Não faltam alertas para chamar a atenção contra as tragédias ambientais recentes que se sucedem. Por que, então, nada vem sendo feito?
POR MARCO ROCHA
Efeito estufa, aquecimento global, alterações climáticas, crise climática e emergência climática… São muitos os termos criados ao longo dos últimos anos para tentar traduzir os impactos dos desastres ambientais que sofremos ano após ano.
A despeito da forma como nomeamos as cambalhotas que o clima da Terra vem dando nas últimas décadas, há detalhes importantes por trás de tantos nomes. A começar pela ciência e seus pesquisadores que trabalham arduamente para alertar a todos sobre as mudanças que nos impactam frontalmente.
Os cientistas nomearam e divulgaram os eventos climáticos adversos ao longo dos anos, não é à toa que existam tantos termos para a crise que vivemos. Agora, se essas informações foram amplamente disseminadas, se os alertas foram feitos, se os impactos estão por todos os lados, por que nada foi feito para evitar que as tragédias humanitárias e ambientais seguissem escalando ano após ano?
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O que agora entendemos como emergencial, já foi uma previsão que virou um alerta, que se transformou em crise. E tudo isso só foi possível pela convergência de atitudes como: negacionismo científico, interesses políticos contrários ao meio ambiente, favorecimento e estímulo de atividades como desmatamento, agronegócio predatório, mineração, crescimento desordenado de áreas urbanas, poluição de corpos hídricos, alterações sucessivas à legislação ambiental e deterioração da vegetação responsável pela manutenção de ecossistemas e biomas saudáveis.
A união perigosa destes fatores, somada ao fenômeno El Niño, que aumenta a incidência de chuvas no hemisfério sul nesse período, provocaram o que testemunhamos hoje no Rio Grande do Sul e que é, sem dúvida, a expressão máxima da emergência climática registrada no nosso país. E isso deveria ligar todos os alertas nas diferentes esferas de poder.
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Mas, diante dos fatos apresentados pela ciência e dos efeitos provocados por eventos climáticos extremos já sentidos em diversas regiões mundo afora, causa espécie não termos ações concretas do poder público, uma vez que a escala de prejuízos aumenta proporcionalmente aos impactos provocados pela crise climática em diferentes partes do Brasil.
Consequências da crise climática
Dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) demonstram: 93% das cidades brasileiras foram afetadas por eventos climáticos no período de 2013 a 2022. E 4,2 milhões de pessoas tiveram que deixar as suas casas em 47% dos municípios do Brasil.
Além da destruição da história de inúmeras famílias, os prejuízos relacionados apenas a habitação, ultrapassa os R$ 26 bilhões. E esses números impressionantes trazem um panorama de como a crise climática provoca emergências socioambientais em diferentes dimensões de acordo com a região do país.
Sendo a região a mais afetada por eventos climáticos extremos no período analisado pelo estudo, com 46,8 de suas cidades com casas afetadas, com 1 milhão de locais danificados e mais de 54 mil destruídos. Com prejuízos na casa de R$ 4 bilhões. Analisando esses dados, é possível concluir que quando a incompetência na gestão ambiental de municípios e estados dão o tom da discussão sobre os impactos da emergência climática no meio ambiente, isso não é uma coincidência.
No mesmo período analisado pelo estudo da CNM, um relatório do Observatório do Clima em 2023 constatou que houve, no território brasileiro, um aumento de 40% nas emissões brutas de gases do efeito estufa na atmosfera, sendo o desmatamento e a transformação do uso do solo das áreas florestais, sobretudo da Amazônia, o responsável por 52% dessas emissões, seguido pela atividade agropecuária com 27% das emissões.
O agravamento do desmatamento da Floresta Amazônica ocorreu no período de 2019 a 2022, em virtude da revogação do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, chancelado pelo governo de Jair Bolsonaro. E, a partir dessa e de outras decisões de um governo negacionista e com uma pauta anti-ambiental, aquele bioma registrou recordes de desmatamento anuais, desde 2019.
Para usar o termo cunhado pelo “anti-ministro” do meio ambiente da gestão Bolsonaro, Ricardo Salles, passaram a boiada sobre os biomas, permitindo todo tipo de degradação e desrespeito a legislação ambiental, o que nos leva a vivenciar extremos climáticos cada vez mais frequentes no país. Basta fazer um retrospecto rápido sobre locais afetados por fatores extremos. Apenas no ano de 2022, foram 11 grandes desastres ambientais provocados por chuvas intensas, com 386 vítimas fatais e 232 mil pessoas afetadas.
Tragédias que se espalharam pelo país em diferentes meses ao longo de 2022. Em janeiro, o Espírito santo sofreu com inundações provocadas por volumes de chuva acima do normal para a época. Em março, a cidade de Petrópolis na serra fluminense sofreu com a pior catástrofe ambiental de sua história, vitimando 241 pessoas. Em maio foi a vez de Santa Catarina registrar a passagem de um ciclone extratropical.
De maio a junho, Pernambuco e Sergipe foram castigados com chuvas acima da média. Em agosto, Santa Catarina foi, mais uma vez, vítima de um ciclone extratropical. Em outubro, Paraná e Goiás foram impactados também por fortes chuvas e em novembro, Bahia, Sergipe, Paraná e Santa Catarina registradas estragos provocados pelas chuvas. Isso sem falar nas ondas de calor extremos que ocorreram em diversos pontos do país, provocando seca e muitos prejuízos.
Caixa de Pandora da destruição ambiental
Porém, acreditar que a crise climática é provocada por alterações ambientais de forma espontânea, como propagam os negacionistas de plantão, é ignorar um elo importante nessa cadeia e que deveria atuar na prevenção, mitigação de danos e preservação ambiental.
Elo que reúne representantes do poder público que, com atitudes permissivas, contribuem para um significativo agravamento da crise ambiental que se expressa em diferentes níveis no território brasileiro. E a classe política, sobretudo no Congresso Nacional, trabalhou ativamente para a destruição das conquistas ambientais. As leis 14.701, derivada do PL do Marco temporal que afeta completamente a preservação de comunidades indígenas, e 14.785 que libera a utilização indiscriminada de agrotóxicos, ambas promulgadas em 2023.
Esse foi o gatilho para que a caixa de Pandora da destruição ambiental, denominada como “pacote de destruição” fosse aberta. Mais de 25 projetos de lei (PL) e 3 propostas de emenda à Constituição (PECs) foram criados ou desengavetados por parlamentares apenas nos 5 primeiros meses de 2024.
Todos esses projetos têm como objetivo comum, a destruição ambiental através da alteração da legislação ambiental, que tem como pilar a Política Nacional do Meio Ambiente, criada em 1981 e atualizada em 2011. Estes dados estão presentes no estudo realizado pelo Observatório do Clima em 2024, que denuncia a flexibilização do código florestal, o que propõe a redução da reserva da Amazônia legal, anistia para desmatadores e elimina a proteção dos campos nativos e de áreas não florestais, entre outros.
O licenciamento ambiental, o grande pilar da conservação ambiental, também está sob ataque. Segundo o pacote de destruição, as licenças ambientais serão autodeclaratórias e não mais obrigatórias, cria uma lista de atividades isentas de licenciamento, aumenta os riscos as comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, caiçaras).
Esse projeto já foi aprovado na Câmara e segue para apreciação do Senado Federal. O enfraquecimento de órgãos de fiscalização como o IBAMA, a liberação para as atividades de grilagem, a liberação de mineração em unidades de conservação… esses projetos, uma vez transformados em lei, provocarão danos irreversíveis a todos os biomas brasileiros e prejuízos aos povos tradicionais e o agravamento da emergência climática global.
Não podemos mais chamar de tragédia os efeitos da crise climática. O que testemunhamos ao longo dos últimos anos não se trata de eventos inesperados e, sim, o resultado de uma sucessão de irresponsabilidades, crimes ambientais, favorecimentos políticos, negacionismo científico, corrupção e um profundo desprezo pelo meio ambiente. Observamos, impotentes, a expressões extremas de um clima sistematicamente alterado pela ação humana, apesar dos alertas, apesar dos fatos.
Enquanto os representantes do povo seguirem aprovando pacotes de destruição ambiental, em breve, catástrofes como a do Rio Grande do Sul farão parte do cotidiano hostil de um planeta que fará de tudo para se libertar do seu maior algoz: o homem.
Marco Rocha – Biólogo, professor, palestrante, comunicador e pesquisador, com mestrado pela Fiocruz, doutorado pela UFRJ e University of Ottawa, no Canadá, e pós-doutorado pela Fiocruz.
Este texto foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.
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