Após anos de expectativas e poucos avanços, desenvolvimento dessa fonte de energia chega a momento crucial na América Latina
POR ANDRÉ DUCHIADE, DIALOGUE EARTH
O desenvolvimento da energia eólica offshore entra em um momento de definições na América Latina, após anos de expectativa e sem uma torre sequer operando na costa da região.
O Brasil prevê ainda para este mês a votação do marco regulatório do setor, essencial para o avanço do mercado, enquanto a Colômbia recebe até setembro ofertas de empresas que querem explorar sua área marítima.
Especialistas afirmam que o impulso à energia eólica offshore poderia contribuir para reduzir o consumo de energias fósseis e até impulsionar empregos e a economia local, uma vez que demandará tanto a construção de parques eólicos no mar quanto a modernização da infraestrutura terrestre, como a portuária.
“Os investimentos são alavancas de desenvolvimento econômico e industrial enormes nos países que estão impulsionando essa tecnologia”, disse Ramón Fiestas, diretor para a América Latina da GWEC, associação internacional de energia eólica.
No entanto, o setor demanda investimentos bastante altos. Segundo um levantamento do Centro Brasileiro de Infraestrutura, devido aos gastos de construção no oceano, a energia eólica offshore custa, por megawatt, três vezes mais do que a produzida pela eólica terrestre. Se considerado o custo de linhas de transmissão subaquáticas, o valor seria multiplicado por dez.
Além disso, faltam evidências relevantes na região sobre os riscos socioambientais das eólicas offshore. “Não existe nenhum estudo sobre os impactos desses projetos no hemisfério sul”, afirmou Adryane Gorayeb, coordenadora do Observatório da Energia Eólica da Universidade Federal do Ceará.
Gorayeb ressalta que estudos sobre a costa latino-americana em geral são escassos, “tanto em termos geofísicos, biológicos e ecológicos quanto sociais”, o que traz receios sobre os possíveis impactos marinhos de se desenvolver a infraestrutura da energia offshore.
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Potencial offshore brasileiro
No mar, os ventos são mais constantes e intensos do que em terra, além de a área ser mais ampla para abrigar os parques eólicos, proporcionando maior potencial de geração de energia. “Isso é enormemente valioso para um sistema elétrico”, disse Fiestas.
Maior produtor de energia eólica em solo latino-americano, o Brasil tem o potencial técnico de gerar mais de 1200 gigawatts (GW) de energia offshore, segundo um relatório do Banco Mundial de julho. Isso representa uma expansão significativa da capacidade instalada do país em todas as fontes de energia, que ultrapassou os 200 GW no mês passado. O documento afirma ainda que o setor poderia gerar 516 mil empregos até 2050, trazendo pelo menos R$ 900 bilhões para a economia brasileira.
Segundo o relatório, o potencial eólico offshore do Brasil é “vigoroso, consistente, diversificado geograficamente e localizado próximo aos centros de demanda”. Com isso, acrescenta o texto, o setor pode “ter papel de destaque na matriz energética de longo prazo do país”.
Isso tem atraído muitos interessados. Até abril, havia 97 pedidos de licenciamento de projetos offshore protocolados no Ibama, agência ambiental do governo brasileiro, que abriu um cadastro antes mesmo da promulgação do marco regulatório.
Segundo dados do Ibama, a maioria dos projetos propostos está no Rio Grande do Sul (27) e Ceará (25), posicionados entre dez e 40 quilômetros da costa. Espera-se atingir uma capacidade instalada de 234 GW com todos os projetos propostos no país.
Os pedidos aceleraram, segundo dados do órgão, a partir de 2022, quando foi promulgado um decreto regulamentando a cessão de áreas marinhas ao setor. Mas isso não dispensa o marco regulatório.
“O primeiro passo é ter um aparato legal. Sem ele, não acontece nada, porque o mar é um bem da União”, afirmou Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), que reúne 150 empresas ativas no setor.
Aprovado em novembro de 2023 pela Câmara, o projeto de lei pode ser votado ainda este mês pelo Senado, embora impasses políticos estejam atravancando seu avanço. Gannoum estima que, se for aprovado este ano, isso permitiria leiloar áreas em 2025, realizar licenciamentos em 2028 e começar a operação de usinas entre 2031 e 2032.
Sua aprovação é considerada prioritária pelo governo federal e integra um pacote de medidas ligadas à transição energética, incluindo ainda o marco legal do hidrogênio verde — que entrou em vigor no início de agosto.
A expectativa é que esses dois mercados se complementem. “O Brasil tem grande potencial para produzir hidrogênio verde barato, e a energia eólica offshore contribuirá significativamente para isso”, disse Gannoum. “Enxergamos isso como uma oportunidade de industrializar a economia a partir de uma matriz energética renovável”.
Leilões offshore colombianos
Com uma vasta costa de mais de três mil quilômetros, a Colômbia vem acelerando o setor eólico offshore desde 2022, com a aprovação de um plano de ação e uma resolução com diretrizes para os leilões.
Ao contrário do Brasil, a Colômbia não busca aprovar uma lei específica para as eólicas offshores e se baseia nas normas de geração elétrica existentes. Mas o buraco regulatório traz riscos, agravados por uma crise institucional. As diretrizes legais determinam que o presidente do país tem a responsabilidade de nomear seis especialistas em tempo integral para dar suporte à Comissão de Regulamentação de Energia e Gás, mas a agência passou quase um ano apenas com especialistas provisórios, e hoje tem apenas um funcionário nomeado e outros três temporários.
“Estes projetos [offshore] são de longo prazo, exigindo regras claras para que os investidores possam fazer seus investimentos”, afirmou Santiago Arango, especialista em energia e professor da Faculdade de Minas da Universidade Nacional da Colômbia em Medellín.
Em outubro de 2023, o governo colombiano lançou o primeiro leilão offshore da América Latina, cujo prazo foi estendido até setembro. Os interessados competem por licenças temporárias de oito anos para avaliar a viabilidade das áreas. Depois, os contratos podem ser convertidos em concessões de construção e operação de parques eólicos offshore por até 30 anos, com extensão opcional de 15 anos.
A escolha dos vencedores deve acontecer até agosto de 2025, e a concessão dos alvarás está prevista para dezembro do mesmo ano.
A Colômbia tem capacidade instalada de 20 GW em todas as fontes de energia, com uma meta de atingir, com as offshores, 7 GW em 2040 e 13 GW em 2050. Pelo plano de ação, seu potencial offshore é de 50 GW a 100 GW.
Mas nem todos confiam nesse avanço. “São metas extremamente ambiciosas”, afirmou Santiago Arango. “Duvido que sejam alcançadas”.
Outros países latino-americanos também investem no setor, mas de forma mais incipiente. Em março, o governo do Chile anunciou o início da elaboração de seu plano de ação, e em agosto, um consórcio britânico-chileno demonstrou interesse em erguer um parque eólico offshore no país. Já o Uruguai lançou o seu plano em 2022 e deve anunciar um chamado para investidores ainda este ano.
Desafios socioambientais à frente
Apesar das expectativas ambiciosas do mercado, Adryane Gorayeb e outros especialistas alertam que, se os estudos forem atropelados para apressar a instalação dos projetos, isso pode destruir ecossistemas marinhos, com prejuízos à pesca, ao turismo e à navegação.
Gorayeb cita possíveis impactos na biodiversidade marinha e nas correntes oceânicas a partir da construção e operação das eólicas offshores. Há ainda possíveis efeitos ambientais ao longo da cadeia de produção — por exemplo, na extração de madeira para a construção das turbinas.
Além disso, a instalação das turbinas pode preocupar populações costeiras, segundo Gorayeb. “As comunidades começam a ter medo em relação às mudanças que esses projetos podem trazer ao seu território, como especulação imobiliária e aumento de preços”, disse ela.
Alta Guajira, na Colômbia, é especialmente preocupante. Essa região no norte do país é uma das áreas mais cobiçadas pelo setor eólico e visada pelo governo como o “epicentro” da transição energética do país, mas também lar de muitas comunidades indígenas.
“É importante fazer uma boa gestão social desses projetos, indo além das consultas prévias exigidas por lei”, afirmou Arango.
Quanto a tais receios no Brasil, Elbia Gannoum, da Abeeólica, afirma que o licenciamento basta para evitar impactos nocivos.
“Quando o detentor tiver o título, ele conduzirá os estudos necessários e, com base neles, pedirá autorização do Ibama”, disse ela. “Os estudos incluem a avaliação da população marinha, atividades de pescadores e impactos do petróleo”.
Ramón Fiestas, do Gwec, afirma haver longa experiência acumulada com a tecnologia, e as melhores práticas internacionais a respaldam.
“Entre as comunidades de pescadores e os responsáveis pelos projetos, geralmente se criam vínculos, e os problemas são resolvidos; normalmente, delimitando-se as áreas de pesca compatíveis com a existência dos aerogeradores”, afirmou.Mas o avanço de parques eólicos terrestres na América Latina — como no Brasil, Colômbia e México — mostra que nem sempre o licenciamento e a experiência acumulada são suficientes para evitar impactos prejudiciais à biodiversidade e às comunidades.
Infraestrutura e lobbies
Outra incerteza é a capacidade de absorção da energia produzida pelos países que investirem no setor. Segundo Ramón Fiestas, até que se tenha uma infraestrutura madura, a eólica offshore requer construções de larga escala, com parques cuja capacidade instalada esteja acima de 500 MW.
“É nessa escala que se podem encontrar sinergias e economias de escala, principalmente em custos, e também racionalizar a cadeia de abastecimento”, disse Fiestas.
Isso seria mais difícil em países pequenos da região, onde cada projeto pode aumentar significativamente sua capacidade de geração elétrica.
Fiestas citou o exemplo do Uruguai, onde a capacidade instalada de todas as fontes elétricas é de 5,3 GW. Desenvolver um projeto de 1 GW representaria cerca de 20% de seu sistema elétrico. “Num país pequeno como o Uruguai, um grande projeto de energia eólica offshore pode representar um enorme desafio tecnológico”, acrescentou.
Finalmente, há impasses políticos. As eólicas offshore despertam resistência de setores ligados aos combustíveis fósseis. No Brasil, ao passar na Câmara, o projeto de lei offshore incluiu benefícios a termelétricas, o que tem travado sua votação no Senado.
A resistência desses setores e a preferência por opções mais baratas e seguras de produção de energia podem se repetir em outros países. Em março, durante uma seca causada pelo fenômeno El Niño, a Colômbia ativou ao máximo a potência de suas termelétricas.
Apesar dos discursos em prol da transição energética, governos podem titubear diante dos altos investimentos e dos riscos de apagão que frequentemente recaem sobre países da região, como Venezuela, Chile e Equador.
“Muitas vezes, os governos fazem um discurso, mas na hora H precisam ter segurança”, disse Arango. “Nenhum governo quer pagar o custo político de ter um país apagado. Portanto, pode haver conflito com o papel predominante dos combustíveis fósseis”.
Esta reportagem foi originalmente publicada no Dialogue Earth sob a licença Creative Commons BY NC ND.
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