Categorias
Factiva iG Tudo sobre ESG

Falta de posicionamento das lideranças pode mascarar casos de assédio sexual

Muito além da jornada de trabalho, o assédio sexual ultrapassa as barreiras físicas do escritório (Foto: AndreyPopov/Canva)

Denúncias de assédio sexual nas empresas mais do que dobram em 2023; Nana Lima, da Think Eva, comenta iniciativas que as lideranças podem adotar para prevenir casos

POR BÁRBARA VETOS

A cada segundo, uma mulher sofre algum tipo de assédio no Brasil, de acordo com a pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização das Mulheres no Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2022. A realidade se estende ao ambiente de trabalho. De janeiro a julho de 2023, o Ministério Público do Trabalho recebeu 831 denúncias de assédio sexual em todo o país. Isso representa mais do que o dobro registrado durante o mesmo período em 2022 (393).

“As denúncias estão aumentando porque as trabalhadoras estão mais conscientes sobre o que é tolerável ou não”, explica Nana Lima, empreendedora social e co-fundadora da Think Eva. Antes de haver esse entendimento, a profissional conta que muitos comentários caiam em uma “zona cinzenta”, em que era difícil identificar se existiam más intenções ou cunho sexual por trás. “Comentários invasivos e de duplo sentido sobre a minha roupa, minha vida pessoal e o que eu fiz no fim de semana não têm nada a ver com o trabalho.”

Diferentemente do assédio moral que precisa de frequência, intencionalidade e pessoalidade, basta que o assédio sexual ocorra uma única vez para ser denunciado. Embora os casos continuem aumentando, o número permanece subnotificado.

“Precisamos olhar além daquela estrutura e daquele ambiente que permitiu que isso acontecesse e cobrar responsabilidade pelos atos”, comenta. “Todos na empresa precisam trabalhar para garantir que aquele seja um ambiente saudável e seguro.”

  • ESG Insights no seu e-mail – Grátis: nossa newsletter traz um resumo da edição mais recente da revista ESG Insights, além de notícias, artigos e outras informações sobre sustentabilidade.

Papel da liderança, hierarquia e poder

Segundo Lima, o assédio se constrói sob uma relação de poder. No ambiente de trabalho, a hierarquia pode ajudar a perpetuar essa situação. “Você não vai assediar alguém que tem o potencial de te prejudicar ou que ocupa um cargo mais alto que o seu, porque você precisa que sua palavra valha mais do que a dela.”

Entre as mulheres que sofreram assédio no trabalho, as principais vítimas são mulheres negras (52%) e aquelas que recebem entre dois e seis salários-mínimos (49%), revela estudo da Think Eva. A empreendedora conta que muitas também são mães solo e a única renda da casa. “Essas mulheres sentem que têm muito mais a perder em caso de denúncia.”

Nesse sentido, ela defende a importância de a liderança dar o exemplo a fim de conter o assédio e promover um ambiente de trabalho mais saudável. Pode ser que não seja ela a iniciar o assédio, mas ela riu do comentário que outro funcionário fez.

“A liderança precisa saber inibir esse comportamento, definir que determinadas coisas não são aceitáveis e que existe uma advertência para cada uma delas”, diz. Se essa postura não vem dela, a profissional considera difícil uma mudança estrutural na organização.

Regras de conduta dentro e fora do escritório

Muito além da jornada de trabalho, o assédio sexual ultrapassa as barreiras físicas do escritório. Mesmo em home office, mulheres ainda estão sujeitas a esse tipo de situação por meio de videochamadas ou comentários nas redes sociais. Momentos como happy hour, confraternizações, eventos externos e viagens a trabalho também se tornam motivo de preocupação entre as vítimas.

Lima explica que é importante que as organizações deixem claro que tipo de comportamentos são considerados inadequados de acordo com seu código de ética e conduta. “Se a companhia tiver tudo formalizado, não tem como o assediador se voltar contra a empresa judicialmente e alegar que não sabia que não podia agir de determinada forma”, comenta.

Do lado das vítimas, a co-fundadora da Think Eva reforça que é importante denunciar e tentar conseguir o máximo de materialidade possível, por mais que seja difícil.

Acolhimento, canais de denúncia e treinamentos

Em 2023, a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (CIPA) adicionou a palavra assédio na sigla e ganhou novas atribuições para o enfrentamento a situações de violência nas relações de trabalho. De acordo com a Norma Regulamentadora n° 5, a formação da CIPA é obrigatória para empresas com mais de 20 funcionários.

Em termos práticos, a companhia deve incluir regras de conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência em suas normas internas, receber e acompanhar denúncias, e aplicar sanções aos responsáveis diretos e indiretos pelos atos de assédio sexual. Além disso, a empresa deve realizar ações de capacitação, orientação e sensibilização dos funcionários no mínimo a cada 12 meses.

No entanto, a profissional afirma que ainda existem muitas empresas que não implementaram os canais de denúncia de uma forma adequada. “Denúncia não é vingança, não é retaliação, não é fofoca de escritório”, enfatiza. A ideia é que esses canais sejam um lugar seguro, em que seja possível fazer denúncias com a confidencialidade necessária. Além disso, ela ressalta a importância de que a investigação ocorra entre o compliance da empresa e um serviço externo e neutro, a fim de garantir sua efetividade.

Tema dialoga com pauta ESG nas empresas

De acordo com o levantamento da Think Eva, uma em cada seis vítimas de assédio sexual no ambiente de trabalho pede demissão. A situação também pode fazer com que a pessoa se afaste e enfrente sentimentos de medo, cansaço, diminuição da autoconfiança e autoestima, baixa performance e desenvolva sintomas de ansiedade e depressão.

A falta de investimento em ferramentas de prevenção e cuidado com casos de assédio também é custosa. “Não adianta ficar só fazendo palestra. Precisamos atuar sobre legislação, política afirmativa, e benefícios para as mulheres”. Para ela, isso também faz parte da estratégia ESG das empresas.

“É uma análise de risco e de negócio”, explica. Os riscos vão desde uma avaliação reputacional negativa, até problemas financeiros e pressões de outras empresas e financiadores.

Para Lima, o papel das empresas no enfrentamento ao assédio deve ser o de treinar as lideranças, punir o assediador da maneira adequada, apoiar a vítima, oferecer suporte médico e evitar que outros casos ocorram. “Mas o que eu ainda vejo são empresas brasileiras atuando de maneira reativa, e não proativa. Isso custa caro para essas mulheres”, avalia.

Foto: AndreyPopov/Canva
Muito além da jornada de trabalho, o assédio sexual ultrapassa as barreiras físicas do escritório

 

ÚLTIMAS NOTÍCIAS
  • Afundando nas sobras
    No dumpster diving, descarte de roupas feito pelas lojas tem outro destino: o guarda-roupa
  • Germes de segunda mão
    Roupas de brechó podem estar cheias de germes; veja o que é preciso saber
  • Reinventando o futuro
    Alternativas ao fast fashion visam garantir sustentabilidade e dignidade nas relações humanas
  • Um lookinho por segundo
    TikTok impulsiona tendências no fast fashion e favorece o consumo exacerbado
  • A um clique do consumo
    Crescimento do comércio on-line estimula vendas por impulso e eleva participação do setor de moda no PIB
  • Escravos da moda
    Do outro lado do mundo, ou em uma esquina perto de você, o trabalho forçado é usado para produzir os itens do seu armário
  • Planeta descartado
    Lógica do fast fashion incentiva uma cultura de hiperconsumo e descarte: elementos incompatíveis com o futuro
  • Pra que tanta roupa?
    Ações não têm sido capazes de frear o avanço do hiperconsumo e seu dano ambiental
  • Planeta está próximo de ultrapassar limite de aquecimento de 1,5º C 
    O limite de temperatura estabelecido pelo Acordo de Paris em 2015 está ficando para trás
  • Painéis solares colocam espécies em risco na Caatinga
    A área possui centenas de espécies animais e vegetais da Caatinga, além de nascentes que alimentam afluentes do Rio São Francisco