Todos, com algum esforço e fazendo valer a lei e o conceito de ESG, podemos fazer a diferença
POR HALIM ANTONIO GIRADE
Pagar salários menores para as mulheres em relação aos dos homens tem efeitos desastrosos nas suas vidas, nas de suas famílias e, especialmente, nas de suas crianças – além, é lógico, para o país em geral.
No Brasil, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), a remuneração média dos homens, no segundo quadrimestre de 2023, foi 25,3% maior do que a das mulheres. Além de ocuparem a maioria dos cargos de gerência, isso é, 60%, eles registraram a menor taxa de desemprego no mesmo período, 6,9%. A das mulheres foi de 9,6%.
Nesse estudo do Ibre, o valor do rendimento das mães solo no quarto trimestre de 2022 ficou 39% abaixo dos homens casados e com filhos e 20% menor do que as mulheres casadas e com filhos.
Ainda, as mulheres negras ganham menos da metade, isso é, 48% do que os homens brancos. Portanto, as mulheres negras estão entre os trabalhadores mais desfavorecidos – e as desigualdades, permanecem as mesmas, infelizmente, há anos.
É surpreendente notar que a Constituição Federal de 1988 não está sendo levada em consideração, mesmo após 35 anos, pois em seu artigo 7º, deixa claro em seu inciso XXX a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, cor, idade ou estado civil. A CLT, em seu artigo 461, reforça essa proibição.
Não haveria necessidade da nova Lei da Igualdade Salarial (nº 14.611 de 2023), que diz ser necessário mais fiscalização, transparência e multas, para fazer valer a igualdade de salários entre homens e mulheres, se a Constituição estivesse sendo respeitada.
Injustiças que se acumulam
Em seu artigo na Folha de S. Paulo, de 6 de outubro de 2023, de nome “Nós é que fizemos de menos”, sobre os 35 anos da Constituição Federal e o quanto ainda há que ser feito, Oscar Vilhena Vieira, da FGV, lembra que “não são as ambições que são excessivas, mas nossas injustiças que são muitas”.
Uma das injustiças gravíssimas, com consequências muitas vezes fatais para as mulheres, suas famílias e especialmente para as crianças, é exatamente a diferença salarial entre gêneros, principalmente se a mulher for negra e a única provedora da família, isso é, mãe-solo.
A Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) informa que no ano de 2021 foram registradas pelos cartórios 163 mil mães solo no país. Isso pode dar, em estimativa, cerca de mais de 950 mil mães solo de crianças na primeira infância, isso é, de crianças de 0 a 6 anos.
É preciso atentar para a gravidade da situação, pois, segundo a pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) As múltiplas dimensões da pobreza na infância e na adolescência no Brasil, divulgada no início de 2023, cerca de 32 milhões de meninos e meninas no Brasil vivem na pobreza. O número representa 63% do total de crianças e adolescentes no país e abarca a pobreza em diversas dimensões: renda, alimentação, educação, trabalho infantil, moradia, água, saneamento e informação.
As consequências para a mulher da pobreza e da disparidade salarial são avassaladoras. Levam a baixa autoestima, excesso de trabalho, dificuldades em cuidar da família, de oferecer alimentação e nutrição, acesso limitado à educação e saúde de qualidade para suas crianças, falta de moradia decente com saneamento adequado e de morar em lugares onde se tenha segurança e creches disponíveis.
Se essa mulher for mãe-solo, então, tudo fica pior. Seria a manutenção do ciclo da pobreza e seus efeitos deletérios. Há aumento do estresse financeiro, o que pode afetar sua saúde mental e emocional. Mais que isso, essa situação e suas consequências poderiam passar para as futuras gerações.
Para as crianças, tudo é ainda muito pior, pois a pobreza na primeira infância pode criar desigualdades de oportunidades em relação àquelas que não enfrentam adversidades. É importante saber que, segundo Jack Shonkoff, diretor do Center on The Developing Child da Universidade de Harvard, os primeiros anos de vida são importantes porque o que acontece na primeira infância, faz a diferença por toda a vida.
Em um estudo da Universidade Federal de Pelotas, publicado pela revista científica The Lancet em 2022, as crianças mais pobres, quando comparadas com as crianças mais ricas, apresentaram um risco duas a três vezes maior de morrer até os 5 anos de idade, ter baixa estatura, atraso de desenvolvimento cognitivo para a idade, não completar o ensino fundamental, e, entre as meninas, ter filhos antes dos 20 anos.
ESG e o papel das empresas
Como contribuir para resolver esse imenso desafio que perdura há décadas? Como fazer com que governos, empresas e sociedade civil contribuam para que a igualdade de salários entre homens e mulheres possa ser um catalisador para quebrar o ciclo da pobreza geracional?
Será que a necessidade de que as empresas levem a sério a sua sustentabilidade, que é a própria sigla ESG, pode realmente contribuir para que as mulheres tenham salários iguais aos dos homens? Será fazer cumprir a Constituição Federal, que fala em sociedade livre, justa e solidária, apelando para a empatia entre humanos?
Para a iniciativa Pacto Global Rede Brasil as empresas brasileiras, felizmente, aceleraram suas práticas sustentáveis em um movimento sem volta. Os investidores, cada vez mais, preocupam-se em direcionar seus investimentos a companhias com práticas ESG. Os consumidores, e não só mais jovens, revelam uma forte tendência em investir, consumir ou até mesmo trabalhar em empresas sustentáveis. É a busca pelo propósito, um olhar mais humano e consciente.
Portanto, hoje todos sabem que não pode haver o lucro a qualquer custo, pois o preço pode ser, sim, pago com vidas das crianças. Como diz o Pacto, é fato que propósito e lucro são indissociáveis e os dados mostram que os investimentos socioambientais e de governança corporativa estão ligados a uma melhor performance financeira.
Portanto, como as desigualdades nos salários em desfavor das mulheres afetam negativamente as crianças, principalmente na sua primeira infância, e o país em geral, ter menos dinheiro atinge diretamente as crianças e a qualidade do seu capital humano.
Como são, principalmente, as mulheres que criam as próximas gerações, é preciso, também, cuidar de quem cuida. Essa é apenas mais uma forma de garantir os direitos das crianças. Todos nós, com algum esforço e fazendo valer a lei e o conceito de ESG, podemos fazer a diferença, pois isso está sendo cada vez mais cobrado da sociedade.
Leia mais artigos do ESG Insights.

Halim Antonio Girade – Médico, é coordenador do Comitê Técnico da Primeira Infância do Instituto Rui Barbosa. Foi oficial do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil e secretário nacional de Promoção do Desenvolvimento Humano do governo federal.
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