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Corrupção privada não é considerada crime no Brasil devido à falta de legislação

Pesquisa da KPMG revela que corrupção é o tipo de denúncia mais comum em empresas privadas (Foto: jcomp/Freepik)

Pesquisa da KPMG revela que corrupção é o tipo de denúncia mais comum em empresas privadas

POR PIETRA BASTOS

Pouco se fala sobre corrupção privada no Brasil. Isso se deve à falta de uma legislação específica que “diminui o nível de conscientização da população não só sobre a existência dessa prática como danosa ao sistema concorrencial e financeiro do país como também impede a investigação e eventual punição dos responsáveis” diz Guilherme France, gerente do Centro de Conhecimento Anticorrupção da Transparência Internacional Brasil, organização anticorrupção.

Em 2005, o Brasil ratificou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que foi criada para combater diferentes formas de corrupção ao redor do mundo. O documento contempla critérios de prevenção e enfrentamento de crimes de corrupção tanto no setor público quanto no privado.

Mas o país não adotou medidas para criminalizar a corrupção privada, e a prática é o tipo de denúncia mais comum em empresas brasileiras do setor.

O dado é da 3ª edição do Perfil do Hotline no Brasil 2023, pesquisa levantada pela empresa de prestação de serviços KPMG. Em segundo lugar aparece fraude financeira e em seguida segurança do trabalho.

A corrupção privada no Brasil

Suborno, propina e fraude podem acontecer dentro de empresas ou organizações. Essas práticas configuram a corrupção privada, na qual não há o envolvimento da esfera pública. A Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846) só responsabiliza e penaliza empresas privadas quando envolvidas em casos com ou contra a administração pública (saiba mais no fim do texto). 

Devido a ausência de um artigo específico sobre a prática, é difícil mensurar com que frequência ela acontece em empresas do setor privado no país. “Não temos registros oficiais desse tipo de conduta porque ela não está definida na legislação brasileira. E como não está definida, é difícil determinar casos em que de fato isso tenha acontecido. Eventualmente surgem algumas notícias ou algum tipo de alegação, mas isso são informações preliminares, genéricas e abstratas”, explica Guilherme France.

Apenas empresas e organizações brasileiras que têm vínculos internacionais com empresas de países que possuem leis anticorrupção privada podem ser penalizadas por causa da extraterritorialidade. Um exemplo é o que aconteceu com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em 2015. Uma investigação encabeçada pelo Departamento Federal de Investigação, o FBI, revelou casos de corrupção privada ligados à Federação Internacional de Futebol (Fifa), um escândalo conhecido como “Fifagate”.

Mesmo sem penalidades legais, uma empresa que praticou corrupção privada pode sofrer consequências graves como ter a reputação e a imagem danificadas diante de acionistas, investidores e consumidores e prejudicar a realização de negócios, gerando prejuízos econômicos.

Lei Geral do Esporte: criminalização da corrupção privada nos esportes

Recentemente, o setor esportivo criminalizou a corrupção privada. A nova Lei Geral do Esporte (LGE) (PL 1.825/2022), sancionada em junho, unifica legislações do esporte no país já existentes e apresenta novas normas como punição para corrupção e atos preconceituosos.

A LGE determina que representantes de organizações, que obtiverem vantagens para si ou para terceiros, estarão sujeitos à reclusão de dois a quatro anos e pagamento de multa. Assim como ao manipular resultados de competições, no qual é aplicada uma pena de dois a seis anos de reclusão e multa.

A criminalização da corrupção privada no setor do esporte pode ser inusitada, mas não é. Nos últimos anos foram expostos uma série de casos envolvendo organizações esportivas como o “Fifagate” e a manipulação e esquema de apostas em jogos de futebol, neste ano.

Por que o Brasil não tem uma lei que criminaliza a corrupção privada?

Ainda assim, parece que uma legislação brasileira mais ampla, que considere o crime em empresas privadas de todos os setores, não está a caminho. Guilherme France observa que o Congresso Nacional não demonstra interesse em avançar sobre essa discussão. Além disso, há, segundo ele, uma preocupação do setor privado de que uma legislação nesse sentido possa atrapalhar condutas comerciais tradicionais. “Acho que ainda existe uma preocupação mal fundada ou baseada em uma concepção errônea do que seria a corrupção privada, de que um tipo penal como esse poderia limitar a liberdade das empresas em realizarem seus negócios”, considera France.

O que a empresa deve fazer para evitar ou combater a corrupção privada

De acordo com a pesquisa Perfil do Hotline no Brasil 2023, a rescisão contratual – com e sem justa causa – é a principal medida adotada pelas empresas. Muitas vezes, no entanto, elas consideram não agir devido a influência da pessoa denunciada.

Os programas de integridade das empresas também não são maduros, como aponta 87% dos profissionais entrevistados pelo levantamento 10 Anos de Lei Anticorrupção no Brasil: a percepção dos profissionais, realizado pela organização Transparência Internacional – Brasil e a consultora Quaest.

“As empresas têm que avançar na implementação dos seus programas de integridade considerando os riscos não só de corrupção pública, mas também de corrupção privada. Precisam treinar seus funcionários sobre como evitar e como identificar esse tipo de risco e devem aprimorar os seus canais de denúncia para receber relatos de irregularidades”, aconselha Guilherme France.

Conheça mais condutas no e-book Práticas para combate à corrupção nas empresas do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Lei anticorrupção

A Lei Anticorrupção aprimorou os mecanismos no combate à corrupção contra a administração pública. Entre as penalidades, ela estabelece uma multa de até 20% do faturamento bruto anual da empresa, ou até 60 milhões de reais, e dissolução compulsória da pessoa jurídica. A empresa pode ser responsabilizada em casos de corrupção, independente da comprovação de culpa, e, se ajudar na investigação, pode conseguir uma redução das penalidades.

O decreto federal 11.129/22, que entrou em vigor em julho de 2022, atualizou as normas da Lei Anticorrupção, incentivando a criação de uma cultura de integridade nas empresas. Se tornou responsabilidade da empresa prevenir e solucionar casos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e desenvolver um programa de compliance.

Entretanto, a lei não é regulamentada em quase 60% dos municípios brasileiros, segundo o Conselho Nacional de Controle Interno (Conaci).

Acesse a pesquisa Perfil do Hotline no Brasil 2023.

Foto: jcomp/Freepik
Pesquisa da KPMG revela que corrupção é o tipo de denúncia mais comum em empresas privadas

 

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