Temperaturas altas alteram a acidez e o teor alcoólico
POR ETHAN BILBY
Os amantes do vinho gostam de creditar a diferentes solos e variações geográficas as condições para produzir um amplo espectro de sabores para as mesmas variedades de uva – inclusive dentro da mesma área. Quando se trata de uma das bebidas favoritas da Europa, as pessoas tendem a pensar que existe um perfil de sabor “típico” para cada região. O problema é que a mudança climática pode estar alterando a produção de vinho.
Espaço geográfico e clima afetam o sabor do vinho
A historiadora de ciência e tecnologia com foco em alimentos Gabriella M. Petrick pensou muito sobre como as mudanças climáticas afetam o sabor conferido aos vinhos por seu perfil geográfico e climático único – o que geralmente é chamado de “terroir” (terra em francês). A questão afeta tudo, desde tintos encorpados feitos com a uva Cabernet associada à região de Bordeaux na França até brancos leves como Pinot Grigio comum no norte da Itália.
Petrick passou os últimos dois anos pesquisando como os gostos do vinho, literalmente e em termos de preferências, mudaram ao longo do tempo. Ela liderou o projeto Red and White, financiado pela União Europeia (UE), que terminou em novembro de 2022.
“Quando pensamos no sabor de um vinho do velho mundo, como um Bordeaux versus um Cabernet da Califórnia, eles têm um sabor muito diferente”, disse Petrick, cidadã americana que conduziu sua pesquisa na Universidade de Stavanger, na Noruega. “E muito disso tem a ver com o clima.”
O aquecimento global representa várias ameaças para a indústria vinícola europeia, desde o clima anormal – chuvas de granizo severas e geadas de primavera incluídas – que podem prejudicar as colheitas até temperaturas mais altas que podem fazer com que as uvas amadureçam cedo e tornem os vinhos muito alcoólicos.
Ao mesmo tempo, as mudanças climáticas estão tornando possível a produção de vinho em áreas tradicionalmente muito frias para isso. Um exemplo marcante é o Reino Unido, que agora tem mais de 500 vinhedos e produz uma variedade de vinhos, incluindo espumantes.
Geralmente, quanto mais madura a uva, mais açúcar e maior o teor alcoólico do vinho resultante. Segundo Petrick, um teor alcoólico mais alto pode distorcer o sabor de um vinho.
Variações nos níveis de álcool devido a mudanças na acidez e no teor de açúcar podem afetar a percepção das pessoas sobre a qualidade de um vinho. Às vezes, no entanto, isso também é um reflexo de como eles acham que o vinho “deveria” ser.
Vinho em evolução
A pesquisa histórica de Petrick revela que o sabor dos vinhos vem evoluindo há muito mais tempo do que se pensava.
Ao considerar um tinto típico de Bordeaux, por exemplo, o sabor não é estático. Um ano ‘‘bom’’ será bem diferente de um ano ‘‘ruim’’ e um vinho de 1930 será muito diferente de uma safra de 1990.
Na década de 1960, Bordeaux cultivava muito mais Cabernet Franc de casca preta – pai do mais conhecido Cabernet Sauvignon – até substituir essas vinhas por outra descendência: as uvas Merlot, mais frutadas.
A mudança foi, pelo menos em parte, uma resposta às misturas californianas e outras misturas do Novo Mundo e representou uma tentativa de adaptação ao poder de compra americano e aos gostos globais.
Afinal, o vinho é um grande negócio. A União Europeia é o maior produtor mundial de vinho, respondendo por 64% da produção global em 2020. As exportações de vinho da UE valem mais de 17 bilhões de euro por ano.
O “mix” de Bordeaux é um pouco mais leve como resultado da mudança para o Merlot. Cabernet Franc é uma variedade de uva relativamente ácida, com mais tanino.
Embora essa mudança específica visasse atrair os consumidores americanos, os produtores de vinho europeus agora estão descobrindo que podem precisar fazer ainda mais ajustes para se adaptar às condições climáticas.
Estratégias para manter a qualidade dos vinhos
Os reguladores franceses do vinho recentemente permitiram que seis novas variedades de uvas – quatro tintas e duas brancas – com maior acidez fossem misturadas aos vinhos de Bordeaux. O motivo foi a preocupação dos produtores de que o clima mais quente esteja resultando em mais açúcar e menos acidez nas uvas.
“Eles querem adicionar um pouco de acidez de volta para que os vinhos não fiquem muito alcoólicos”, disse Petrick. A ideia é que, ao adicionar novas variedades de uva à mistura de Bordeaux, os produtores de vinho possam tentar compensar as mudanças induzidas pelo clima e trazer o sabor de volta ao que é considerado “típico”.
No futuro, os produtores podem ter que empregar uma série de estratégias para manter os perfis de sabor típicos de sua área – ou recorrer ao cultivo de seus vinhos em locais diferentes.
O Pinot Noir, um tinto seco e de corpo médio que ajudou a tornar a Borgonha na França uma renomada região vinícola, tornou-se mais comum na Alemanha com o aumento das temperaturas. O cultivo está gradualmente se deslocando para o norte, em uma tentativa de manter a qualidade tradicional e o equilíbrio entre açúcar e acidez.
Natureza como aliada da produção de vinho
Embora o aumento das temperaturas já esteja alterando a forma como os vinhos são produzidos, os pesquisadores europeus estão procurando recrutar alguns aliados naturais para os viticultores.
O pesquisador Daniel Revillini, do Conselho Nacional de Pesquisa da Espanha (CSIC), está se preparando para examinar como o microbioma das videiras – bactérias, fungos e microrganismos que vivem sobre e ao redor das videiras – pode ajudar a mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
Como parte do projeto Funvine, Revillini planeja coletar amostras de solo de 15 ecorregiões vitícolas em todo o mundo. O objetivo é uma melhor compreensão dos fatores de estresse que estão sendo exercidos nas videiras.
“Você obtém essa enorme variação de estressores climáticos – da seca a variações extremas de temperatura e até inundações”, disse Revillini. Além disso, a intensificação da produção de vinho, com uso excessivo de arados e produtos químicos, corroeu a saúde do solo e reduziu a resiliência natural das plantas.
Ao comparar o microbioma da videira em diferentes áreas, Revillini espera criar uma escala que possa mostrar aos produtores quais condições maximizam as propriedades benéficas de bactérias e fungos, reduzindo o estresse e os patógenos.
Uma relação simbiótica
Os micróbios podem ajudar as plantas de várias maneiras. Isso inclui extração de nutrientes do solo, proteção contra doenças e até retenção de umidade. E eles também se beneficiam dessa relação altamente simbiótica.
“As plantas podem identificar um micróbio bom ou ruim por meio de processos de sinalização hormonal”, disse Revillini. “Uma planta sabe quando sua folha está sendo comida, também por meio de sinalização.”
As plantas são capazes de recompensar quaisquer micróbios “bons” com açúcares naturais. Se as plantas recusarem, os micróbios simplesmente não irão cooperar.
Quando os recursos das plantas são negados, seus parceiros microbianos podem acumular o que forneceriam em troca até a próxima recompensa. A identificação de micróbios úteis, como aqueles que retêm água ou combatem patógenos, pode ajudar as videiras a sobreviver às mudanças climáticas e os vinhedos a se tornarem mais sustentáveis.
“Esperamos identificar um ponto ideal onde você pode minimizar os insumos de fertilizantes, minimizar os insumos de pesticidas e maximizar as partes benéficas do microbioma que podem manter a saúde das plantas e do solo”, disse Revillini.
Esta notícia foi originalmente publicada na Horizon, a revista de pesquisa e inovação da União Europeia. Leia o original em inglês.
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