Dia Nacional da Visibilidade Trans chama atenção para preconceito e falta de oportunidades profissionais
POR BÁRBARA VETOS
A população brasileira é composta por cerca de 3 milhões de pessoas transgênero ou não-binárias, segundo a Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (FMB/Unesp). Mesmo assim, é difícil encontrá-las nas instituições de ensino do país ou ocupando altos cargos nas empresas.
Com uma expectativa de vida de 35 anos, poucos chegam a despontar e construir carreiras de sucesso. Não há tempo suficiente. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo pelo 14° consecutivo. Somente em 2022, foram 131 mortos.
Os dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) apontam para um contexto de violência, preconceito, e poucas medidas efetivas para que essa realidade seja alterada.
Discriminação afasta pessoas trans do mercado de trabalho
O processo de exclusão da população trans dos espaços sociais e demais instituições começa na escola. De acordo com dados da Antra, 82% das pessoas trans e travestis abandonaram os estudos ainda na educação básica. O preconceito sofrido combinado com a falta de preparo dos profissionais em acolher esses alunos faz com que eles parem de estudar muito jovens e, consequentemente, tenham dificuldade em ingressar no ensino superior e no mercado de trabalho.
Para aqueles que conseguem participar de processos de seleção, o caminho não fica mais fácil. Segundo estudo da Agência AlmapBBDO e do Instituto On The Go, 80% das pessoas trans já se sentiram discriminadas em alguma etapa de seleção para um emprego formal.
Mesmo quando velada, a sombra do preconceito acompanha uma pessoa trans a vida toda, podendo impedi-la de realizar sonhos e desejos, e direcionando-a para um futuro, muitas vezes, indesejado.
90% da população de travestis e transexuais recorrem à prostituição como fonte de renda
Segundo informações da Antra, 90% das pessoas trans tiveram que recorrer à prostituição em algum momento para sobreviver. Com a exclusão sofrida em diversos espaços sociais, muitas vezes o trabalho nas ruas acaba sendo a única fonte de renda para essa população.
Uma realidade que vem se transformando com as novas preocupações do mercado. Isabella de Ávila é uma mulher trans que atua como analista de diversidade, equidade e inclusão sênior na Intrials Clinical Research e vê seu ingresso no mercado formal como fruto dessa mudança nas empresas, que passaram a enxergar pessoas trans como um potencial profissional.
“Atualmente, há uma pressão para que medidas [de inclusão e diversidade] sejam tomadas, mesmo que de maneira tímida ou mesmo cosmética”, afirma Keyllen Nieto, cofundadora e consultora da Integra Diversidade. No entanto, Ávila reforça que essa é uma mentalidade muito recente.
“E o que era da vida dessas pessoas antes disso, quando não éramos vistas, pensadas como um potencial para as empresas?”, questiona. A analista diz que não havia muitas opções: o mais comum era que fossem empurradas para a prostituição, ou para áreas específicas e estereotipadas, como a da beleza. “Mas eu não gostaria de ser só parte desses 10%. Eu gostaria que fosse muito maior e que não fossemos impostas a viver essa realidade enquanto trajetória profissional.”
Um estudo realizado pela Consultoria de Sustentabilidade e Diversidade Gestão Kairós revela que a participação de profissionais trans nas empresas não chega a 1%. Os dados fazem parte da pesquisa Diversidade, Representatividade e Percepção, que contou com mais de 26 mil respondentes, entre 2019 e 2021, e investigou a representatividade das pessoas transgêneros no quadro funcional e na liderança de diversos setores empresariais. Em ambos, os percentuais não chegavam a 1%.
Os empregos formais ainda parecem distantes para essa população, principalmente para mulheres trans, como é o caso de Ávila. De acordo com levantamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), 59% dos homens trans estão inseridos no mercado de trabalho formal, enquanto entre mulheres trans esse índice é de 16%.
“É preciso falar o quanto essa divergência de gênero também é muito real e o quanto isso tem impactado a empregabilidade das mulheres trans”, enfatiza a analista. Para ela, o problema é ainda mais latente, pois não se trata apenas dos dados da população trans, mas das questões de gênero que existem dentro desses grupos.
A falta de inclusão e sensibilidade das empresas
Segundo Ávila, o processo de transformação e empregabilidade trans acontece a passos lentos. Apesar de a discussão ter avançado nos últimos anos, ela afirma que ainda é difícil para as empresas entenderem a realidade das pessoas trans.
Assim como acontece com outros grupos minorizados, ela afirma que existem empresas que contratam essas pessoas e as veem como “totens”, figuras isoladas que não são sinônimos de representatividade e diversidade efetivamente. “Quem entende sobre o assunto vai identificar que é uma fachada. Isso traz um impacto muito mais negativo do que positivo.”
“São corpos divergentes da norma que, por falta de preparo das lideranças e das equipes, acabam focando só nos números dos perfis diversos e não na inclusão equitativa desses talentos”, reforça Nieto.
De acordo com Ávila, as empresas ainda não estão plenamente preparadas para receber pessoas trans. Ela explica que todas essas preocupações que parecem ser mínimas para pessoas cisgêneros, como o uso do banheiro e o modo como são recepcionadas, podem causar microagressões que devem ser pensadas na contratação.
“O mundo não está chato, é que as pessoas já cansaram de aguentar certas coisas e começaram a reclamar o seu direito de dignidade”
Isabella de Ávila, analista de diversidade, equidade e inclusão sênior na Intrials Clinical Research
Ao contratar uma pessoa trans, a empresa precisa saber lidar com todas as questões de violência às quais essa população é submetida. “Já vivemos situações muito específicas no nosso dia a dia, o mínimo que a gente quer é dignidade. E as empresas têm que oferecer isso não só para a gente, mas para todo mundo”, comenta a analista.
A profissional ressalta a importância dos movimentos sociais e de iniciativas como a TransEmpregos para a inserção de pessoas transgêneros no mercado de trabalho. “Precisamos ser lembrados durante todos os outros meses, não só em janeiro. A gente existe todos os dias.”
Inclusão enriquece a cultura da empresa e traz inovação
Além do impacto social, a diversidade traz um resultado positivo aos negócios. “Ela [diversidade] traz inovação, pensamentos diferentes”, explica a Ávila. “A gente está falando de um lugar [Brasil] que é rico em diversidade, que você vai encontrar pessoas de todos os aspectos e ideias. Isso vai enriquecer cada vez mais a cultura da sua empresa e fortalecer a sua marca.”
Para a analista, não escutar o que as pessoas trans tem a dizer e não as incluir na força de trabalho do seu negócio faz com que esses talentos sejam perdidos. Nieto acrescenta que essa atitude joga contra os interesses econômicos não só da própria empresa, mas de todo o país.
Letramento das equipes
Algumas iniciativas que podem auxiliar no processo de inserção desse grupo no mercado de trabalho são as vagas afirmativas e o letramento. Ávila defende que o letramento é importante para o entendimento sobre as diversidades e sobre a realidade das pessoas. “É sobre o quanto isso aproxima. Precisamos falar cada vez mais sobre a nossa história, porque as pessoas não têm o costume de conviver com a gente.”
A criação de um comitê de diversidade, por exemplo, tem a intenção de falar sobre diferentes pessoas e grupos, não somente de pessoas trans. É um espaço de debate, estudo e conscientização, que permite a troca de perspectivas.
Já as vagas afirmativas são ações que podem ser criadas pelas empresas na contratação de funcionários, para que grupos minorizados sejam priorizados no recrutamento, visando uma equipe plural.
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