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Carros elétricos são alternativa para empresas na descarbonização

Ricardo Bastos, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) e diretor de Relações Institucionais e Governamentais da GWM Brasil (Foto: Divulgação)

Em busca da descarbonização, muitas empresas têm investido em eletrificação, utilização de biocombustíveis e de veículos a hidrogênio na sua frota

POR BÁRBARA VETOS

Ao mesmo tempo em que o debate sobre a eletrificação dos veículos tem ganhado força com a descarbonização, também vem gerando muitas dúvidas. Entre as maiores preocupações envolvendo elétricos no Brasil estão a falta de infraestrutura de recarga, a baixa autonomia do veículo e os preços mais elevados.

De acordo com estudo da Bain Company, o Brasil é o país onde mais pessoas desejam comprar um carro elétrico – 61% dos entrevistados gostariam que seu novo carro fosse elétrico e 42% já estudaram a possibilidade de adquirir um. No entanto, 43% deles veem o custo de aquisição como o principal problema, seguido da falta de postos de recarga (33%).

Apesar disso, a eletrificação tem feito parte da estratégia sustentável de algumas empresas, que têm como objetivo descarbonizar toda ou parte da frota. Para isso, elas também têm investido em biocombustíveis e hidrogênio. Ricardo Bastos, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) e diretor de Relações Institucionais e Governamentais da GWM Brasil, afirma que o tema é foco de muitas companhias no país, inclusive no quesito ESG. “As empresas estão buscando a descarbonização, e, embora muitos não queiram pagar um pouco mais por isso, quem pode usa como uma bandeira.”

Em entrevista ao ESG Insights, Bastos explica principais preocupações com os elétricos, fala sobre investimentos no setor e sobre a importância do hidrogênio enquanto alternativa e avalia quais serão os próximos passos das empresas no Brasil para alcançar metas de descarbonização e transição energética. Confira alguns trechos da entrevista.

ESG Insights – Pensando na realidade brasileira e no contexto de transição energética, os elétricos são realmente a melhor opção?

Ricardo Bastos – Temos que olhar a eletrificação e os elétricos como uma ótima opção para o Brasil, mas não vai ser a única. Até porque a gente já tem trabalhado há muitos anos com os biocombustíveis, que são muito importantes. Precisamos resgatar e não esquecer o trabalho que já foi feito.

“A eletrificação vem complementar e ajudar ainda mais o país a ter uma entrega maior de descarbonização na matriz brasileira de transporte”

Obviamente, a eletrificação vai assumindo um espaço que é, hoje, dos biocombustíveis, mas eles não são a totalidade do uso na nossa frota. A eletrificação vem complementar e ajudar ainda mais o país a ter uma entrega maior de descarbonização na matriz brasileira de transporte. Nós temos ainda espaço para substituir o diesel, a gasolina, e para tornar o uso do etanol mais eficiente nos carros híbridos.

Temos o hidrogênio também, que é uma outra forma que ainda está sob testes no mundo todo. Enxergamos uma oportunidade muito grande de ele substituir o diesel, principalmente em longas distâncias.

ESG Insights – O hidrogênio é uma possibilidade no quesito sustentabilidade? Quais os benefícios e dificuldades?

Ricardo Bastos – O hidrogênio faz parte de um projeto que está vindo não apenas para o uso automotivo, mas industrial. Para o primeiro caso, eu acredito que o melhor hidrogênio seja o verde, ou o branco, que é extraído diretamente da natureza. Mas o verde é a grande sacada para o automotivo e para o uso da mobilidade.

O custo do hidrogênio está muito ligado ao posto de abastecimento, de produzir e colocar na pressão correta, com os equipamentos certos. E você tem a necessidade de tratar isso de um ponto ao outro, porque você não vai ter um posto disponível em vários lugares.

Talvez você tenha, dentro de uma rota, um ponto aqui, outro a 500 km. Baseado no custo que temos hoje, é muito caro, e você tem que tomar uma série de medidas de segurança que envolvem a construção do posto. Isso tudo em um horizonte de cinco a 10 anos.

A tecnologia já está disponível para uso e, inclusive, já existe em carros, caminhões e ônibus. Nós podemos ter isso no Brasil também. Mas por que eu insisto no hidrogênio? Porque o hidrogênio tem a capacidade de fazer essa transição com menor custo, lembrando que ele não precisa de baterias e não toma o espaço da carga. Tem o investimento do caminhão, que é um pouco maior, mas não é tão maior do que o caminhão a diesel, e tem a questão do abastecimento. Esse é o ponto que precisa ser resolvido.

ESG Insights – Uma das dificuldades envolvendo os elétricos é a questão da infraestrutura de recarga da bateria. Ainda existem poucos pontos de abastecimento de energia. O que pode ser feito para melhorar essa situação?

Ricardo Bastos – Não adianta você ter infraestrutura, se não tiver veículo, e, para avançar nos veículos, a gente precisa ter mais pontos de recarga públicos. Os automóveis híbridos plug-in ou elétricos são os dois que precisam dessa infraestrutura. Ambos já vêm com carregador ou com a possibilidade de o cliente adquiri-lo para ter uma das fontes primárias de abastecimento em casa ou no trabalho. A instalação privada é um caminho para os automóveis de passageiro e para o uso de automóvel de aplicativo.

A dificuldade está na questão do carregador público. As primeiras experiências no Brasil, refletindo o que aconteceu em outros países, é de um carregador que é lento e que pode ser recomendado para casa, mas não é ideal para um espaço público, em que você precisa ter um carregamento em 30 ou 40 minutos, no máximo. O usuário quer ter o carro pronto para sair, seja em um ponto de parada em uma rodovia, seja na cidade.

O Brasil está se dedicando bastante nisso. São movimentos que começaram no ano passado, mas ainda são poucas unidades, às vezes muito concentradas no Sul e no Sudeste, ou próximo de grandes capitais. Nessas regiões, estamos começando a ver os corredores. Em São Paulo e regiões próximas, você já tem vários postos com carregadores rápidos.

“Devemos fechar o ano superando 7 ou 8 mil pontos de recargas públicos no Brasil”

O que está muito claro para todos que estão investindo é que não adianta colocar apenas um carregador. Tem que ser um carregador com potência e um carregador de corrente contínua, de carregamento rápido. Temos vários projetos, inclusive de grandes redes de postos de combustível, que estão fazendo esses investimentos.

Algumas cidades vão mais rápido, porque já tem uma frota de elétricos, mas estamos investindo e avançando. Nós devemos fechar o ano superando 7 ou 8 mil pontos de recargas públicos no Brasil. Talvez até mais. Alguns ficam prontos durante esse ano, outros no começo do ano que vem.

ESG Insights – O que será feito com as baterias após sua vida útil? A sustentabilidade também está presente nessa etapa?

Ricardo Bastos – É importante esclarecer que a questão da bateria entra quando se tem um conceito “berço ao túmulo”, que trata da produção do veículo e do descarte.

Nós temos a Companhia Brasileira de Lítio [CBL], que foi a primeira empresa a produzir lítio no Brasil. Primeiro que eles não têm barragem. Não fazem o uso de água extensivo. A água que eles usam é reciclada e o descarte é mais limpo do que o que entra. O processo deles é muito próximo do que as fábricas automóveis fazem aqui.

“Se fizermos o processo correto, o lítio pode ser reutilizado e virar outra bateria ou um produto de lítio”

A mineração em alguns outros países às vezes não tem esse cuidado que o Brasil está tendo. Só que tem um problema: temos que colocar o lítio no navio, mandar para a China e depois voltar na bateria do carro. Temos uma emissão de carbono em dobro, para levar e trazer. Por isso, estamos trabalhando para produzir a bateria no Brasil.

Quando a bateria já não tem mais vida útil, aprendemos que, se fizermos o processo correto, o lítio pode ser reutilizado e virar outra bateria ou um produto de lítio. Dependendo do carro, ela dura 10, 12 anos, e depois ainda tem mais uma sobrevida e pode ganhar mais 10 anos. Se houver algum dano, isso é antecipado. Mas uma bateria normal vai chegar a 20 anos até a fase final de descarte.

Por que hoje não temos grandes centros de reciclagem de bateria? Porque não tem bateria disponível para reciclar. Mas já temos empresas no Brasil fazendo isso e participando de parcerias com montadoras.

ESG Insights – Os veículos 100% elétricos também farão sentido para a realidade brasileira no quesito revenda? Eles ainda terão um bom preço após a perda da garantia da bateria?

Ricardo Bastos – Depende do reparo. Em um carro a combustão, quem vai comprar vai olhar a situação do motor, se o carro foi batido, como é que você cuidou. A bateria é o coração do carro elétrico, então precisa haver uma preocupação muito grande com ela. As próprias montadoras estão cuidando dessa questão, está tudo sendo homologado. Se você tiver baterias e reparos certificados, o carro vai manter o valor.

Ele vai ter uma desvalorização seguindo o mercado, obviamente, mas você vai poder fazer inspeção da bateria antes de comprá-lo. Normalmente, abaixo de 80% já não serve mais. Mas você tem esse diagnóstico da bateria e, se houver algum problema com ela, você vai poder identificar, inclusive, se o reparo foi malfeito.

ESG Insights – De forma geral, as empresas têm exigido que parte da frota de transporte seja feita por meio de combustível alternativo devido à sustentabilidade. No entanto, isso pode acarretar um aumento do custo desse tipo de transporte no Brasil – o que muitas empresas podem não estar dispostas a pagar. Na sua visão, como isso pode ser resolvido?

Ricardo Bastos – O nosso transporte é muito feito por rodas, pelas estradas, por uso do diesel, então temos que tomar um cuidado para não gerarmos um problema e encarecer isso. Mas o avanço acontece, motivado pelas empresas que tem essa bandeira ESG como objetivo. Tudo isso torna mais fácil a decisão das companhias que estão com esse olhar de ESG, pensando na substituição ou aumento da descarbonização da frota.

“O avanço acontece, motivado pelas empresas que tem essa bandeira ESG como objetivo”

Para as grandes distâncias, o hidrogênio é melhor do que o elétrico, que toma o espaço da carga. Mas tem que haver uma agenda para isso não encarecer. As empresas estão buscando a descarbonização, e, embora muitos não queiram pagar um pouco mais por isso, quem pode usa isso como uma bandeira. “Contrate a minha empresa que o meu transporte é descarbonizado.” Isso pode ser o motivo de preferir uma empresa a outra.

ESG Insights – Quais os impactos positivos que o Mover pode trazer ao cenário brasileiro nesse contexto de descarbonização?

Ricardo Bastos – Um ponto que aprendemos com outros países é que não há necessidade alguma de você proibir veículos a combustão. Não há a necessidade de fazer uma ruptura. Isso até gera uma insegurança, porque quando você acelera ou põe uma pressão, obviamente, você vai ser cobrado.

O Brasil está fazendo de uma forma mais racional, eu diria, porque não tem proibição de carro a combustão. Nós temos metas de descarbonização, mas não são metas específicas de quanto da frota deve ser eletrificada.

“Essa coexistência de tecnologias permite que o consumidor possa fazer escolhas de acordo com a sua realidade”

O Brasil também tem normas de meio ambiente a serem atendidas pelos veículos, inclusive, em janeiro de 2025 temos mais uma fase do Programa de Controle de Emissões Veiculares [Proconve]. Ele, por si só, já vai gerar uma necessidade de mais veículos híbridos ou elétricos. Cada montadora vai fazer sua estratégia, mas vai precisar de mais eletrificação na frota para ajudar a atender os limites que estão sendo colocados.

Sabemos que isso está chegando no Brasil, mas incentivos fiscais não existem de forma significativa. Temos a isenção do IPVA, que está ajudando muito em alguns estados, mas esse é um benefício direto para o consumidor. Além disso, temos alguns incentivos do Mover, uma política que não é exclusiva dos elétricos, mas é uma política pela descarbonização. Essa coexistência de tecnologias permite que o consumidor possa fazer escolhas de acordo com a sua realidade.

Foto: Divulgação
Ricardo Bastos, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) e diretor de Relações Institucionais e Governamentais da GWM Brasil

 

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