Campanha “lacradora” da empresa se contrapõe à singeleza empática da skatista. O mundo está mesmo dividido
POR MARCELO BAUER
Foi na quinta-feira, 18. A Nike publicou no YouTube sua nova campanha, especialmente para Paris 2024.
Foi no sábado, 20. Circulou no X um vídeo de Rayssa Leal com um singelo pedido para seus fãs.
Então parece que a divisão do mundo em dois polos aparentemente irreconciliáveis se instalou também nos jogos olímpicos. Nada mais 2024 do que isso.
Na sua publicidade-manifesto, a Nike defende que, para alguém vencer, outro tem de perder. Ser ultrajado, desrespeitado, roubado (“quero pegar o que é seu e nunca mais devolver”). A cor da medalha é a medida do sucesso (e do fracasso).
Rayssa, não. Acha que o legal é que ela ganhe e que todas as demais ganhem também. A cor da medalha é só parte do processo (porque assim é “bem mais divertido”). O post soou como um inusitado manifesto não só de sororidade com as amigas de pista, mas também de humanidade.
Se é verdade que as competições esportivas são incentivo à busca da excelência e da superação – e que medalha de ouro só tem uma – também é verdade que o espírito olímpico deveria inspirar mais do que irracionalidade e falta de escrúpulos.
Da Nike se deduz os motivos. A empresa tem tido dificuldades de se garantir nas quatro linhas dos campos e, com os números adversos, parece ter decidido apelar para o VAR da falta de empatia e da polêmica fácil. Quer lacrar.
Parafraseando, “isso faz da Nike uma má empresa?” É contraditório com pressupostos de ESG e sustentabilidade que expõe em outros materiais de comunicação institucional, nos quais a empresa é descrita como um espaço em que “nossos colegas de equipe se sentem vistos, ouvidos e incluídos”?
- O que Winnicott, Espinoza e Foucault ensinam sobre liderança
- Ética e propósito: revendo a relação humana
De Rayssa também se sabe os motivos. Ela quer ganhar, mas quer, acima de tudo, curtir. “O negócio aqui é diferente, é diferenciado dos iguais.”
Mas no pódio de melhor contribuição para o espírito esportivo só cabe um (segundo a Nike). Quem leva?
O manifesto da Nike
“Sou uma pessoa má? Me diz. Eu sou?
Sou persistente. Sou ultrajante. Sou obsessivo. Sou egoísta. Isso faz de mim uma má pessoa? Sou uma pessoa má? Sou?
Não tenho empatia. Não te respeito. Nunca estou satisfeito. Tenho obsessão pelo poder. Sou irracional. Não tenho remorsos. Não sei o que é ter compaixão. Sou extravagante.
Você acha que sou uma pessoa má? Me diz. Sou?
Acho que sou melhor do que todo mundo. Quero ficar com o que é seu e nunca mais devolver. O que é meu é meu e o que é seu é meu. Isso faz de mim uma má pessoa?”
O manifesto da Rayssa
“Eu lembro que teve muita gente na olimpíada passada que falou para mim, chegou assim: ‘ai, eu fiquei torcendo para a meninazinha cair’. (…) O negócio aqui é diferente, é diferenciado dos iguais. Torçam para a gente acertar, porque vai ser bem mais divertido. Espírito skatista é assim, é para a gente acertar. Uma torcendo pela outra. Não tem nada de rivalidade dentro de pista. Se vocês acham que tem rivalidade, estão criando coisas na cabeça de vocês. Nunca existiu e se acontecer vai ser lá para 2070, porque na minha geração isso aí não vai ter não, pode ter certeza.”
- ESG Insights no seu e-mail – Grátis: nossa newsletter traz um resumo da edição mais recente da revista ESG Insights, além de notícias, artigos e outras informações sobre sustentabilidade.
ÚLTIMAS NOTÍCIAS
- Empresas brasileiras investem pouco e sem transparência em ações de segurança alimentarPesquisa analisou ações de filantropia das 150 maiores empresas do país; apenas 98 realizaram ao menos uma ação relacionada ao combate à fome
- Empresas brasileiras prosperam com conceito de economia circularProduzir a partir de uma lógica regenerativa é o conceito por trás da economia circular
- O futuro do hidrogênio verde no BrasilA rede elétrica nacional oferece uma vantagem estratégica ainda não plenamente reconhecida nas diretrizes atuais
- COP30: oportunidade brasileira de exigir justiça climáticaMitigar e adaptar as populações vulneráveis às mudanças climáticas nada mais é do que justiça climática
- Geração de energia no Brasil vive encruzilhadaA eficiência na geração elétrica não é mais uma escolha técnica, mas uma prioridade diante da crise climática global
- Os sinais de greenwashing nos preparativos para sediar a COP30Com recursos para investir, Belém optou por obras que deixam de lado mudanças que poderiam diminuir a desigualdade social
- Afundando nas sobrasNo dumpster diving, descarte de roupas feito pelas lojas tem outro destino: o guarda-roupa
- Germes de segunda mãoRoupas de brechó podem estar cheias de germes; veja o que é preciso saber
- Reinventando o futuroAlternativas ao fast fashion visam garantir sustentabilidade e dignidade nas relações humanas
- Um lookinho por segundoTikTok impulsiona tendências no fast fashion e favorece o consumo exacerbado