Categorias
iG Tudo sobre ESG

Impacto social põe em xeque “sustentabilidade” das eólicas

Usinas podem afetar a qualidade de vida e promover desmatamento, dizem especialistas

Segundo o Conselho Global de Energia Eólica (GWEC), o Brasil é considerado o maior mercado do setor no hemisfério sul. A energia eólica é a terceira maior fonte do país (11%), atrás das usinas térmicas (12%) e hidrelétricas (57%), de acordo com dados do Ministério de Minas e Energia. Ao todo existem 1.036 parques eólicos, com 930 concentrados só na região Nordeste.

Com o crescimento da energia eólica nos últimos anos, a quantidade de queixas contra os parques eólicos tem aumentado entre moradores locais, agricultores e pesquisadores. Eles alegam que a construção de um parque pode prejudicar produções agroecológicas e de subsistência, gerar desmatamento e afetar a qualidade de vida da comunidade.

Ameaça aos biomas

Em entrevista a uma reportagem do UOL, a professora Adryane Gorayeb, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), e coordenadora do Observatório da Energia Eólica, afirma que o parque eólico pode trazer uma série de impactos negativos ao meio ambiente.

“Aqui no Ceará, por exemplo, 98% das torres se encontram em áreas de dunas, praias, restingas e estuários. São áreas muito frágeis, principalmente no momento em que há o aterramento. Isso impacta o regime de águas”, disse na reportagem.

Além de afetar os recursos hídricos da região, a instalação dos aerogeradores pode provocar a extinção de animais, o aplainamento de dunas e o desmatamento.

Na Escócia, por exemplo, 13,9 milhões de árvores foram derrubadas para dar lugar a 21 projetos de parques eólicos nos últimos 20 anos, segundo dados de 2020 fornecidos pela agência governamental Forestry and Land Scotland (FLS), responsável pela política florestal do país.

Para construir um parque eólico no Brasil, as empresas precisam obedecer à resolução 462/2014 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que determina que elas apresentem dois documentos de licenciamento ambiental, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima), e promovam audiências públicas em caso de potencial atividade poluidora.

Mas, como é exposto em reportagem do The Intercept Brasil, a resolução permite que órgãos estaduais classifiquem os aerogeradores como atividades de baixo potencial de impacto ambiental, e será exigido da empresa apenas o Relatório Ambiental Simplificado (RAS). A solicitação do documento, que é simples, atrai investimentos de empresas em estados brasileiros.

Outra norma que as empresas de energia eólica recorrem é a resolução 369/2006 do Conama, que autoriza a implementação de empreendimentos de energia em qualquer lugar desde que sejam considerados “obras essenciais de infraestrutura”.

Contrato desproporcional

Não é necessário que uma empresa compre terreno para construir um parque eólico. Um jeito simples é fechar um contrato de arrendamento com um proprietário rural: a empresa oferece uma quantia mensal ao dono da terra e em troca pode usar a propriedade de modo irrestrito.

A forma como o contrato é propagandeado pelas empresas e pelos atravessadores – moradores locais contratados pela própria empresa para convencer as pessoas a assinarem o documento – pode ser a razão pela qual pequenos proprietários aceitam ceder suas terras. Segundo reportagem da BBC News Brasil, as empresas prometem pagamentos que podem chegar a valores de R$ 3 a 4 mil reais por mês – proporcionais à energia gerada.

Mas não é isso que acontece na prática. Em um exemplo apontado pela reportagem do The Intercept Brasil, uma empresa de energia eólica prometeu colocar 15 torres em um assentamento no município de João Câmara, no Rio Grande do Norte, onde vivem 25 famílias. Estava acordado que o valor total, R$ 16.035, seria dividido e cada uma receberia R$ 640 por mês. Entretanto, devido à pressão de fazendeiros ao redor, a empresa construiu apenas duas torres, e, no fim, as famílias ganham R$ 85 cada.

O dono da terra e sua família têm o direito de continuar morando na propriedade, mas atividades de subsistência, como plantio e criação de animais, precisam ser aprovadas pela empresa. Caso ele desista do acordo, está sujeito a pagar multas que podem chegar a R$ 20 milhões – enquanto a empresa pode desistir sem pagar multa.

O contrato de arrendamento tem prazo de validade longo, de 20 a 50 anos, e seus termos são confidenciais, ou seja, é proibido divulgar detalhes e valores.

Em entrevista ao UOL, o professor associado Fernando Joaquim Ferreira Maia, do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), observa que é estranho que todos os contratos de arrendamento tenham essas mesmas características.  Ele defende uma mudança no regime jurídico dos documentos.

“Os prazos não deveriam exceder a 36 meses, e deve-se vincular a contrapartida da empresa pelo uso da terra do agricultor a um percentual de pagamento mensal pelo comércio da energia, além de um piso mínimo fixo”, disse Fernando ao portal.

Problemas em comunidades locais

Assim como o proprietário e sua família, a comunidade que vive ao redor das eólicas também pode estar suscetível a sofrer problemas. A reportagem do UOL conversou com alguns moradores afetados.

O agricultor Simão Salgado da Silva, de Caetés no Pernambuco, precisou sair do sítio onde morava. Depois que construíram um parque eólico ao lado, a qualidade de sono de sua esposa foi afetada pelo barulho dos aerogeradores. Ela não conseguia dormir e se alimentar e passou a ter crises de ansiedade e depressão. Quando faleceu, em 2021, Simão se mudou para a cidade.

“A gente não sabia o que significaria um parque. A gente foi pego pela seca de 2012, e as empresas chegaram com propaganda, dizendo que as pessoas iam ter grande retorno financeiro. Quando ligaram as torres, vieram os problemas na produção agrícola e na saúde das pessoas”, conta Simão ao UOL.

A comunidade quilombola do Cumbe, em Aracati no Ceará, foi impedida de circular por áreas como praias, lagoas e rios, o que impactou negativamente os pescadores e o turismo, principais atividades da região. As obras para a construção do parque eólico também afetaram casas e cisternas.

“Nós, da comunidade, fomos proibidos de entrar na praia. Diziam que não havia risco, mas agora eles falam que se um parafuso cair pode explodir, e se isso ocorrer, eles não vão se responsabilizar porque não deve ter acesso”, relata Luciana Cumbe, uma das líderes comunitárias, ao UOL.

A construção do Complexo Eólico Serra da Borborema, no estado da Paraíba, está sendo uma das maiores preocupações dos agricultores. Isto porque as eólicas podem ser uma ameaça à produção agroecológica.

O complexo ocupará uma área de 7,6 mil hectares, ou 7,6 mil campos de futebol, e produzirá energia o suficiente para abastecer cerca de 36 mil casas. Será composto por oito parques eólicos com 55 aerogeradores cada.

De acordo com a reportagem da BBC, além de causar problemas na saúde mental dos agricultores, muitos que cedem suas terras para a construção dos aerogeradores precisam reduzir ou abandonar a produção porque não sobra espaço suficiente.

Luta contra o machismo

A construção de um parque eólico pode afetar principalmente as mulheres. Todo ano na região da Serra da Borborema mulheres se reúnem na Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia para lutarem contra o machismo e a em defesa da produção agroecológica. Na 13ª edição participaram mais de 5 mil mulheres. O tema principal foi o descontentamento com a construção do Complexo Eólico Serra da Borborema.

Segundo denúncia apresentada pela agricultora e coordenadora da marcha Roselita Albuquerque na reportagem da BBC News Brasil, homens que são contratados por empresas para instalarem eólicas assediam ou se relacionam com mulheres da região. Depois que engravidam, elas são abandonadas e precisam cuidar do bebê sozinhas. No interior da Paraíba, a criança concebida desses relacionamentos é chamada de “filho do vento”.

“As mulheres sofrem uma quantidade absurda de violência nesse processo: perda de autonomia, exploração sexual, exploração do trabalho, aumento da carga de trabalho. A gente viu cisternas quebradas em regiões com torres eólicas, cisternas que armazenam água de beber, de cozinhar. As mulheres voltaram a ter que buscar água”, disse a bióloga e assessora técnica da Associação Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA) Adriana Galvão para a reportagem do The Intercept Brasil.

Ao final da marcha, as mulheres entregaram uma carta ao governo da Paraíba denunciando parque eólicos e propostas de sustentabilidade.

“Associados ao um discurso de ‘progresso’ e ‘desenvolvimento’, os parques eólicos em implantação no Semiárido são uma nova forma de apropriação e controle das terras e dos territórios para a acumulação de lucros privados por grandes corporações econômicas internacionais ao mesmo tempo que geram enormes e irreparáveis custos sociais para as populações. As empresas ocupam as terras, redesenham as comunidades, cercando os espaços produtivos e de vida, e mudando completamente o conceito do lugar e da paisagem que marcam nossa cultura local.”

ESG Insights no Twitter / X

Pronunciamento da ABBEólica

A Associação Brasileira de Energia Eólica, a ABBEólica, se pronunciou perante as repercussões. Para as reportagens do UOL e da BBC, a instituição disse que o proprietário de terra pode continuar realizando suas atividades pois as eólicas ocupam uma pequena parte do terreno. Ele também não é impedido de continuar morando: os aerogeradores são instalados a uma distância considerável das residências de acordo com a legislação pertinente.

Sobre a perda de acesso em locais da região, a instituição justifica que áreas que são eletrificadas precisam ser isoladas por questões de segurança. Se alguma casa ou cisterna é danificada, a empresa promove a reparação e, se for o caso, ajuda a família na realocação.

Quanto ao assédio às mulheres, a ABBEólica afirma que as empresas contratam trabalhadores locais e realizam treinamentos sobre relacionamentos com as comunidades e programas de educação sexual.

A instituição explica ao UOL que os contratos são confidenciais pois os projetos irão para um leilão competitivo, e seus dados não podem ser revelados: “É importante entender que existe todo um processo de estudo da viabilidade, antes de o projeto sair do papel e, especialmente neste período, há confidencialidade não apenas de contratos com proprietários, mas de absolutamente tudo relacionado ao projeto, porque depois ele irá para um leilão competitivo de energia com outros projetos”.

Para a BBC News Brasil, a instituição afirma que as eólicas geram renda para os proprietários rurais “em regiões usualmente bastante limitadas para a produção agropecuária e marcadas pelo êxodo de população rural, incentivando, com isso, a fixação do homem no campo”.

“Vale salientar, ainda, que há muitos programas de investimento social privado desenvolvidos por empresas do setor, que buscam fomentar a geração de renda pelas famílias residentes nas áreas dos parques”, disse a ABBEólica.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS


Insights no seu e-mail

Um resumo das novidades em ESG, além de entrevistas e artigos exclusivos. Semanalmente no seu e-mail, de graça.