da Mata Atlântica.

Existem alguns estados nos quais isso é particularmente marcante, como Espírito Santo e Santa Catarina, onde a gente tem uma concentração de imóveis pequenos por uma história fundiária, por haver uma forte agricultura familiar nessas regiões e também uma presença de assentamentos rurais.

O que explica a Mata Atlântica possuir uma área pequena de uso agropecuário e ser responsável pela metade da produção de alimentos de consumo direto no país?

Luís Fernando Guedes Pinto – Nesse estudo nós identificamos os fatos, mas ainda não conseguiu entender a causa e o efeito. O que identificamos é que temos mais da metade da produção agropecuária em menos terra, o que sugere que existe uma maior eficiência, uma maior produtividade, uma maior eficiência, mas também tem duas causas importantes. Na Mata Atlântica que a gente tem uma participação muito grande de culturas agrícolas vegetais, como legumes, frutas, cereais, grãos e cana-de-açúcar em relação à produção animal. A produção vegetal, que é em maior proporção, emite muito menos gases de efeito estufa, porque a principal fonte de emissões são os fertilizantes nitrogenados, enquanto a produção animal tem uma pegada de emissões maior.

Além disso, dentro da produção animal, existe uma participação grande da produção de aves e de suínos, que também tem uma emissão de gases de efeito estufa menor do que da pecuária. Principalmente a pecuária de corte, porque as vacas e os bois no processo de fermentação entérica emitem uma grande quantidade de gás de efeito estufa.

Então por causa disso, a maior proporção da produção vegetal do que animal, e dentro do animal uma maior proporção de aves e suínos que emitem menos. Tudo isso indica também que há uma maior produtividade e eficiência. Mas não chegamos a testar essa hipótese no estudo; precisa ser investigada mais para frente.

Como a Mata Atlântica exerce grande participação da produção de commodities para exportação e emite 26% do total de gases do efeito estufa? O que a diferencia do Cerrado?

Luís Fernando Guedes Pinto – Nós comparamos os dados da Mata Atlântica com o resto do Brasil, não fizemos uma comparação com o Cerrado. Então não conseguimos afirmar que ela é mais eficiente, mas os nossos resultados sugerem que a agricultura da Mata Atlântica é mais eficiente, mais diversificada, com mais culturas agrícolas, com maior importância de estabelecimentos rurais pequenos e tem um maior uso de agrotóxicos. Então ela tem algumas marcas particulares que indicam alguns diferenciais em relação ao Cerrado. Mas isso também precisa ser estudado com maior profundidade.

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É possível manter a posição de hotspot da Mata Atlântica e incentivar a agropecuária?

Luís Fernando Guedes Pinto – A Mata Atlântica é um dos principais hotspots de biodiversidade do mundo. O hotspot de biodiversidade significa uma região com altíssima biodiversidade, e por causa disso é altamente ameaçada tendo um grande número de espécies endêmicas que só ocorrem naquela região e que estão ameaçadas de extinção. Essa é uma das marcas da Mata Atlântica.

É possível manter essa biodiversidade e aumentar a produção agropecuária. Essas duas coisas são totalmente possíveis, não há nenhuma incompatibilidade entre elas. Podemos inclusive ter uma agricultura que contribua para a conservação da biodiversidade, desde que sejam adotadas práticas mais ecológicas, produtos biológicos e acaba oferecendo mais habitat para a fauna e a flora. Os campos de produção agrícola podem também ajudar a conectar os remanescentes de florestas se eles tiverem práticas ecológicas que permitam o trânsito de animais e entre as áreas florestais.

A Mata Atlântica tem potencial para se tornar referência mundial de agropecuária sustentável?

Luís Fernando Guedes Pinto – O estudo aponta que a Mata Atlântica pode ser uma referência para o mundo de uma nova agricultura. Ela já tem particularidades e diferenciais, já mostra que tem uma maior eficiência, que pode ser um lugar do mundo que tem uma agricultura inclusiva, regenerativa e de baixa emissão de gases de efeito estufa. A gente pode ter uma restauração de ecossistemas em larga escala que não compete com a produção agropecuária, combinando a restauração com uma agricultura biológica, ecológica e de baixo carbono.

Com participação social, isso pode ser uma referência de produção de alimentos para o Brasil e para o mundo.

Leia o estudo Produção de Alimentos na Mata Atlântica.

Foto: “Caminho do Ouro perdido no meio da mata atlântica em Parati-RJ” by Glauco Umbelino is licensed under CC BY 2.0.

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