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5 anos de Brumadinho: o que tem sido feito para reparação dos danos

População ainda luta por reparação socioeconômica e ambiental da região; FGV quer prolongar compensação

POR BÁRBARA VETOS

O dia 25 de janeiro de 2024 marca os cinco anos da tragédia de Brumadinho (MG). Uma data impossível de esquecer e que, consigo, traz o lamento da realidade que poderia ter sido diferente e dúvidas sobre o que tem sido feito efetivamente para a reparação socioeconômica e ambiental da região. Ao todo, 272 pessoas foram mortas e três pessoas continuam desaparecidas.

A Defesa Civil de Minas Gerais estima que mais de 24 mil pessoas foram afetadas direta e indiretamente pela tragédia. O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale, foi responsável pela contaminação de mais de 300 km do Rio Paraopeba, um dos principais afluentes do Rio São Francisco, que recebeu 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mina.

Além de Brumadinho, outros 26 municípios foram impactados, incluindo populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas, que viviam em regiões banhadas pelo rio.

Após cinco anos, a população continua lutando para que os responsáveis pelo rompimento da barragem sejam punidos criminalmente e para que os projetos de reparação e os recursos destinados às indenizações sejam executados de forma justa.

23 mil pessoas impactadas fecharam acordos de indenização com a Vale

No mês seguinte à tragédia, a Justiça determinou que a Vale iniciasse o pagamento de um auxílio emergencial mensal aos atingidos. O valor fixado era de um salário mínimo por adulto, a metade dessa quantia por adolescente e um quarto para cada criança. O benefício era concedido a todos os moradores de Brumadinho e às pessoas que residem até um quilômetro de distância da calha do Rio Paraopeba.

Ainda no fim de 2019, o valor foi reduzido pela metade para quem não residisse em comunidades diretamente afetadas pelo rejeito. A mudança aumentou a insatisfação da população, que não concordava com os critérios estabelecidos pela Vale.

Em fevereiro de 2021, foi firmado um acordo de reparação no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). O documento previa o pagamento de R$ 37 bilhões pela mineradora Vale como forma de reparar os danos coletivos provocados pelo rompimento da barragem.

Foram criados sete grupos de despesas: transferência de renda e demandas das comunidades atingidas; investimentos socioeconômicos na Bacia do Paraopeba; segurança hídrica; reparação socioambiental; mobilidade urbana; melhoria dos serviços públicos; e medidas de reparação emergencial.

O termo previa o custeio de diversas medidas de caráter reparatório e compensatório dos danos causados. Já as indenizações individuais e trabalhistas deveriam seguir em paralelo nas negociações judiciais e extrajudiciais. Além da mineradora, assinaram o acordo o governo de Minas Gerais, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública do estado.

Programa de Transferência de Renda tem sido alternativa para população

Como forma de auxiliar na reconstrução a longo prazo da vida da população impactada pela tragédia e como resultado do acordo firmado em 2021, surge o Programa de Transferência de Renda (PTR), sob gestão da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O apoio financeiro substituiu o auxílio emergencial e, hoje, atende 132.094 pessoas nas cinco regiões da Bacia do Paraopeba.

De acordo com balanço divulgado pela instituição no dia 15 de janeiro, o PTR já transferiu R$ 2,18 bilhões aos beneficiários desde novembro de 2021. Os critérios que definem quem tem direito a receber a renda são: ser familiar de vítima fatal, residir na área delimitada como atingida à época do rompimento, ser morador da Zona Quente (região mais afetada pela lama) ou pertencer a algum povo ou comunidade tradicional que vive na área atingida. Considera-se residente aquele que, em 25 de janeiro de 2019, residia em Brumadinho, na área de até 1 km da margem do Rio Paraopeba e do Lago de Três Marias ou dentro das poligonais aprovadas pelas Instituições de Justiça.

Os valores correspondem a meio salário mínimo por adulto; um quarto de salário mínimo por adolescente; e um oitavo de salário mínimo por criança. Já os familiares das 272 vítimas e os residentes da Zona Quente recebem um salário mínimo por adulto; meio salário mínimo por adolescente e um quarto de salário mínimo por criança.

André Andrade, gerente executivo da FGV, ressalta a importância de uma renda suplementar para que a população possa se reerguer. “Se você não tem essa renda que permita que essas pessoas recomponham suas casas e suas vidas, fazendo a economia da cidade girar, você não tem a reorganização dessa sociedade a longo prazo.” Para ele, é importante que, após uma tragédia, haja a doação livre e aberta em um primeiro momento, uma renda transitória que garanta o sustento das vítimas, e, posteriormente, uma renda suplementar, que ofereça perspectiva de futuro.

FGV pretende prolongar benefício e criar projetos paralelos de reconstrução da cidade

A princípio, o término do PTR está previsto para 2026. No entanto, o executivo diz que o objetivo é prolongar o benefício, justamente para não haver uma perda abrupta, como ocorreu na época do desastre e após a diminuição do auxílio emergencial. 

Para isso, a fundação pretende dar início a um programa de educação financeira para a população local. Andrade diz que medida não é suficiente, mas pode ajudá-los a se preparar para um futuro em que talvez o PTR não exista mais. “A gente vai criar escola de educação financeira nas cinco regiões, para que as pessoas possam tirar dúvidas e aprender sobre como lidar com o dinheiro e poupá-lo.”

Outra iniciativa que deve entrar em prática em breve é o programa de educação empreendedora. Segundo o executivo da FGV, a ideia é ensinar a população a transformar esse dinheiro em renda nova, para a economia local girar, e evitar a dependência exclusiva do apoio financeiro.

“Se Brumadinho não se reinventar como cidade e não achar um motor econômico próprio, ela tende, a longo prazo, a se tornar uma cidade-fantasma de mineração como tantas outras”, diz Andrade.

As cidades-fantasmas que a mineração deixa para trás

Cidade-fantasma é o apelido que cidades que foram exploradas comercialmente de diversas formas ganham quando são abandonadas após esgotamento da atividade econômica. Regiões de mineração são exemplos comuns disso por serem recursos não renováveis, o que, consequentemente, podem marcar a ascensão e o fim daquele lugar.

Os bairros evacuados de Maceió, devido ao risco de desabamento das casas e afundamento da região de extração de sal-gema pela Braskem, também fazem parte desse fenômeno.

Com o exemplo de Brumadinho, Andrade enfatiza que é preciso fazer um planejamento dessas cidades a longo prazo. “Temos que pensar nisso 50, 100 anos antes desse minério acabar. Porque o dia que acabar, a tendência é de que as cidades de atividade econômica única tenham o esgotamento da economia local.”

Ele lembra que esse planejamento também diz respeito ao meio ambiente. Para o executivo, “é um dever das empresas e dos gestores públicos a recomposição florestal dessas áreas pós mineração, para que você não tenha depois consequências ambientais mais graves”.

“Brumadinho é uma cidade triste por dentro”

Entre tantos problemas, riscos e alternativas, Brumadinho segue marcada por ser um dos maiores crimes e desastres ambientais do Brasil, somente atrás de Mariana (MG), em 2015, também relacionado a rompimento de barragem.

Além de gerente executivo da FGV, André Andrade também é morador de Brumadinho há dois anos e lembra o sentimento e o semblante que acompanha a população. “É preciso lembrar que 272 pessoas morreram em Brumadinho. As mães dessas pessoas estão nas ruas, os filhos dessas pessoas estão nas escolas. Todo mundo aqui conhece ou perdeu alguém.”

Ele afirma que, ainda que as pessoas tenham que seguir com suas rotinas, porque a vida não pode parar, a cidade jamais vai ser o que era antes, porque essa tristeza não se apaga. “Brumadinho é uma cidade triste por dentro.”

O que é a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens

No dia 15 de janeiro de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou lei que institui direitos para vítimas do rompimento de barragens. A Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) considera atingidos aqueles que sofrem perda de propriedade ou de posse de imóvel, desvalorização de seu imóvel, alteração no seu modo de vida, ou ainda perdas de capacidade produtiva, de acesso à água de qualidade ou de fonte de renda.

As novas regras, no entanto, não incidem sobre o processo reparatório dos danos causados pelos rompimentos das barragens ocorridas em Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019. Mesmo assim, a elaboração do PNAB levou em conta experiências no processo reparatório das tragédias ocorridas em ambas as cidades.

De acordo com a determinação, os empreendedores são obrigados a desenvolver iniciativas voltadas para a retomada econômica e produtiva das populações impactadas. Há também regras para o processo de reassentamento de desabrigados que tenham perdido suas casas ou de moradores que tenham sido removidos de forma preventiva devido ao risco de alguma tragédia.

Outra medida prevista é a criação de um órgão para acompanhar os trabalhos de reparação. Ele deve ser composto por representantes do poder público, dos empreendedores e dos atingidos. O Ministério Público e a Defensoria Pública terão voz como convidados permanentes nas reuniões desse órgão.

  • Saiba mais sobre o decreto.
  • Conheça a cartilha do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) sobre a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB).

Com informações da Agência Brasil.

Foto: Felipe Werneck/Ibama

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