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O custo invisível do trabalho de marcas de roupas famosas na Tailândia

Os trabalhadores da fábrica têm apenas um dia de folga por mês – o dia em que recebem seus salários. (Foto: "Jeans factory Kaiping" by Bert van Dijk is licensed under CC BY-NC-SA 2.0.)

Jornada abusiva, salário baixo e negligência; leia o relato de uma trabalhadora

POR WANNA TAMTHONG

Ma Ma Khin (nome fictício) é uma trabalhadora migrante que enfrentou seu empregador para exigir um salário-mínimo justo. Ela trabalhava em uma confecção de roupas na fronteira da Tailândia, onde muitas dessas empresas e outras fábricas estão localizadas, devido a um esquema de investimento promovido pelo governo na área de fronteira.

A empresa para a qual ela costumava trabalhar é uma fabricante em larga escala que produz roupas de varejo para marcas estrangeiras famosas. A sua luta e de seus colegas trabalhadores migrantes começou durante a pandemia de covid-19.

Ma Ma Khin disse que, quando a covid se espalhou, alguns anos atrás, muitas fábricas receberam menos pedidos. Como ela e os outros trabalhadores migrantes eram pagos por peça produzida, quando os pedidos de costura diminuíram, quase nada restou de seu salário mensal. Durante esse tempo, ela recebia apenas ฿ 2.000 (baht tailandês) por um mês de trabalho (R$ 275,91 no câmbio atual) – muito menos do que o mínimo exigido pelo Estado, que varia de ฿ 9.000 a ฿ 10.000 por mês, dependendo da região.

“O empregador não pagava o salário exigido por lei. A vida dos trabalhadores era pior do que deveria ser normalmente. Fui ao empregador e pedi um pequeno aumento salarial porque não era um salário digno. Ele não se importou. Quem não quisesse trabalhar poderia sair. Mas se deixássemos nosso emprego lá, onde poderíamos encontrar trabalho durante a covid-19? Fazer exigências era como bater a cabeça contra a parede. Era inútil, porque não conseguíamos nada”, relata.

Ma Ma Khin disse que as condições de trabalho na confecção eram bastante desafiadoras. Ela tinha que começar seu turno às 8h, mas era incerto quando encerraria, pois o horário de término dependia dos pedidos recebidos pela fábrica. Sempre que havia muitos pedidos, os trabalhadores tinham que trabalhar durante a noite até o dia seguinte.

“Esse tipo de trabalho é costura de peças sob contrato. Você ganha de acordo com o que faz. Se você está perguntando quanto eu ganho, houve dias em que não fui paga. Não me lembro quantas peças costurei por dia, mas sei que havia muito pouco tempo para descansar. Depois de voltar do trabalho, eu me sentia exausta a ponto de não conseguir nem comer. Trabalhei lá por um ano, e em tempos normais (antes da covid-19), o maior salário que recebi foi de ฿ 9.000 (R$ 1.241,59)”, relembra.

Os trabalhadores da fábrica têm apenas um dia de folga por mês – o dia em que recebem seus salários.

“Pedir licença médica não era fácil. Você tinha que estar doente à beira da morte para o empregador permitir que você fosse ao hospital. Quando estava me recuperando, recebi apenas um comprimido de paracetamol. A vida dos trabalhadores é difícil. Não sou só eu. Meus amigos também enfrentam os mesmos problemas”, conta ela.

Depois que Ma Ma Khin e mais de cem trabalhadores migrantes na fábrica se reuniram para exigir salários justos, o empregador fechou os portões e impediu que os trabalhadores fossem trabalhar. As tentativas de exigir um salário justo terminaram com sua demissão. Seu empregador colocou seu nome e os de outros líderes do protesto em uma lista negra, e outros empresários foram orientados a não contratar esse grupo de trabalhadores. Ma Ma Khin permanece desempregada até hoje.

No entanto, não desistiu da luta. Ela e seus colegas trabalhadores migrantes foram auxiliados por grupos de direitos humanos ao entrar com um processo contra uma empresa do Reino Unido que é proprietária das marcas de roupas cujos produtos foram produzidos em fábricas exploradoras.

Perguntada sobre as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores na confecção, Ma Ma Khin compartilhou que “a vida de um trabalhador que costura roupas é muito dolorosa. Na verdade, as roupas que os estrangeiros usam são as mesmas peças de roupa que foram (feitas) por meio do suor e lágrimas de trabalhadores que têm que sofrer por isso”.

Segurança social ou taxa policial?

Ma Ma Khin também explicou que há corrupção em torno da exploração e do uso de trabalho forçado nas confecções. Nos contracheques que ela recebe, há uma caixa que mostra que cada trabalhador tem 3% deduzido do salário. O documento diz que a dedução é para “segurança social”, mas na realidade, os empregadores deixaram de registrar seus trabalhadores no sistema de seguridade.

Ela disse que a maioria dos trabalhadores migrantes na fábrica acredita que o dinheiro deduzido todo mês em nome de “segurança social” é na verdade uma “taxa policial” retirada pelo empregador para pagar à polícia. Isso é baseado em informações que receberam da administração.

Thirawat Muphayak, vice-superintendente de Investigações na Delegacia de Polícia Provincial da cidade de Mae Sot, disse ao site Prachathai que “taxa policial” é um termo usado entre trabalhadores migrantes e seus empregadores para se referir a uma forma de suborno chamada corretamente de “taxa de proteção”.

“Todo trabalhador migrante só conhece a polícia. O que quer que um oficial militar use, eles os chamam de polícia. O que quer que um funcionário do governo use, eles os chamam de polícia, porque só conhecem a polícia, mas não conhecem pessoal militar e funcionários do governo. A palavra ‘taxa policial’ é uma taxa de proteção, o custo de cuidar das coisas, como alegou o acusado [o gerente da fábrica].”

O vice-superintendente de Investigações disse que o gerente confessou durante o processo que eles tiravam dinheiro do salário de seus funcionários para pagar ao exército, à polícia e aos funcionários administrativos. Mas ele disse que essa alegação era falsa e usada para assustar os funcionários e impedi-los de deixar o local.

“É uma espécie de alegação que eles dizem aos funcionários para assustá-los e impedi-los de deixar o local. Quando trabalham, têm que ficar na fábrica e continuar fazendo horas extras. Isso é uma alegação falsa. Quando os funcionários foram interrogados e perguntados se já viram policiais pedirem dinheiro, nenhum dos funcionários confirmou, e ninguém disse que viu o que os gerentes alegaram.”

Thirawat falou que uma investigação conjunta entre o exército, a polícia e a administração não encontrou nenhum oficial envolvido no tipo de extorsão mencionada pelos trabalhadores. Ele afirmou que os gerentes disseram isso aos trabalhadores como razão para retirar dinheiro de seus salários.

Segundo ele, um gerente subordinado da fábrica de costura deduzia dinheiro do salário dos trabalhadores, alegando ser uma “taxa policial”, e criava uma “conta secreta”. O gerente subordinado e outros envolvidos confiscavam o cartão de crédito ou débito de cada trabalhador e retiravam o dinheiro que tinham deduzido dos salários antes do dia do pagamento.

Exigindo responsabilidade dos investidores transnacionais

Suchart Trakoonhutip, da organização não governamental MAP Foundation, ONG, tem uma proposta sobre como responsabilizar os proprietários de marcas.

“É possível para o governo criar um fundo e solicitar contribuições diretas de investidores estrangeiros. Qualquer pessoa que queira investir na Tailândia deve primeiro contribuir para esse fundo e, se o investidor violar os direitos trabalhistas e fugir, o governo usará o dinheiro do fundo para compensar os trabalhadores de acordo com seus direitos. Já propusemos isso há muito tempo, mas não há sinal de clareza sobre o que fazer com esses investidores.”

Suchart citou o trabalho da Clean Clothes Campaign, uma organização internacional de defesa dos direitos trabalhistas. Por meio da campanha “Pague seus trabalhadores”, as marcas são obrigadas a contribuir para um fundo. Se uma marca viola os direitos dos trabalhadores, o fundo será usado para fornecer ajuda aos trabalhadores afetados. Suchart acredita que isso pode ser aplicado na Tailândia, exigindo que os investidores contribuam para um fundo que possa ser acessível a migrantes e trabalhadores deslocados.

Este texto de Wanna Tamthong foi originalmente publicado pelo Prachatai, um site de notícias independente na Tailândia. Uma versão editada foi republicada pelo Global Voices sob um acordo de compartilhamento de conteúdo entre parceiros, em licença Creative Commons, em 27/12/2023.

Foto: “Jeans factory Kaiping” by Bert van Dijk is licensed under CC BY-NC-SA 2.0.
Os trabalhadores da fábrica têm apenas um dia de folga por mês – o dia em que recebem seus salários.

 

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