Pesquisa da KPMG ouviu 839 lideranças femininas em 53 países e traz recorte do cenário brasileiro
POR NATÁLIA RANGEL
Em mais de um terço das residências, as mulheres que exercem funções de alto escalão e comandam grandes equipes nas empresas continuam sendo as únicas responsáveis pelos cuidados domésticos – 38% no mundo e 35% no Brasil. Essa realidade ainda é identificada em famílias de todos os grupos etários, desmentindo uma ideia difundida de que este padrão – em que só as mulheres assumem afazeres da casa – já não ocorre entre os mais jovens. Preconceito e discriminação ainda são comuns: duas em cada três profissionais relataram já terem sido prejudicadas em razão de seu gênero.
Os dados fazem parte da pesquisa KPMG Global Female Leaders Outlook 2023, que traz um raio x da profissional contemporânea que ocupa cargos de liderança nas empresas, com recortes específicos para o Brasil e América do Sul. O estudo revelou que a maioria das executivas femininas globais que participaram da pesquisa trabalha mais de 50 horas por semana e quase todas afirmam ser responsáveis pelo gerenciamento das tarefas domésticas. Aponta também que, em média, 20 horas por semana são dedicadas às demandas da casa pelas participantes – entre as brasileiras, a média é de 23 horas, o que equivale a quase 3 dias úteis a mais de trabalho por semana em tarefas não remuneradas.
Para o lazer, incluindo os finais de semanas, restam 12 horas para as trabalhadoras brasileiras (e 15 horas para as executivas globais). O total, incluindo trabalhos remunerados e não remunerados, é de 69 horas de trabalho semanal, em média, para as líderes globais, e de 70 horas para as líderes no Brasil. Um percentual menor das participantes da pesquisa informou jornadas mais longas: 25% das entrevistadas globais e 35% das brasileiras relatam 80 horas de trabalhos semanais.
A esse quadro soma-se que, no Brasil e no mundo, apenas 4% das profissionais casadas com parceiros do sexo masculino disseram que o cônjuge assume maior responsabilidade pelas demandas da casa; 21% delas não são casadas, 70% são mães e 80% possuem parceiros que também trabalham em tempo integral.
Desigualdade de gênero nas finanças: verdade inconveniente
Um quarto (25%) das executivas globais atua no setor financeiro, área com o maior número de mulheres líderes, de acordo com a pesquisa. No Brasil esse índice é de 20%. Quanto às áreas de atuação, as participantes brasileiras estão presentes em setores de riscos, jurídico, compliance e finanças. A revista Fortune 500, de 2022, traz 15,1% de mulheres à frente (CFOs) das finanças das maiores corporações do mundo, índice classificado como um recorde histórico pela publicação.
Há, portanto, muito o que caminhar. O certificado da Chartered Financial Analyst (CFA) é mais um termômetro das desigualdades: se no mundo, 18% dos profissionais certificados pela instituição são mulheres, no Brasil esse índice cai para 11%. A prestigiosa habilitação internacional é voltada aos profissionais que desejam atuar como analista financeiro e de investimentos.
Outro dado revela que existem apenas 6% de mulheres entre os profissionais certificados como gestores de carteira pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), pré-requisito para quem opera com gestão de fundos de investimentos. As informações estão no artigo Desigualdade de gênero no mercado financeiro: uma verdade inconveniente, da Fundação Getúlio Vargas, divulgado no ano passado.
71% das profissionais relatam aumento na demanda por relatórios ESG
Em relação aos temas ambientais, sociais e de governança (ESG), 67% das respondentes globais da pesquisa da KPMG, 71% das brasileiras e 51% das sul-americanas relataram aumento na demanda por relatórios e transparência em ESG. Abaixo, nove insights das CEOs entrevistadas sobre ESG:
- Pilares ESG estão cada vez mais relevantes para todos os stakeholders e negligenciar questões sobre ESG pode acarretar desvantagens competitivas significativas.
- A cobrança de transparência em relação aos critérios ESG é ainda mais forte entre as empresas com mais de US$ 1 bilhão em faturamento, que são as mais afetadas por novas regulamentações de compliance e exigências de relatórios.
- A maioria delas percebe os pilares ESG como fatores positivos para o desempenho dos negócios.
- As disrupções econômicas e geopolíticas, que exigem atenção imediata, são o maior desafio atual para a transformação ESG.
- Empresas precisam identificar as métricas em ESG apropriadas e estabelecer parâmetros que permitam uma ação coerente.
- Entender quais indicadores-chave de desempenho (KPIs) fazem sentido e como a qualidade dos dados pode ser garantida.
- Para elas, a crescente transparência e mensuração de resultados em ESG são impulsionadores-chave para a mudança sustentável nos negócios.
- Estabelecer frameworks abrangentes de governança e prestação de contas é fundamental.
No Brasil, nova lei assegura igualdade salarial entre homens e mulheres
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a diferença de remuneração entre homens e mulheres atingiu 22% no fim de 2022. Isso significa que uma brasileira recebe, em média, 78% do que ganha um homem. Além disso, elas enfrentam maiores dificuldades para ingressar, permanecer e ascender no mercado de trabalho, especialmente em setores mais qualificados e bem remunerados.
A nova Lei 14.611/2023, que trata da igualdade salarial entre mulheres e homens, devecontribuir para diminuir essa disparidade salarial e de oportunidades entre os gêneros, promovendo uma maior justiça social e econômica. A legislação prevê uma série de medidas, entre elas que as empresas com mais de 100 funcionários publiquem, semestralmente, um relatório de transparência salarial, com dados sobre número de mulheres em posições de liderança, salários das diferentes funções e critérios remuneratórios.
A igualdade salarial já está assegurada pela Constituição Federal (art. 7º, inciso XXX, que proíbe diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil). A nova lei, sancionada em julho de 2023, regulamenta as regras e cria obrigações para as empresas, para garantir o cumprimento desse direito.
Na prática, a igualdade salarial entre gêneros deixa a esfera de práticas relacionadas a ESG e passa a ser uma questão legal, fiscalizada por autoridades trabalhistas como o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho. A primeira entrega dos relatórios corporativos tem prazo final nesta sexta-feira 8, data que marca o Dia Internacional da Mulher. Em meio a um cenário de tantos desafios, é um avanço a se comemorar.
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