Questões de saúde e segurança pública do centro de São Paulo também dizem respeito às práticas ESG das empresas
POR BÁRBARA VETOS
Com todas as suas belezas arquitetônicas, pontos turísticos e marcos históricos, o centro de São Paulo também é palco de um intenso conflito urbano e social, que combina vulnerabilidade, saúde e segurança pública. O debate pela revitalização da região surge como consequência e potencialização dessas condições, perdurando por diversas gestões e levantando questionamentos sobre como as empresas podem participar desse processo, como parte de suas políticas de ESG.
O tema também surgiu em evento do Lide – Grupo de Líderes Empresariais realizado nesta terça-feira (26/3) em São Paulo. Alex Allard, CEO da Cidade Matarazzo, avaliou o problema do centro como uma questão sistêmica, mas que pode ser resolvida a partir de um investimento coletivo. Ele ressaltou a importância da cooperação entre setor público, privado e sociedade.
“É uma oportunidade rica para essa cidade criar uma comunidade criativa. Temos que colocar alguns bilhões ao mesmo tempo e juntar todo mundo para aplicar projetos detalhados”, explicou o empreendedor. O Cidade Matarazzo é um grande empreendimento hoteleiro, gastronômico e imobiliário que inclui a recuperação de edifícios históricos na região da Paulista.
Hugo Mesquita, coordenador e gestor de projetos do Instituto Urbem, também presente ao evento, defendeu que a região central carece de um plano bem estruturado, que seja resiliente e pensado a longo prazo. “Nós precisamos implantar de uma vez só, porque a velocidade da transformação das cidades, como nós estamos habituados, é extremamente lenta. Mas os processos de degradação e as consequências ambientais são muito abruptos e cada vez mais traumáticos.”
Exemplos de outros países no enfrentamento à dependência química
Somente na capital paulista, cerca de 65 mil pessoas vivem em situação de rua, de acordo com o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O estado de São Paulo concentra quase metade dessa população do país.
A Cracolândia, um dos principais pontos de tensão da cidade, registra mais de 1.300 frequentadores ao longo do dia. Dados do Levantamento de cenas de uso em capitais mostram que seis em cada dez pessoas vivem há pelo menos cinco anos no local. O nível crescente de degradação humana e urbana nas áreas centrais intensifica a situação de desamparo, insegurança e desvalorização imobiliária.
Mesquita entende que a questão da segurança e da saúde pública no centro de São Paulo é paradoxal. “Ao mesmo tempo em que nós identificamos que existe um problema dramático, nós também fechamos os olhos para as experiências que existem nos outros lugares.”
Países como Áustria, Holanda, Portugal, Suíça, Noruega, Alemanha, Dinamarca também já tiveram que lidar com suas respectivas “cracolândias”. Em geral, são implementadas políticas de ampliação dos serviços sociais, que combinam prevenção, redução de danos e tratamento, como forma de solucionar a questão.
“Já temos exemplos em todo o mundo de como abordar isso, mas precisamos fazer a integração entre espaço, saúde pública e habitação, de uma forma ampla e terna com os cidadãos que passam por essas dificuldades”, diz o coordenador do Instituto Urbem.
Apesar da constante utilização da força policial para desmobilizar a Cracolândia, as ações apenas fizeram com que houvesse uma dispersão daquela população. Após uma megaoperação realizada em maio de 2022, por exemplo, foram criados 16 novos focos de comércio e consumo de drogas nos bairros centrais da cidade.
Projeto de revitalização do centro de São Paulo
O poder público tem se mobilizado para adotar medidas que impulsionem um processo de revitalização do centro. A ideia é fazer com que a região se torne um local de permanência, turismo e moradia.
“Temos muitos caminhos a trilhar e só há uma forma de fazer tudo isso: por meio da cooperação entre todos os níveis [públicos e privados]”, avalia Mesquita. “A sustentabilidade, muitas vezes é capturada para representar apenas algumas camadas da sociedade, mas, na realidade, ela perpassa tudo e diz respeito ao legado que vamos deixar. Isso também diz respeito ao centro.”
Um dos projetos que tem sido trabalhados é o Plano de Intervenção Urbana (PIU) Central, que abrange a área do centro histórico – República e Sé – e do centro metropolitano – Brás, Belém, Pari, Bom Retiro e Santa Cecília. O objetivo é incentivar a habitação e o fortalecimento da economia local, atraindo 220 mil novos moradores ao longo dos próximos 10 anos.
Outra medida que se destaca é o Grupo de Trabalho Institucional (GTI) da Cracolândia, que retomou as atividades em setembro de 2023. Em 11 encontros quinzenais durante reuniões da Comissão de Direitos Humanos na Câmara Municipal de São Paulo, a iniciativa trabalha questões voltadas à área da saúde, assistência, desenvolvimento social, moradia, segurança pública, cultura, entre outros. A proposta envolve participação coletiva das secretarias municipais, moradores, comerciantes, coletivos e dependentes químicos.
A Lei do Retrofit também faz parte do planejamento da prefeitura, que busca a reforma de imóveis já existentes para que estejam de acordo com as normas e necessidades atuais. Os lugares em que a medida for implantada recebem isenção de IPTU por cinco anos, além de redução de taxas e isenções municipais. O primeiro projeto a ser aprovado ocorreu em 2023, em um empreendimento de 1954 na Rua Aurora.
“Estamos a um passo muito curto de termos toda a regulação urbanística que nós precisamos para poder fazer a transformação do centro avançar”, comenta Mesquita. “É necessário juntar todos os atores e ter um compromisso a longo prazo que seja público e não necessariamente partidário.”
Para o gestor, o foco deve estar em medidas que representem os desejos da sociedade e do que ela quer para o centro, instigando a cidadania da população. “O centro de São Paulo é absolutamente fantástico, precisamos criar visões, profetizar e, de certa forma, sensibilizar, trazendo a identidade e o carinho que devemos ter por essa região.”
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