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ESG era debate interditado, diz Fabio Alperowitch

Diretor da Fama é uma das pessoas mais vocais sobre ESG. Mas muitas vezes diverge do tom otimista

POR FREDERICO KLING

Fabio Alperowitch é uma das pessoas mais vocais sobre ESG no mercado financeiro. Ele é um dos fundadores e portfolio manager da Fama Investimentos, considerada por uma pesquisa da XP como uma das duas gestoras brasileiras, entre 60 estudadas, que se comprometem realmente com parâmetros ESG.

Ele, no entanto, muitas vezes diverge do tom otimista que existe em torno do tema. Se, por um lado, defende a importância da estratégia, ainda mais diante das consequências do aquecimento global e da deterioração socioeconômica brasileira, por outro não tem pudores e nem papas na língua na hora de apontar as contradições de seus pares. Não à toa, considera ser visto por eles “com desprezo”. 

Nessa entrevista ao ESG Insights, Fabio compartilha sua visão sobre o ESG no Brasil, explica por que isso ganhou tanta tração nos últimos anos e traça panoramas futuros para o tema. 

O termo ESG parece ter entrado forte no vocabulário do setor financeiro nos últimos tempos. Por que isso aconteceu? 

Fabio Alperowitch – O ESG já estava aí. Eu pratico há muitos anos, mas não era mainstream, e ainda não virou, só está saindo de um lugar muito nichado.  

Isso tem a ver com várias coisas. Tem a ver com uma mudança no capitalismo. Quem eram as referências de sucesso daquele capitalismo extremamente hostil da década de 1990? Era o Banco Garantia, a Ambev, as Lojas Americanas, eram justamente as empresas que se importavam só com elas mesmas e com seus acionistas, que não estavam interessadas em seus stakeholders. Se o fornecedor me der o máximo de desconto até quebrar, problema dele. Se exigir demais do meu funcionário até ele pifar, problema dele, ele que vá para casa, ele é um fraco. Esse era o modelo e essas empresas eram superadmiradas. Mas elas começaram a performar mal. Estamos numa transição que levou muitas empresas a começarem a valorizar seus stakeholders.  

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Tem uma segunda questão que é geracional. As pessoas da minha geração não estão nem aí para o social e para o ambiental. As pessoas da geração Z se importam com esses valores. Estou generalizando, mas questões como preservação ambiental, crueldade animal, racismo, homofobia etc. fazem parte dos valores dessa nova geração. O que significa que as empresas, quando querem vender produtos ou atrair talentos ou pensar na reputação da marca, precisam trazer um pouco desses conceitos.  

O terceiro ponto, pincipalmente na questão climática, é que caiu a ficha de que nós, sociedade, procrastinamos por muito tempo, estamos numa situação de emergência, e isso acaba implicando numa reação mais contundente. Do ponto de vista global, esses três movimentos têm levado ao aumento do interesse no ESG. 

Mas todos esses fatores já estavam de certa forma postos há quase uma década. 

Fabio Alperowitch – Isso tudo já era verdade há quatro anos. Por que está acontecendo agora? Aí acho que há alguns paradoxos que explicam. Primeiro, a eleição do Trump. Ele é o anti-ESG em pessoa. A campanha era sair do Acordo de Paris, sair dos tratados do clima do Obama, construir um muro com o México. Ele foi tão anti-ESG que provocou uma reação do mercado financeiro querendo ser mais vocal nesses pontos. A mesma coisa no Brasil. O Bolsonaro é o anti-ESG, e isso despertou a necessidade de muitos, inclusive a minha, de serem mais vocais sobre o que estavam fazendo da porta para dentro. Acho que isso explica essa aceleração. 

E como está o cenário do ESG no Brasil neste momento? Parece que todo mundo está ligado nessas questões. 

Fabio Alperowitch – Se fosse real, a gente teria muito menos problema no Brasil.  

Vamos dividir em alguns grupos, para não generalizar. Há de fato as pessoas que sempre se importaram com ESG e, agora, como isso virou o assunto do momento, estão acelerando, viram que tinham de fazer mais, fazer diferente, ter mais processo.  

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Há quem não fazia e quer começar a fazer, mas está completamente perdido. Têm os que acham que fazem, mas não fazem. Por exemplo, nunca fez nada, doa para um hospital do câncer. Genuinamente acha que está fazendo algo, mas não tem ideia do que seja.  

E tem uma parte enorme de empresas que fazem um pouquinho e dizem que fazem muito, uma questão de marketing. E tem quem ache que é tudo “mimimi”, coisa de esquerdinha e que não vai mudar nada.  

O grande avanço é a desinterdição do debate. Hoje, você pode chegar numa empresa e perguntar sobre ESG sem ser rotulado de comunista

Pelo menos, o assunto está na pauta, era um debate antes interditado. O grande avanço é a desinterdição do debate. Hoje, você pode chegar numa empresa e perguntar sobre ESG sem ser rotulado de comunista. Não que isso esteja resolvendo problemas, mas a porta está relativamente aberta para haver uma discussão. 

Qual a diferença entre ESG e responsabilidade social corporativa? 

Fabio Alperowitch – Todo mundo coloca tudo no mesmo saco. ESG é um protocolo para o mercado financeiro. Não tem nada a ver com sustentabilidade corporativa. Claro que existe alguma intersecção, mas o alcance é diferente, mas as pessoas juntam tudo numa salada só e isso gera muitas frustrações. As pessoas mais ligadas ao ambientalismo, por exemplo, vão dizer que não estão fazendo nada. De fato, é pouco, se falarmos do ponto de vista ambiental. ESG é menos, é um protocolo para o mercado financeiro, que sempre negligenciou questões ambientais e sociais, e agora está dizendo que tem de considerar essas questões. Mas não vai muito a fundo mesmo, e nem é esse o objetivo. 

A Vale, por exemplo, está envolvida em uma das maiores tragédias ambientais do país, e que resultou na morte de quase 300 pessoas. Ao mesmo tempo, também diz seguir o ESG. Como pode isso? 

Fabio Alperowitch – A Vale pode e deve ser ESG. Temos de tomar cuidado para não confundir ESG com impacto. ESG tem a ver com processo. Impacto tem a ver com produto. Uma empresa como a Vale pode ser de impacto positivo? Dificilmente. Mas pode fazer coisas de maneira mais responsável? Certamente. A atividade dela gera muitas externalidades ambientais. Mas pode fazer isso do jeito mais correto possível. Tem uma série de questões sociais. As pessoas trabalham com medo todos os dias de a barragem romper. As pessoas que moram em volta também têm medo. É horrível. Dá para ser mais responsável? Sem dúvida. Precisa fazer mineração em terras indígenas? Não. Dá para cuidar melhor de resíduos? Dá. A Vale pode ser uma empresa mais responsável, qualquer setor pode ter uma empresa mais responsável.  

Ninguém é ou não é ESG. Não é uma questão binária

Ninguém é ou não é ESG. Não é uma questão binária, salvo nos extremos, como uma empresa de armas. Em 99% dos casos, não precisamos excluir empresas por causa dos produtos que fabricam. 

Fala-se muito numa dicotomia entre ESG e rentabilidade. Isso é real? 

Fabio Alperowitch – Isso é uma total falácia. Essa dicotomia entre responsabilidade e rentabilidade é falsa. Isso afasta as pessoas da agenda da responsabilidade e da sustentabilidade. Mas isso não se confirma. É acadêmico, vários estudos mostram o contrário. Empresas mais responsáveis tendem a ser mais lucrativas e a correr menos riscos. As empresas responsáveis não são perdulárias. Acordam todo dia pensando em como ser maiores, melhores e mais rentáveis. Essa falácia é um grande entrave na agenda.  

Como você vê o futuro da pauta ESG no Brasil? 

Fabio Alperowitch – Precisamos dissociar governo de sociedade civil. É um erro que muitos investidores cometem. Há empresas maravilhosas aqui, que são benchmarks mundiais. O investidor que olha para as manchetes e querem julgar o país está esquecendo de fazer análise minimamente responsável.  

O Brasil, como país, é extremamente irresponsável. Mas há bons exemplos entre empresas brasileiras

O Brasil, como país, é extremamente irresponsável. Mas há bons exemplos entre empresas brasileiras. A Klabin é extremamente responsável do ponto de vista ambiental. A Renner, dado o setor que atua, ligado à moda, é uma empresa bastante responsável. Há também a Localiza, o Fleury, a Weg… Todas têm coisas para melhorar, mas são muito responsáveis.  

Mas há uma questão no contexto que torna tudo mais turvo. O fato de existir um caminhão de dinheiro migrando para ESG traz um interesse comercial muito grande para essa pauta. Se esse dinheiro todo não estivesse indo para esse tema, essas mesmas gestoras que falam de ESG estariam indo para criptomoeda.  

É muito difícil saber se ESG impactou de fato alguns. Para saber, teria de acontecer algo muito ruim, esvaziar o fluxo para ESG e saber na maré baixa se as pessoas continuam com isso ou não.  

No curto prazo, não estou muito otimista. Apesar de se estarem lançando muito produtos ESG, pouquíssimos estão se comprometendo de fato. Publiquei um artigo exatamente sobre isso falando da minha visão muito crítica da Cop-26. Como resolver isso? Tenho uma visão ou pouco romanceada e talvez ingênua. Essa nova geração, que se importa, no momento em que começar a ocupar posições no mercado financeiro, daqui a 5, 8 anos, aí vamos ter mudanças relevantes. A dúvida é se a gente aguenta até lá. 

A Fama Investimentos foi considerada, numa pesquisa da XP, uma das duas únicas gestoras entre 60 pesquisadas que realmente tem compromisso com ESG. Como esse envolvimento começou? 

Fabio Alperowitch – Quando começamos, em 1993, o acrônimo ESG não existia. Não foi uma estratégia comercial, e sim uma decisão baseada em nossos valores. Como vou colocar dinheiro de um cliente numa empresa que sonega imposto, que maltrata funcionário, que não respeita acionistas minoritários, que faz mal para a saúde pública? Era simplesmente uma questão muito forte nossa de valores éticos. Depois que ficamos sabendo de ESG, vimos que isso era maior do que nós mesmos.  

Existe muita falação, mas pouca ação. Investidores brasileiros não investem em ESG

Mas, no começo, não foi bem recebido, era zero relevante para as pessoas, que queriam saber de retorno. Ninguém me procurava porque tínhamos essa cabeça, mas porque o fundo dava retorno. Até o ponto em que isso nos incomodou tanto que começamos a procurar investidores fora do Brasil a partir de 2004. Desde então, privilegiamos investidores estrangeiros.  

Apesar de o ESG agora estar um pouco mais evidente no Brasil, são pouquíssimas as famílias ou investidores que investem com isso em mente. Existe muita falação, mas pouca ação. Investidores brasileiros não investem em ESG. 

Como seus pares no mercado financeiro veem você, que é tão vocal sobre questões ESG? 

Fabio Alperowitch – Com desprezo. Talvez seja visto como um radical, um cara que talvez eles tenham medo de que eu os exponha. Em 28 anos nessa profissão, não fiz um amigo no mercado financeiro. Tem pessoas que eu conheço, mas amigos de convidar para casa, frequentar, zero. Claro que tem pessoas e pessoas, mas, predominantemente no mercado financeiro, tem uma cultura que é muito distante do meu jeito de ser, dos meus valores. Depois que eu comecei a ser um pouco mais vocal nesse sentido, aí começaram a aparecer algumas amizades. Em geral é um público que não se importa com as coisas que eu me importo e vice-versa.  

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