Denúncias de assédio sexual nas empresas mais do que dobram em 2023; Nana Lima, da Think Eva, comenta iniciativas que as lideranças podem adotar para prevenir casos
POR BÁRBARA VETOS
A cada segundo, uma mulher sofre algum tipo de assédio no Brasil, de acordo com a pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização das Mulheres no Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2022. A realidade se estende ao ambiente de trabalho. De janeiro a julho de 2023, o Ministério Público do Trabalho recebeu 831 denúncias de assédio sexual em todo o país. Isso representa mais do que o dobro registrado durante o mesmo período em 2022 (393).
“As denúncias estão aumentando porque as trabalhadoras estão mais conscientes sobre o que é tolerável ou não”, explica Nana Lima, empreendedora social e co-fundadora da Think Eva. Antes de haver esse entendimento, a profissional conta que muitos comentários caiam em uma “zona cinzenta”, em que era difícil identificar se existiam más intenções ou cunho sexual por trás. “Comentários invasivos e de duplo sentido sobre a minha roupa, minha vida pessoal e o que eu fiz no fim de semana não têm nada a ver com o trabalho.”
Diferentemente do assédio moral que precisa de frequência, intencionalidade e pessoalidade, basta que o assédio sexual ocorra uma única vez para ser denunciado. Embora os casos continuem aumentando, o número permanece subnotificado.
“Precisamos olhar além daquela estrutura e daquele ambiente que permitiu que isso acontecesse e cobrar responsabilidade pelos atos”, comenta. “Todos na empresa precisam trabalhar para garantir que aquele seja um ambiente saudável e seguro.”
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Papel da liderança, hierarquia e poder
Segundo Lima, o assédio se constrói sob uma relação de poder. No ambiente de trabalho, a hierarquia pode ajudar a perpetuar essa situação. “Você não vai assediar alguém que tem o potencial de te prejudicar ou que ocupa um cargo mais alto que o seu, porque você precisa que sua palavra valha mais do que a dela.”
Entre as mulheres que sofreram assédio no trabalho, as principais vítimas são mulheres negras (52%) e aquelas que recebem entre dois e seis salários-mínimos (49%), revela estudo da Think Eva. A empreendedora conta que muitas também são mães solo e a única renda da casa. “Essas mulheres sentem que têm muito mais a perder em caso de denúncia.”
Nesse sentido, ela defende a importância de a liderança dar o exemplo a fim de conter o assédio e promover um ambiente de trabalho mais saudável. Pode ser que não seja ela a iniciar o assédio, mas ela riu do comentário que outro funcionário fez.
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“A liderança precisa saber inibir esse comportamento, definir que determinadas coisas não são aceitáveis e que existe uma advertência para cada uma delas”, diz. Se essa postura não vem dela, a profissional considera difícil uma mudança estrutural na organização.
Regras de conduta dentro e fora do escritório
Muito além da jornada de trabalho, o assédio sexual ultrapassa as barreiras físicas do escritório. Mesmo em home office, mulheres ainda estão sujeitas a esse tipo de situação por meio de videochamadas ou comentários nas redes sociais. Momentos como happy hour, confraternizações, eventos externos e viagens a trabalho também se tornam motivo de preocupação entre as vítimas.
Lima explica que é importante que as organizações deixem claro que tipo de comportamentos são considerados inadequados de acordo com seu código de ética e conduta. “Se a companhia tiver tudo formalizado, não tem como o assediador se voltar contra a empresa judicialmente e alegar que não sabia que não podia agir de determinada forma”, comenta.
Do lado das vítimas, a co-fundadora da Think Eva reforça que é importante denunciar e tentar conseguir o máximo de materialidade possível, por mais que seja difícil.
Acolhimento, canais de denúncia e treinamentos
Em 2023, a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (CIPA) adicionou a palavra assédio na sigla e ganhou novas atribuições para o enfrentamento a situações de violência nas relações de trabalho. De acordo com a Norma Regulamentadora n° 5, a formação da CIPA é obrigatória para empresas com mais de 20 funcionários.
Em termos práticos, a companhia deve incluir regras de conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência em suas normas internas, receber e acompanhar denúncias, e aplicar sanções aos responsáveis diretos e indiretos pelos atos de assédio sexual. Além disso, a empresa deve realizar ações de capacitação, orientação e sensibilização dos funcionários no mínimo a cada 12 meses.
No entanto, a profissional afirma que ainda existem muitas empresas que não implementaram os canais de denúncia de uma forma adequada. “Denúncia não é vingança, não é retaliação, não é fofoca de escritório”, enfatiza. A ideia é que esses canais sejam um lugar seguro, em que seja possível fazer denúncias com a confidencialidade necessária. Além disso, ela ressalta a importância de que a investigação ocorra entre o compliance da empresa e um serviço externo e neutro, a fim de garantir sua efetividade.
Tema dialoga com pauta ESG nas empresas
De acordo com o levantamento da Think Eva, uma em cada seis vítimas de assédio sexual no ambiente de trabalho pede demissão. A situação também pode fazer com que a pessoa se afaste e enfrente sentimentos de medo, cansaço, diminuição da autoconfiança e autoestima, baixa performance e desenvolva sintomas de ansiedade e depressão.
A falta de investimento em ferramentas de prevenção e cuidado com casos de assédio também é custosa. “Não adianta ficar só fazendo palestra. Precisamos atuar sobre legislação, política afirmativa, e benefícios para as mulheres”. Para ela, isso também faz parte da estratégia ESG das empresas.
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“É uma análise de risco e de negócio”, explica. Os riscos vão desde uma avaliação reputacional negativa, até problemas financeiros e pressões de outras empresas e financiadores.
Para Lima, o papel das empresas no enfrentamento ao assédio deve ser o de treinar as lideranças, punir o assediador da maneira adequada, apoiar a vítima, oferecer suporte médico e evitar que outros casos ocorram. “Mas o que eu ainda vejo são empresas brasileiras atuando de maneira reativa, e não proativa. Isso custa caro para essas mulheres”, avalia.
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