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Por que os bancos centrais deveriam lutar contra a crise climática

Análise do papel das instituições financeiras pela perspectiva da justiça climática (Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Pesquisa aponta que bancos têm adotado ações que atrapalham combate às mudanças climáticas

POR JENNIE C. STEPHENS E MARTIN SOKOL

O financiamento climático foi um dos principais focos da última Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), mas um conjunto de instituições que podem ter um papel transformador continua em grande parte ausente nas conversas: os bancos centrais.

Os bancos centrais são instituições públicas encarregadas de manter a estabilidade econômica por meio do controle da oferta de moeda numa economia. Esses bancos têm um enorme poder para incentivar um futuro mais justo, equitativo e estável do ponto de vista climático.

No entanto, a nossa recente pesquisa aponta que as políticas dos bancos têm contido – em vez de acelerar – uma ação climática transformadora. O problema é que eles se concentram na estabilidade financeira a curto prazo, o que significa sustentar um status quo que promove maior instabilidade climática. Ou seja, estão deixando as coisas mais instáveis a longo prazo.

A pesquisa sugere que a estabilidade a longo prazo não pode ser alcançada sem primeiro desestabilizar e transformar o sistema financeiro existente. Uma forma de fazer isso seria os bancos centrais utilizarem as ferramentas já disponíveis para desencadear uma quebra intencional de curto prazo, a fim de redirecionar os fluxos financeiros e criar maior estabilidade a longo prazo – chamamos a isto “disrupção criativa”.

Estabilidade de curto prazo x justiça climática

Os bancos centrais geralmente tentam manter a economia estável controlando a inflação por meio das taxas de juros. Como os impactos climáticos causam cada vez mais instabilidade todos os anos, muitos bancos estão começando a levar a questão climática mais a sério. Mas quando a estabilidade de preços é ameaçada pelo aumento da inflação ou a estabilidade financeira global é questionada por uma crise financeira iminente, os bancos centrais se esquecem rapidamente do clima.

Por exemplo, os recentes aumentos agressivos nas taxas de juros atingiram desproporcionalmente o setor de energias renováveis e tornaram mais difícil para as pessoas e os governos angariar dinheiro para outras medidas que ajudariam a reduzir as emissões ou se adaptar às alterações climáticas. Numa perspectiva de longo prazo e de justiça climática, isto é contraproducente.

Para manter a estabilidade econômica a curto prazo quando a pandemia de covid-19 chegou, os bancos centrais de todo o mundo emprestaram rapidamente dinheiro aos bancos comerciais de várias formas – mesmo a taxas de juros negativas. Mas não foram impostas quaisquer condições e, por isso, os bancos emprestaram esse dinheiro à indústria dos combustíveis fósseis, a interesses empresariais ricos, entre outros.

Durante a pandemia, muitos bancos centrais também aumentaram a oferta monetária, num processo denominado flexibilização quantitativa, para estimular a economia. Parte desse dinheiro acabou nos bolsos das indústrias intensivas em carbono. Esses esforços para estabilizar os mercados financeiros reforçaram e exacerbaram enormes desigualdades na riqueza e no poder, e foram uma oportunidade perdida para aumentar o apoio a uma economia verde.

Mudança social e equidade econômica

É por isso que na pesquisa analisamos os bancos centrais do ponto de vista da justiça climática.

A justiça climática é uma abordagem de ação climática que vai além de um enfoque restrito na descarbonização e nas emissões, e se concentra na mudança social e na equidade econômica como forma de tornar as pessoas menos vulneráveis às alterações climáticas. Isso significa reestruturar o sistema financeiro para trabalhar em benefício de todos e não apenas dos 1% mais ricos.

Assim, em vez de estabilizarem os mercados apoiando os interesses empresariais e o setor financeiro no curto prazo, sugerimos que os bancos centrais comecem a dar prioridade à estabilidade a longo prazo. Uma “disrupção criativa” intencional de curto prazo reverteria os fluxos financeiros estabelecidos e começaria a canalizar investimentos para os mais vulneráveis.

Por exemplo, os bancos centrais poderiam usar seu poder para criar dinheiro para ajudar os governos locais a financiar projetos ambiciosos de infraestruturas climáticas ou apoiar diretamente programas de investimento público orientados à comunidade.

Em vez de se concentrarem estritamente na inflação para determinar as taxas de juros de toda a economia, os bancos centrais poderiam criar taxas de juros diferentes para cada tipo de investimento – estabelecendo taxas de juros elevadas para atividades intensivas em carbono e taxas de juros baixas ou nulas para as energias renováveis. O Banco do Japão é um dos poucos bancos centrais que já começou a experimentar tais esquemas.

Os bancos centrais também podem criar taxas de juro zero ou negativas para investimentos na justiça climática. Imagine que famílias pudessem isolar as casas, instalar bombas de calor e painéis solares – e serem pagas por isso. As comunidades mais vulneráveis devem ser servidas primeiro e não por último. Se os bancos centrais puderam utilizar taxas de juros negativas para salvar os bancos durante a crise da covid, certamente poderão utilizar essas ferramentas para salvar as pessoas e o planeta da crise climática. Inovações como essa poderão transformar o panorama financeiro e remodelar as injustiças financeiras que dominam hoje. E há muito mais que os bancos centrais podem fazer.

Eles têm poder e ferramentas para desencadear uma rápida transformação rumo a um futuro mais justo e livre de combustíveis fósseis em escala global. Em vez de usarem seu poder para acelerar o caos climático, poderiam catalisar uma mudança em direção a um sistema financeiro mais equitativo. No futuro, o papel transformador dos bancos centrais terá de estar no topo da agenda da política climática.

Jennie C. Stephens – Professora reitora de Ciência Sustentável e Política da Northeastern University, EUA.

Martin Sokol – Professor associado de Geografia Econômica do Trinity College Dublin, Irlanda.

Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em inglês.

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Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Análise do papel das instituições financeiras pela perspectiva da justiça climática

 

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