Criada para combater evasão escolar, trabalho infantil e desemprego, Lei da Aprendizagem está no radar ESG de empresas
POR NATÁLIA RANGEL
Promover responsabilidade social, abrir espaço para inovação, ampliar o reconhecimento da empresa no mercado, formar profissionais alinhados ao perfil da companhia e criar equipes inclusivas e com maior diversidade. Tudo em sintonia com as métricas ESG e importantes ODS da Agenda 2030. Isso é um pouco do que o Programa Jovem Aprendiz tem a oferecer às empresas e à sociedade.
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Um levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego, feito com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado em 2023, mostra que 546.593 adolescentes e jovens estão formalmente empregados como jovens aprendizes por meio da Lei da Aprendizagem, instituída em 2000. Porém, especialistas estimam que o país poderia oferecer mais de 1 milhão de vagas, se todas as empresas cumprissem a lei.
País poderia oferecer mais de um milhão de vagas
Entre outras regras, a lei determina que grandes e médias empresas brasileiras têm de reservar uma parte das vagas (de 5% a 15% do total) para aprendizes de 14 a 24 anos que estejam estudando, ou que já tenham terminado o ensino médio.
Nessas empresas, os aprendizes cumprem contratos de até dois anos, com carteira assinada, salário, jornadas de trabalho reduzidas e matrícula obrigatória na rede escolar. Ele pode estar cursando o ensino fundamental, médio ou possuir certificado de conclusão do curso.
A maioria desses jovens e adolescentes, hoje empregada, tem pouca escolaridade e é de baixa renda. Para eles, a conquista do primeiro emprego era um sonho difícil de realizar. Importante lembrar que o trabalho infantil é proibido no Brasil e adolescentes, a partir de 14 anos, só podem trabalhar na condição de aprendizes.
“Tem empresa que prefere pagar multa”, diz especialista
O programa ainda emprega um número reduzido de pessoas quando se analisa que o Brasil, segundo o último Censo, tem 35 milhões de adolescentes e jovens entre 14 e 24 anos e, desse total, 7 milhões não trabalham nem estudam. Porém, esses números vêm aumentando.
Se em 2005, cinco anos após a promulgação da lei, o país contabilizava 57 mil aprendizes contratados, de lá para cá, a adesão do empresariado à medida foi crescente. Como incentivo, os legisladores também garantiram alguns benefícios fiscais, como redução de 8% para 2% no recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), dispensa do aviso-prévio remunerado e do pagamento de multa rescisória.
Em 24 anos, chegou-se a mais de meio milhão de empregos nesse segmento e, se todas as companhias cumprissem o que diz a lei, seria possível alcançar 1 milhão de beneficiados. “Hoje em dia, 50% das vagas não são preenchidas. Tem empresa que prefere pagar multa [que varia de R$ 408,25 a R$ 2.041,25 e dobra na reincidência]. Muitas vezes, ela não tem condição de receber um jovem ou de ter pessoal que o acompanhe. São diversas dificuldades que fazem com que o programa seja subutilizado”, avalia Joesmar Castanho, diretor da organização não governamental Vocação, que capacita adolescentes e jovens para o primeiro emprego junto a mais de 90 empresas parceiras.
Organizações como a Vocação atuam como entidades capacitadoras. Elas ajudam a fazer a ponte entre o jovem e o novo emprego, buscando suprir o gap educacional e achar uma boa combinação entre empresa e aprendiz.
“Desde 2017, a organização realizou a inclusão produtiva de 10 mil adolescentes e jovens de 15 a 22 anos. No Programa Jovem Aprendiz nós temos cerca de 90 empresas que abrem portas para absorver esses jovens”, conta Castanho, enfatizando que hoje muitas companhias querem contribuir com as boas práticas de ESG. “Ela declarou metas e está perseguindo o cumprimento dessas metas.”
Contratação impulsiona inovação e potencializa ações ESG
“Trabalhamos sempre nessa lógica de fortalecer os vínculos familiares, a defesa e garantia de direitos desses adolescentes, entregando para eles habilidades e competências técnicas e socioemocionais que ajudem a suprir o gap educacional que eles possuem e favoreçam a sua entrada no mercado de trabalho”, explica.
Ele conta que, além de prepará-los e capacitá-los há um acompanhamento dos jovens junto à empresa contratante. Castanho destaca a importância de desenvolver habilidades socioemocionais, atributo muito valorizado na maior parte das companhias. “A gente brinca que a formação técnica ajuda a empregar mais rápido, mas, se não tiver formação socioemocional, esse vai ser o motivo dele ser desligado depois”, alerta.
Neste mês, uma parceria entre a Vocação e a empresa Vivo disponibiliza 164 vagas para trabalhar na empresa nos setores administrativo e varejo. As oportunidades estão distribuídas em diversas cidades do país, como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Recife. As inscrições podem ser realizadas no perfil da Vivo na plataforma 99jobs.
Benefícios para os empresários
Elaine de Souza Bancalá é gerente de aprendizagem e conteúdo do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE). O CIEE atua há mais de 60 anos realizando a ponte entre jovens em situação de vulnerabilidade social e o mercado de trabalho. Para Bancalá, o Programa Jovem Aprendiz também traz muitos benefícios para o empresário, que vão muito além dos fiscais. Como pontos positivos, ela menciona:
- O impacto social da empresa no território no qual ela atua.
- A chance de formar profissionais alinhados à cultura organizacional da companhia.
- Uma maior conexão com a diversidade e as juventudes.
- Atender às demandas cada vez mais exigentes da agenda ESG global.
“Contratar jovens aprendizes é um investimento social que traz retornos importantes no curto, médio e longo prazo”, diz Bancalá, ao contar sobre sua experiência no CIEE, que capacita e direciona estudantes e jovens para cerca de 17 mil empresas parceiras em 19 estados brasileiros. “É assim que se constrói o futuro de um país. Oferecendo alternativas a adolescentes e jovens cheios de potencial, mas com tão poucas oportunidades”.
É o que exemplos internacionais também nos mostram, como afirma o advogado Ariel Castro Alves, ex-secretário Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente. “Suécia e Noruega são citados por instituições internacionais como referências de países que priorizam oportunidades educacionais vinculadas à formação profissional de jovens por meio de programas de aprendizagem. São países com os melhores índices mundiais de desenvolvimento humano e com os menores índices de desigualdades sociais e de violência”, destaca.
A valorização da aprendizagem e dessa modalidade de contratação é uma questão que precisa estar incorporada à cultura da empresa. Para Ana Luiza Herklotz, vice-presidente de Recursos Humanos da empresa Nava Technology Business, o programa Jovem Aprendiz é muito mais do que a renda que ele oferta.
“Estamos falando sobre proporcionar acesso a conhecimento. O Programa Jovem Aprendiz vai além do salário ou da carreira que ele irá seguir. É sobre adquirir conhecimento, interagir com outras pessoas e enriquecer-se social e culturalmente.”
Falta de informação, pouca divulgação e baixa escolaridade são entraves
Tanto para Castanho, do Vocação, quanto para Bancalá, do CIEE, a adesão ao programa aumenta à medida que as empresas têm mais informação sobre como ele funciona e os benefícios que proporciona. E que é preciso garantir maior fiscalização. “E não se trata de fiscalizar para multar as empresas. É preciso que elas tenham maior acesso à informação e recebam orientação. A legislação é complexa e não é todo mundo que conhece”, avalia Bancalá.
O especialista Castro Alves também reforça a necessidade de maior divulgação das oportunidades e da Lei da Aprendizagem pelo governo, escolas e sindicatos. “O governo federal deveria promover campanhas publicitárias oficiais incentivando a contratação de aprendizes e a ampliação de entidades formadoras desses jovens. As escolas precisam divulgar e incentivar seus alunos a ingressarem nos programas de aprendizagem e os sindicatos podem ajudar na fiscalização”, diz.
Para ele, os benefícios para as empresas são muitos. “Além de cumprirem a lei e evitarem as multas, possuem benefícios fiscais, também previstos na legislação, e cumprem com suas funções sociais. Ainda ampliam a diversidade da equipe de trabalho e os profissionais experientes ficam mais incentivados por estarem passando seus conhecimentos aos aprendizes. Sem contar que várias empresas possuem executivos e dirigentes que já foram estagiários e aprendizes”, explica.
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